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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O Panteísmo de Allan Kardec


O panteísmo de Allan Kardec
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Abril 1943

No seu livro de ataque ao Espiritismo, descobriu o muito digno Sr. padre Zioni que Kardec é panteísta. E se bem o disse, melhor o provou.

Vejam, agora, a documentação que ele apresenta, deixando no ânimo dos leitores, em geral, em especial no dos alunos do Seminário, a convicção do panteísmo de Kardec. Assim, transcreve ele de “Le Spiritisme à sa plus simple expression.”:

"Deus atrai todos a si mesmo”.

Entre parênteses, acrescenta o professor: "Note-se a ideia panteísta".

Notaram? Agora, por exemplo, diz alguém: O mestre chamou a si todos os alunos. É uma ideia panteísta, notaram?

A Irmã Paula chamou a si todos os necessitados... Quem não notará o panteísmo da irmã Paula?

"O reverendo foi de porta em porta e, procurando encaminhar aquelas almas para Deus chamou-as todas a si".

Panteísmo no caso.

O professor, a irmã Paula e o reverendo estavam emitindo ideias panteístas. Note-se.

É muito comum e as histórias estão cheias de tais relatos, dizer alguém, quando invoca auxilio ou socorro: - "A mim, a mim!" "é: mim, os mosqueteiros do rei!".

Os pedintes, sem o saberem, provavelmente estão fazendo panteísmo.

Notará, entretanto, na frase atribuída ao Kardec (quem não tiver preconceitos eclesiásticos, que a Deus se atribuía a bondade de chamar ao seu seio, ou ao seu reino ou a mansão da felicidade, indistintamente, todas as criaturas.

É isto o que é chamar a si.

Outro lanço em que o reverendo deixa irretorquivelmente provado o panteísmo kardecista:

"Pela morte do ser orgânico os elementos que o formavam sofrem outras combinações para construírem outros seres, os quais tiram da fonte universal o princípio da vida e atividade absorvendo-o e assimilando-o para o restituírem a esta fonte, quando cessarem de viver.

Notaram? Eu, com franqueza, não consegui notar coisa nenhuma.

Que é que tem aquilo com panteísmo? 

Porque as diversas combinações sofridas pelos seres orgânicos importariam em ideias panteístas? Ou o padre ensinará aos seus alunos que seres orgânicos são seres espirituais?

Orgânico é aquilo que tem órgãos. Refere-se a corpos, corpos organizados.
Todos sabem, os que têm ligeira tintura de história natural - que os corpos vegetais e animais nascem, crescem, vivem e morrem. Mortos, voltam ao laboratório da natureza, onde se transformam em novos corpos. O cadáver decompõe-se e nos imensos fornos da natura transmuda-se, e o corpo disforme, infecto, pútrido renasce em cotilédones, em hastes, em folhas, em galhos, em flores, em frutos...

Qualquer colegial sabe disto, provavelmente com exceção dos seminaristas do Central do Ipiranga. Kardec, consequentemente, não ensinou coisa nenhuma de panteísmo; apresentou, apenas, uma noção que se encontra, com pequenos acréscimos, em qualquer epitome de ciências físicas e naturais.

Outra demonstração. Transcreve do Kardec o reverendo:

"Deus sendo eterno, deve haver criado incessantemente. Deus, espírito e Matéria constituem o princípio de tudo o que existe - a trindade universal.

Fomos procurar onde Kardec teria dito aquilo, pelo menos para saber se ele tinha, de fato, escrito, ou porque escrevera espírito com ‘e’ pequeno e Matéria com ‘M’ grande.

Baldado empenho.             

A citação é de Justino Mendes. O padre Zioni cita Allan Kardec através do Padre Justino.

Qual o processo de verificar o que disse o Kardec, onde o disse, como disse? Não o sabemos.

Já Ruy Barbosa censurava esse processo de citar, principalmente quando tais citas constituíam prova.

Assim se exprimia o notável jurista:

"O costume que o professor seguiu, de citar unicamente o nome do clássico, sem a obra e o lugar onde se acha a passagem transcrita, não satisfaz, nem se explica. Admite-se nos manuais escolares, por não os carregar de notas e lhes avultar o porte. Mas, em trabalhos de crítica, maiormente nas polêmicas, é injustificável. Ou o escritor cita de primeira mão, e nada lhe custará declarar de onde o faz; ou de segunda e terceira, e então, se o livro de onde tirou, for igualmente omisso, os seus documentos não estão verificados, nem são verificáveis; o que os priva inteiramente de valor." (Réplica, 14.)

Cabe inteira a carapuça no ilustre reverendo.

Qualquer, porém, que fosse a mão em que ele houvesse apanhado o texto que transcreveu, o que não notamos é onde ressumbra ali algo de panteísmo.
O que diria o Kardec é que existe Deus, espírito e matéria, e tudo no Universo se resume nessa trindade. Pois não é?..

Pois não sabe o reverendo e não sabe todo o mundo que existe Deus, que existe o espírito, e que existe a matéria?

E há alguma coisa fora da matéria, espírito e Deus?

A existência de Deus não a negará o reverendo.

Que tudo o mais que existe ou é matéria ou é espirito, ou promana de uma ou de outro, proclama-o a ciência, a filosofia e a religião.

Kardec, pois, não fez mais que repetir um axioma velhíssimo, estafadíssimo. Se o reverendo acha que isto é panteísmo - doutrina interessante pela sua originalidade - a culpa não cabe ao Kardec.

*

Se em questões de tão pequena monta, e tão triviais, tropeça, claudica e erra o professor do Seminário, imagine-se o que poderá ser a sua ofensiva aos conceitos, aos ensinos, aos postulados do Espiritismo.

Temos um pequeno exemplo na maneira por que trata do perispírito e o discute.

Vejamos as suas proposições:

"A função do Perispírito é servir de substratum para as materializações..."

Pelo dito, parece que o perispírito só tem essa finalidade: servir de substratum às materializações.

Temos ainda:

O Perispírito prende-se ao corpo, pelo chamado cordão umbilical, visível nas sessões como um fio luminoso. Este último torna-se visível se leva consigo moléculas do corpo do médium.

Esta visibilidade do cordão umbilical quando leva consigo moléculas do corpo do médium foi ensinada pelo padre Lacroix e por d. Otavio Chagas de Miranda.

O que não sabemos quem ensinou é o trecho que se segue:

"Sua finalidade (a do perispírito) é prender a alma ao corpo. Não pode portanto separar-se do seu espírito, sem que advenha a morte do indivíduo."

O que nós sabemos é que o perispírito nunca se separa do espírito. A hipótese de que se possa separar, palpita-nos que seja teoria ou ensinamento do reverendo Lacroix ou de Monsenhor Miranda, nunca de Allan Kardec.

"Os presentes a uma sessão espirita que têm vibrações iguais às do médium, podem fornecer parte do seu Perispírito para as materializações."


Os presentes a fornecerem parte do seu perispírito para as materializações, deve ser ainda, um luminoso ensino de d. Miranda ou do padre Lacroix; nunca, porém, de Allan Kardec ou espírita que saiba alguma coisa. 

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