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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Coisas que não sabíamos


Coisas que não sabíamos
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Junho 1943

Não há dúvida de que o livro do padre Zioni foi um prestimoso trabalho, que não só veio ensinar muitas coisas aos seminaristas do Ipiranga como a nós mesmos, espiritistas.

Assim é que ele esclarece:

"Bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo. (Todos os grifos são do reverendo). A filosofia espiritualista crê na existência de um Deus todo poderoso, Criador e Providência do mundo, pessoal e absolutamente distinto de suas obras. O Espiritismo identifica o efeito com a causa. Deus com o mundo!"

E nós, espiritistas, a crer o contrário, visto que “bem claras são as diferenças entre Espiritualismo e Espiritismo”. E nós, espiritistas, a crer que Deus não é poderoso, nem é Criador, nem é providência do mundo, nem é distinto de suas obras, e é impessoal. Pensamos, além de tudo, que efeito e causa, Deus e o mundo é tudo a mesma coisa.

(“O Espiritismo identifica o efeito com a causa.”)

“Nós, espiritistas, cremos nisto, disse-o o padre Zioni aos seus alunos e proclamou-o à face do Brasil, no seu famoso livro.

Bem é que nos viesse agora iluminar o entendimento, porque nós criamos que acreditávamos justamente no contrário do que afirma o padre que nós cremos.

Mas, quem nos enganou foi o Kardec. Diz ele, logo na 1ª linha, do 1º capítulo, como 1ª resposta dos Espíritos no Livro dos Espíritos: "Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas". Por isso não esperávamos. O Kardec a dizer que Deus é a suprema causa e a suprema inteligência, nós a crermos que era nisso que acreditávamos! Supúnhamos até hoje que tínhamos Deus como Criador, visto que é causa primária, e como causa não se podia confundir com o efeito, que é a sua obra, e como Inteligência Suprema é o todo poderoso ...

Nada! No que acreditamos quem o sabe, quem o diz, quem o ensina é o padre Zioni.

Ainda nos engana e atrapalha Allan Kardec, quando estabelece no nº 13, Livro dos Espíritos, que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
           
Mas que patranha!            

Dir-se-ia que isto é que é o ensino dos Espíritos, o que proclama o Espiritismo, aquilo em que cremos. Lá está que Deus é único, imutável, onipotente ...

Mas não importa. A verdade vive palpitando pela pena do reverendo: "São bem claras as diferenças." O Espiritualismo, de que ele é representante, crê num Deus poderoso, criador, pessoal, distinto de suas obras ...

Cá conosco é o contrário - cremos no oposto - o Kardec é p’ros tolos. E se não é a providencial interferência do padre. Iríamos por aí afora naquele engano d’alma.

No capítulo Panteísmo, Kardec para reforçar o engodo em que vivíamos, declara que Deus é um ser distinto, porque, se fosse a resultante de todas as forças e de todas as inteligências, não existiria, porquanto seria efeito e não causa. (LE, nº 14).

            Mas não é isso que cremos, di-lo o padre Zioni – nunca é demais repetir – em respeitável obra, que corre o Brasil inteiro, explicando o que é a infausta doutrina do Espiritismo. E entre o padre Zioni e o Kardec... “tollitur quaestio” (a questão é resolvida).

Outro esclarecimento e outra coisa que não sabíamos:

"O Espiritismo pretende possuir todos os segredos da natureza e julga-se capaz de explicar todos os mistérios."

Ainda aí, que ilusão a nossa! ...

Pensávamos, nós os espiritistas, que esbarrávamos em todas as causas primárias. Não há tal. O Espiritismo sabe tudo, explica todos os mistérios ou pretende isto.

Sabe de onde veio Deus, como é que veio, como é que se formou, onde acaba o Infinito, isto sem já falar em coisas mais próximas: - porque a água se solidifica a 0 grau, porque o mercúrio é liquido à temperatura normal e o ouro é solido, porque uns metais são duros e outros moles, porque há corpos que emitem irradiações, porque o ferro se magnetiza, porque as pontas atraem os raios e não as bolas, porque o coelho é manso e o tigre é bravo, porque a barriga das pernas está atrás, quando devia estar na frente para proteger as tíbias, porque os dentes só nascem duas vezes e as unhas crescem indefinidamente, porque... etc., etc.... etc...

Nós sabíamos tudo isto! Há muita gente que supõe saber o que não sabe. Em Espiritismo a cantiga é outra: - não sabemos o que sabemos! Desta vez, obrigado, padre!
Mais coisas que não sabíamos:

"O Espiritismo repousa nesta comunicação com os desencarnados e estabelece como base essencial a crença na sobrevivência dos espíritos e sua comunicação com os vivos, seja qual for a explicação, porquanto a filosofia espírita consiste em comparar todas as filosofias, já existentes, com a revelação espirita. "

Ah! consiste nisto?

Aí têm o que é a filosofia espírita - é uma comparação com todas as filosofias existentes.

Quem faz a revelação é o Arnauné, que eu não sei quem é; mas quem a endossa é o reverendo.

O trecho está claro como azeite: - a base do Espiritismo é a crença na sobrevivência, seja qual for a explicação.

E esta base é porque a filosofia espirita consiste em comparar a revelação espírita com as filosofias já existentes.

O Arnauné, com a aprovação, senão com a admiração de Zioni, levou a explicação aos maiores extremos: - a comparação é com as filosofias existentes. Não se fosse supor que se tratava de comparação com filosofias inexistentes.

E nós a crermos que a filosofia espírita versava sobre a origem, a dor, o destino dos homens!

Nada disso: - é uma comparação.

*

Não sabíamos, ainda, que Mateus, no capítulo XVIII, nº 17, se referia à Igreja Católica.

Elucida-nos, neste ponto, o padre Zioni:

"É pena que o Sr. Allan Kardec e seus discípulos nunca leram ou não querem ler na Sagrada Escritura os anátemas proferidos pejo mesmo nosso Senhor Jesus Cristo: - Aquele que não crer será condenado, porque já está julgado. Aquele que não ouve a Igreja (isto é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, por ele fundada) esse tal deve ser reputado pagão ou publicano, isto é, apóstata, herege, excomungado ."

Apesar do muito que para mim vale a palavra do reverendo, fui dar uma espiadela em Mateus, e o que lá encontrei foi o seguinte:

"Se contra ti pecou o teu irmão, vai e o repreende, mas a sós com ele. Se te atender, te-lo-as ganhado, Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas pessoas, a fim de que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. Se também não as atender, comunica-o à Igreja; e se também a Igreja não atender, trata-o como gentio e publicano." (Mateus, XVIII 35-17) .

Se meus olhos não me enganam, está diferente da citação do padre.

O que inferíamos do texto é que o Mestre, no seu amor às criaturas, nos ensinara a brandura, em vez de aconselhar-nos os anátemas, e, destarte, mandara que, quando tivéssemos de repreender ou censurar alguém, o fizéssemos em segredo, a sós com ele, com palavras persuasivas. Se ele nos não atendesse, buscássemos outros para reforçar nossos conselhos. Os espíritas pediriam o auxílio dos bons Espíritos. Não atendidos, ainda levariam o caso à Igreja, e a Igreja era a assembleia dos doutos, dos probos, era a Autoridade. No nosso caso seria a comunidade cristã.

O conselho do Divino Pastor visava - assim o supúnhamos - evitar a desonra do infrator, a publicidade do erro. Só em último caso, na impossibilidade da corrigenda, e corrigenda do pecado, seria considerado o pecador gentio e publicano, isto é, insuscetível de emenda, e, então, deixado à sua sorte, consequentemente ao desprezo público, como se ele fora publicano ou gentio.

Mas o padre ajeitou os textos. Em boa hora, porque ficamos sabendo assim que, se um chinês não ouvir a outro chinês, tem que rumar ambos à Igreja Católica. Se um japonês não atender a outro japonês, está perdido, a menos que não consiga romper o bloqueio da esquadra britânica e forçar o canal de Suez, em caminho de Roma.

E então, antes da fundação da Verdadeira Igreja, a Católica? Era ficar esperando num ponto azul da Eternidade!

Não se compreende, nem se sabe como, mas está bonito.

Não para aí ou não parava a nossa ignorância. Leiamos mais um lanço esclarecedor do reverendo Zioni:

"O Espiritismo Moderno, filho legítimo do Individualismo, Liberalismo e Racionalismo Protestantes, é, em si mesmo, falacioso e enganador, Pretende ser uma verdadeira Ciência, Filosofia e Religião, quando, na realidade, não é mais do que uma
pseudo-revelação dos princípios subversivos da ordem e da moral, sob a roupagem santa e ideal da verdadeira caridade."

Está injurioso. Mas em se tratando de Espíritos, Espiritismo e Espiritistas, o padre não tem muita cerimônias. Já vimos isto.

Todo o livro é uma como arcada de contrabaixo, vibrada por mão de mestre. Profunda e vigorosa.

Ora no Espiritismo, o que se ensina é o Evangelho do Senhor Kardec lhe dedica um livro inteiro. Roustaing apresenta, transcreve, estuda, comenta, versículo por versículo. A doutrina roustainiana se cifra em todo o Evangelho do Divino Mestre. Onde está a imoralidade, a desordem?..

O Evangelho, filtrado pela boca do reverendo iluminado pelas chamas do Inferno, apavorante pelos anátemas, anti-fraterno pelo predomínio exclusivo de uma Igreja, vingativo pela eternidade das penas, obscuro pela insondabilidade dos mistérios, impenetrável pela proibição do exame, da investigação, é que é a fonte da ordem e da moral, onde nós devemos todos abeberar.

Mas o Espiritismo, que nos apresenta Jesus cheio de bondade e de amor, que ensina a remissão do pecado pelo esforço próprio, que pregoa a bondade do Criador pela salvação de todos, que nos dá como lei suprema a da Justiça, como princípio geral a Equidade, que não proíbe o Conhecimento, nem estiola a Razão, este, sim, é um obstáculo à ordem, é um empeço à moral.

Num ponto, porém, acordamos com o ilustrado sacerdote. Convimos em que há ali uma doutrina funesta - é o dai de graça.

Imoral, não há dúvida, porque vai de encontro à moral consuetudinária, à moral de todos os tempos e de todos os homens, com raras exceções. Anárquica, porque foge à ordem estabelecida, pelo menos à ordem econômica.

E o Espiritismo prega essa perigosa doutrina. Tem razão o padre: - "Princípio subversivo da ordem e da moral!". Acabamos por uma conciliação.




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