Pesquisar este blog

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Apolônio de Tiana

Resultado de imagem para apolônio de tiana
Apolônio de Tiana Parte 1 de 8

José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Julho 1955

            Apolônio de Tiana é uma das figuras mais extraordinárias que o velho mundo nos legou. Tão extraordinária que em torno dele surgiram, além dos fatos marcantemente espíritas, lendas que lhe emprestam um caráter de singular sobrenaturalidade. Ora, todos nós sabemos, pelas lições que o Espiritismo nos oferece, que nada há de sobrenatural em determinados fenômenos. Quando o homem não compreende o que vê ou o que se lhe expõe, opina pela negativa ou atribui a origens sobrenaturais o que a sua razão não entende nem pode explicar.

            Pouco antes do alvorecer do Cristianismo, surgiu Apolônio, nascido em pleno dia num prado na cidade helênica de Tiana. Sua mãe tivera em sonhos a revelação de sua vinda e a intuição de que deveria ir colher flores no campo. Aqui a lenda aparece, pois conta que ela adormeceu e, ao despertar com o bater de asas de um cisne, pôs no mundo o célebre médium.

            Segundo cita Sax Rohmer, Filóstrato asseverou que, no momento exato de seu nascimento, um raio riscou o céu em direção à Terra, mas tornou ao ponto de origem, interrompendo sua trajetória! Isso nada mais era que um sinal da elevação do espírito que acabava de encarnar.

            Apolônio, dito de Tiana, em virtude de ser originado desta cidade, estudou em Tarso com um mestre fenício, mas se transferiu mais tarde para Egeia, indo morar no Templo de Esculápio, onde aprendeu e se familiarizou com os ensinamentos pitagóricos. Não tardou a superar seu Mestre, Euxeno, de quem se separou, não sem lhe patentear sua gratidão pelo que com ele aprendera.

            Desejoso de seguir a vida de Pitágoras, abandonou a carne e o vinho, passando a alimentar-se exclusivamente de frutas secas e legumes. Passou a andar descalço e não mais cortou cabelos. A medida que se aprofundava nos mistérios da vida espiritual, seu poder crescia e sua fama se alargava. Possuía grande facilidade de expressão e sua viva inteligência confundia os argumentos mais complexos e cavilosos. Com vinte anos, perdeu o pai. O que lhe coubera por herança, repartiu entre o irmão mais velho e os parentes, manifestando seu desdém pelas riquezas, pois nada tem mais valor para o homem do que a virtude e a ação reta.

            Um belo dia, Apolônio de Tiana, que era orador fluente, decidiu também renunciar à palavra, assim como já renunciara à carne, ao vinho e as mulheres. Considerava que nada experimenta mais o real valor do homem do que o silêncio voluntário. Seguia, assim, uma norma aconselhada por Pitágoras a seus discípulos. Durante cinco anos, guardou silêncio e nem uma única vez seus lábios se abriram para proferir palavra. Aprofundava-se deste modo nos Mistérios pitagóricos. Andou, durante essa dura prova, pela Panfília e Cilícia. Certa vez, ao entrar no mercado de Aspendus, percebeu que alguns comerciantes ricos haviam sonegado o trigo, retirando-o da venda. O governador local, ameaçado pelo povo em fúria, agarrara-se desesperadamente à estátua do imperador Tibério, mas sua vida corria perigo, porque lhe atribuíam a causa do desaparecimento do trigo. Apolônio compreendeu quanto se passava e foi abrindo caminho por entre a multidão enfurecida e, sem falar, apenas com um gesto, perguntou que mal fizera o governador. Este, na sua aflição, explicou que não tinha culpa, mas ninguém acreditava nele.

            Nesse instante, Apolônio de Tiana voltou-se para o povo exaltado e ergueu os braços. Surpreendentemente o silêncio se fez. Mais tarde se chamaria a isso... "milagre". Mas não houve milagre algum. Apenas a formidável força magnética de Apolônio se fizera sentir. Sua vontade poderosa dominara a vontade conturbada de todos aqueles homens.

            Ouviu atentamente os esclarecimentos do assustado governador, que lhe mencionou os nomes dos responsáveis. Apolônio ordenou que os açambarcadores fossem trazidos à sua presença. Teve que fazer sobre-humano esforço para não verberar o procedimento dos criminosos, indiferentes ante aquela multidão de famintos. Não quebrou, entretanto, sua determinação. Escreveu sua decisão, que foi lida imediatamente pelo governador. Ou os comerciantes se penitenciavam do mal praticado ou ele, Apolônio, não consentiria que continuassem vivos.

            Sua figura impressionante, a majestade de seu porte e a firmeza incomum de seu olhar causaram tal pânico entre os culpados, que estes, sem perda de tempo, restituíram todo o trigo ao mercado!

            Tantas foram as maravilhas realizadas pelo homem de Tiana, que sua fama correu mundo. Entretanto, ele não falava de si, permanecia em silêncio o mais tempo possível, apenas falando quando era absolutamente imprescindível.

            Certa vez, chegou a Babilônia. Ao entrar em determinado recinto, foi instado a beijar a efígie do Rei, o que era imposto a todos, salvo às autoridades romanas. Apolônio não atendeu e perguntou de quem se tratava. Então, respondeu serenamente:

            - O seu rei seria mais feliz se eu o pudesse mencionar apenas como homem honrado e de boa reputação...

            E foi entrando.

            Doutra feita dirigiu-se à Índia para se pôr em contato com os brâmanes. Depois de vários dias de viagem, já na colina dos brâmanes, um jovem correu para ele, saudando-o:

            - Benvindo seja, Apolônio de Tiana!

            Todos os que o acompanhavam ficaram surpreendidos, pois a ninguém fora revelado que ali estava Apolônio. Este, no entanto, não se espantou com isto, limitando-se a dizer:

            - Estes são homens verdadeiramente sábios, pois demonstram possuir o dom da presciência.

            O jovem parou e esclareceu que os Mestres haviam ordenado que Apolônio o acompanhasse, sozinho. Segundo relato de Apolônio de Tiana, o topo da colina era encoberto por estranha neblina. Sobre a abertura de um poço havia uma tênue luz de intensa cor azul. Ao meio dia, essa luz crescia em direção ao céu e se tornava multicor. Ao pé do poço, uma cratera fumegante deixava escapar uma chama plúmbea, sem fumaça e inodora. Era o chamado Poço da Prova. O fogo que ali se via era o Fogo do Perdão. Viam-se também dois jarros: um, o Jarro das Chuvas; outro, o Jarro dos Ventos.

            Sem demonstrar vacilação alguma, Apolônio de Tiana, senhor dos Mistérios pitagóricos, foi recebido pelos Sábios brâmanes, que com ele se detiveram em conversações elevadas. Em seguida, dirigiram-se todos para um templo e iniciaram um culto, do qual participou Apolônio. Os Mestres batiam com varinhas mágicas no chão e se elevavam no ar a uma altura descomunal. Eram fenômenos de levitação, obtidos de maneira extraordinária.

Apolônio de Tiana Parte 2 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1955

            Achava-se Apolônio de Tiana com os sábios brâmanes, quando foi anunciada a presença de certo rei, desejoso de aconselhar-se com os Mestres. Ao ver entrar o soberano, Apolônio discretamente começou a retirar-se. Iarcas, chefe dos brâmanes, percebendo-o, chamou-o:

            - Tu podes permanecer aqui. Tens suficientes credenciais para tomar parte em nossa reunião.

            Apolônio de Tiana curvou-se ligeiramente, em sinal de agradecimento.

            Acompanhavam o rei duas pessoas: um filho e um irmão. Recepcionada a pequena comitiva, Iarcas deu ordem ao rei que se alimentasse. Nesse instante, quatro tripés, sem que ninguém neles tocasse, movimentaram-se para a frente. Traziam em cima copeiros de bronze negro, representando jovens robustos. Logo a terra se cobriu de grama, debaixo deles. Frutas secas, pão e legumes foram servidos ao soberano e a Apolônio de Tiana, por esses estranhos "autômatos". De dois tripés corria vinho do melhor sabor e dos outros, água quente e fria.

            Os copeiros de bronze moviam-se sem vacilar, servindo água e vinho aos visitantes. Tais fatos, que muitos historiadores apresentaram como inverossímeis, apenas podiam ser realizados em virtude dos extraordinários poderes dos brâmanes. De tal sorte eles agiam que sua força espiritual dominava a matéria e lhe transmitia sua vontade. Assim, aqueles "autômatos" não agiam por si, mas pela vontade concentrada dos brâmanes, detentores de recursos espirituais que o Ocidente ainda desconhece.

            Uma vez terminada a refeição, os homens de bronze retornaram à sua posição primitiva sobre os tripés e estes, tal como haviam feito anteriormente, puseram-se em movimento sem que ninguém os tocasse, voltando aos lugares em que se encontravam antes.

            Enquanto o rei se mostrava atônito, maravilhado com o que via, Apolônio de Tiana guardava imperturbável serenidade. Era como se tudo lhe fosse familiar.

*

            Na noite seguinte, depois que o rei se havia retirado, os Sábios se reuniram em companhia de Apolônio de Tiana. Deram-lhe sete anéis místicos denominados de acordo com as sete estrelas. Apolônio usava cada um deles no dia da semana que lhe era correspondente. Muita coisa maravilhosa ele aprendeu com os brâmanes, que o respeitavam porque sentiam e sabiam que ali estava um homem que não era como os outros homens. Trazia uma bagagem espiritual muito grande, vinha de outros séculos, acumulando sabedoria e ali estava com eles, não tanto como discípulo, mas como um amigo que permutava luzes de um espírito iluminado com os fulgores espirituais dos Mestres da Colina dos Sábios.

            Muitos dias permaneceu Apolônio entre os brâmanes, realizando também curas prodigiosas de cegos, estropiados, obsidiados, etc. A verdade é que Apolônio de Tiana não se esqueceu das lições que observou e soube guardar absoluta reserva de quanto lhe fora dado ver e aprender.

            Era chegada a hora de deixar a Colina dos Sábios.  Uma luz forte surgiu sobre sua cabeça e os Mestres lhe ministraram instruções que ele seguiu à risca. Manteve-se sempre à direita do Ganges e o Hifase à esquerda e assim foi descendo a colina sagrada, durante dez dias, em direção ao mar. Atingido o ponto final dessa primeira jornada, devolveu o guia à Colina dos dos Sábios com esta saudação: "Apolônio de Tiana saúda a Iarcas e os outros Sábios. Por terra vim ter convosco, e vós me presenteastes o mar. Mas, partilhando comigo a vossa sabedoria abristes-me o caminho dos céus. Tudo isto contarei aos helenos, e me dirigirei a vós como se estivésseis presentes, a menos que eu tenha bebido em vão o licor de Tântalo. Adeus, benignos filósofos!"

            E assim, depois dessa fraternal mensagem, Apolônio retornou à Grécia.

Apolônio de Tiana Parte 3 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Setembro 1955

            A fama de Apolônio se espalhava depressa. Ele curava enfermos, fazia predições, destruía tramas de Espíritos trevosos, desfazia maquinações de obsidiados, enfim, tudo quanto um homem dotado de tão extraordinários poderes quanto ele pode ser capaz de realizar. Predisse que uma epidemia de peste dizimaria Êfeso e a comprovação dessa profecia muito lhe aumentou o prestígio.

            Duma feita pretendeu iniciar-se no rito eleusino. Foi recusado por um hierofante, que lhe fez sérias acusações. Sem se alterar, Apolônio de Tiana apenas lhe perguntou:

            - Bem sabes porque não queres iniciar-me, e não o dizes, revelá-lo-ei eu! O meu maior "crime" é justamente conhecer melhor do que tu o rito da iniciação. Vim pedir-te que me iniciasses, por humildade. para que passasses por mais sábio do que eu. Apenas isto.

            Todos  aplaudiram as palavras de Apolônio. Diante disto, o hierofante, adotando atitude conciliatória, concordou em iniciá-lo. Mas Apolônio tornou:

            - Deixa por hoje. Serei iniciado outro dia.

            E volvendo o olhar para outro hierofante, acrescentou:

            - Ali está quem me iniciará. Não serás tu...

            TaI como dissera, tudo aconteceu. Este e outros fatos se acumularam,  emprestando a Apolônio um prestígio indescritível. Sua presença tinha o poder de acalmar os ânimos mais excitados, sua palavra era como que oracular. Seus gesto dominavam os homens a distância. Apolônio de Tiana! O homem miraculoso! Miraculoso, sim, desde que assim queiram chamar às grandes maravilhas que realizou. É bem de ver que, muitas vazes, o entusiasmo dos seus coevos e daqueles que os sucederam emprestam às figuras humanas um aspecto quase inverossímil. O fato, porém, é que, a despeito das exagerações, das lendas,  Apolônio de Tiana. foi realmente um homem extraordinário, um médium de poderes fora do normal, tanto que se impôs por sua autoridade moral, por seus largos conhecimentos e, sobretudo, por seu acendrado espírito de justiça.

            Saibamos reconhecer, entretanto; que Apolônio de Tiana não necessita de fantasias para ter sua fama consolidada. Um de seus singulares feitos que vamos contar, ocorreu em Corinto, onde vivia um filósofo chamado Demétrio, por sinal, grande admirador de Apolônio. Sempre que sabia achar-se  por perto o homem de Tiana, procurava-o, na ânsia de se tornar seu discípulo. Entre os que estudavam com Demétrio achava-se o belo e atlético Menipo. Certa vez, o rapaz encontrou-se com linda mulher fenícia e se estabeleceu entre ambos um romance de amor. Depois disso, encontra-se Apolônio de Tiana com o  jovem. Sem dizer palavra,  Apolônio, com penetrante olhar, examinou detidamente  Menipo. Em seguida, fez-lhe a seguinte advertência: - Por seres belo, és requestado pelas mulheres.  Acontece, porém, que estás sendo dominado por uma serpente.

            Menipo, surpreendido, indagou a razão por que Apolônio se referia de maneira tão incisiva acerca da fenícia. Não teve que esperar a resposta:
             - Essa mulher não te convém para esposa.
             Julgas ser amado por ela?
             Ante a afirmativa de Menipo, Apolônio tornou:
             - Estarás, então, disposto a desposá-la?
             - Amanhã, sem falta - respondeu o rapaz.
             Ao ser realizado o banquete nupcial, Apolônio compareceu ante os convidados, embora a contragosto de Menipo.
             - Onde se encontra a bela e sedutora dama, Menipo? - indagou Apolônio.
             - Aqui está - disse o jovem, apresentando a fenícia.
             - Muito bem! - exclamou, imperturbavelmente Apolônio, perguntando: A quem pertencem o ouro, a prata e todas as riquezas que embelezam este recinto?
             Ruborizado, Menipo respondeu:          
             - Pertencem a esta linda senhora que vês a meu lado. Isto é tudo quanto tenho - e apontou para a capa de filósofo que vestia.

            Sem dar maior atenção à fenícia e a Menipo, Apolônio de Tiana se dirigiu aos circunstantes, daquele modo impressionante, muito característicamente seu, revelando todo o seu desdém pelas coisas terrenas:

            - Já ouvistes falar nos jardins de Tântalo, que existem e ao mesmo tempo não existem?

            Todos os convivas, de olhos fixos em Apolônio, permaneceram em silêncio, como que assentindo à pergunta feita. A figura de Apolônio de Tiana impressionava. Ele tinha qualquer coisa que não era comum aos outros homens. De sua personalidade forte e invulgar se irradiava algo que estabelecia forte barreira entre ele e os que o cercavam. Seu olhar sereno, mas profundo, dotado de incoercível poder magnético, não cedia ante nenhuma vontade. Voltando-se para os convidados, Apolônio prosseguiu:

            - Devais considerar este mundo como um jardim de Tântalo, admitindo que o que vedes não é a realidade, mas apenas a aparência de realidade. A mulher que ali está é um vampiro, uma dessas criaturas a que chamais lâmias (1). Se têm amores, se são devotas dos prezeres de Afrodite, são, sobretudo, amantes da carne humana e, para se satisfazerem, atraem aqueles a quem pretendem devorar em seus banquetes!

            (1)  Lâmia – espécie de monstro eu demônio fabuloso dos antigos, que segundo a crendice popular aparecia sob forma feminina para chupar o sangue das crianças e fazer outros malefícios (apud Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa".)

            É fácil admitir-se a estupefação dos convidados. Menipo sobressaltou-se e não ocultou sua indignação, enquanto a fenícia, os olhos vidrados de raiva, pode dizer com dificuldade:

            - Cessai vossas palavras Insensatas. Deixai este recinto, eu vos peço!

            O olhar firme cravado na mulher, Apolônio de Tiana não se abalou. A fenícia simulou choro e desespero, mas não conseguiu quebrantar a vontade de ferro de Apolônio, que se manteve inflexível. Por fim, não podendo mais suportar a força daquele olhar poderoso, a fenícia cedeu:

            - Confesso, senhor, que isso é verdade!

            Segundo Filóstrato, ela vinha seduzindo Menipo com prazeres, enquanto lhe devorava o corpo, pois era de seu hábito alimentar-se corpos jovens e belos , cujo sangue é forte e puro.

            Ainda segundo Rohmer, o fato foi comentado no no século XVII por Sinistrari de Ameno, que se refere a Menippus Lycius e alude à mulher como sendo uma "compusa”. (2)

            (2) Compusa – Demônio súcubo.

            Diante da revelação de Apolônio de Tiana, a fenícia se ergueu e, atravessando o largo recinto, desapareceu.
      
Apolônio de Tiana Parte 4 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1955
           
          Não é de surpreender que Apolônio de Tiana, tal como sucede nos tempos presentes com os médiuns, fosse acusado de feitiçaria.

            Amigo de Tito e de Vespasiano, ele costumava discorrer sobre as doutrinas que defendia, reforçando-as com os  exemplos que sua exuberante e multiforme mediunidade permitia. Um dia, disse a Vespasiano o gênero de morte que o esperava e a predição se confirmou integralmente.

            Mais tarde, encontrava-se Apolônio em Êfeso, quando soube que Domiciano condenara à morte três vestais que haviam quebrado o voto de castidade e que o imperador, responsável pelo assassínio de Sabino, propusera casamento à viúva deste.  Diante disso, Apolônio de Tiana se pôs em praça pública a verberar o procedimento do imperador. Seu dom de presciência lhe fizera compreender que dentro em breve seria imperador um jovem de nome Nerva e, diante da estátua de bronze de Domiciano, começou a falar em voz alta, como que se dirigindo ao imperador :

            Ó tolo! Como compreendeste mal os desígnlos do destino! Mesmo que mataste o homem que está fadado a ser déspota depois de ti ele tornaria a viver!

            Não tardou que tais palavras fossem levadas ao conhecimento de Domiciano, em Roma, que se comunicou com o governador da Ásia, ordenando a prisão do “agitador” . Como não havia segredos para  Apolônio, este pressentiu a ordem e espontaneamente se antecipou, chegando a Roma inesperadamente.

            Encontrando-se com Demétrio em Dicearquia, este revelou achar-se preocupado, porque o fato de haver Apolônio previsto a ordem do imperador e aparecer em Roma dez dias antes que a ordem fosse expedida, em conhecer por meio natural o que estava acontecendo, valer-lhe-ia a acusação de feiticeiro.

            Apolônio de Tiana tranquilizou-o, reafirmando que não temia a morte, como já antes o demonstrara diante de Nero, cuja cólera excitara. 

            - Defrontarei sem receio o tirano, saudando-o com as palavra de Homero: Marte é tão meu amigo como teu.

            Eram numerosas as acusações contra Apolônio: seu modo de trajar, seu gênero de vida, seus discursos, suas idéias. Chegaram a afirmar que ele conspirara com Nerva e sacrificara um menino arcadiano, rasgando-lhe o corpo, para, qual arúspice (1), desvendar o segredo do futuro de Domiciano. Tal acusação era a pior de todas, embora ninguém fosse capaz de acreditar em sua veracidade, pois Apolônio de Tiana era homem de grande esclarecimento espiritual, contrário a essas práticas bárbaras.

                (1) Arúspice - Sacerdote romano que predizia o futuro pelo exame das entranhas das vítimas.

            Para encurtar razões, os receios de Demétrio se confirmaram pois Apolônio foi preso e encarcerado. Junto dele puseram um comparsa da guarda do imperador, a fim de, em conversa, colher alguma coisa de importante dos lábios do fiósofo. Entretanto, Apolônio sentia o que estava sucedendo e fez malograr o intento do espião. Certa manhã chamaram-no a palácio e para lá se dirigiu ele, seguido por quatro milicianos e Damis, velho companheiro de Demétrio. O povo acompanhou com vivo interesse a figura excepcional de Apolônio. Achavam-no um homem singular e essa singularidade decorria, certamente, dos poderes espirituais que ele possuía. Comentava-se com simpatia a sua coragem de haver deixado Êfeso espontaneamente e ter ido a Roma afrontar a cólera de Domiciano.

            No palácio, disse Apolônio a Damis:

            - Que achas disso? Não te parece um lugar para banhos? Olha: o que estão de fora apressam-se os para entrar e os que estão do lado de dentro mostram-se aflitos para sair... Uns parecem limpos, outros desasseados.

            Levam-no a seguir à presença de Domiciano, que tinha sobre a cabeça uma coroa folhas verdes, pois estivera sacrificando à deusa Minerva, na sala de Adônis que se encontrava cheia de flores.

            Apolônio de Tiana, de pé, ereto, o olhar firme e sereno, fitava sem vacilar o imperador.  Este, amedrontado pelo fim que receava ter, e que teve finalmente, tremia. O olhar cambiante não se demorava no fitar o preso. A força magnética de Apolônio exercia seus efeitos extraordinários sobre Domiciano, já acovardado. Começaram a conversar, Apolônio dirigiu a conversação para os assuntos que lhe convinha tratar, contrariando os desejos do imperador. Fez uma defesa cabal de Nerva, o que levou Domiciano a furores tremendos.

            Aos gritos, o imperador exclamou:
             
            - Sei de tudo! Fizeste  sacrifícios para me molestar. Sei de tudo! Conspiraste contra mim e contra a minha segurança,  mas serás punido como mereces.

            Mandou levar Apolônio para infecta masmorra, depois de ordenar que lhe cortassem a barba e o cabelo. Insultos sem conta foram dirigidos a Apolônio, que se viu em completa promiscuidade com o piores criminosos. Não obstante, o homem de Tiana continuava senhor de si e teve ocasião de dizer ao imperador:

            - Eu havia esquecido que era traição usar cabelo comprido. Se me julgas um feiticeiro, porque me mandas pôr estes grilhões? Se me pões os grilhões, como podes afirmar que sou feiticeiro?

            - Não te soltarei - retrucou Domiciano - enquanto não te transformares em água, em animal ou numa árvore.

            Apolônio de Tiana, sem pestanejar, respondeu:

            - Mesmo que eu me pudesse transformar nessas coisas, não o faria, porque nunca trairei homens que, contra toda a justiça, se encontram em perigo. Ficarei, pois, tal como sou.

            Sarcasticamente, Domiciano indagou: 
            - E quem pleiteará tua causa?
            Com aquela majestade muito sua. Apolônio de Tiana serenamente, a voz firme e calma, disse apenas:
            - O tempo, o espírito dos deuses e a sabedoria que ele me inspira.
            Sem saber o que dizer a esse homem estranho, Domiciano fê·lo retirar-se.
            Dias após, Damia apareceu na prisão, em visita ao prisioneiro:
            - Que nos vai acontecer, ó homem de Tiana?
             O que já nos aconteceu e nada mais - foi a resposta.
             O que se viu em seguida foi realmente admirável.

                                                                                                         
Apolônio de Tiana Parte 5 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1955


            Achava-se Apolônio na prisão, quando Damis o foi visitar, perguntando-lhe:
             - Que nos vai acontecer?
             - Nada mais do que já nos aconteceu, Damis respondeu com simplicidade Apolônio a seu discípulo.
             - Tens certeza? E reconquistarás a liberdade?
             - No que depende do tribunal, eu a recobrarei hoje, mas no que depende da minha vontade, agora mesmo...
             Ao dizer estas palavras, Apolônio de Tiana se desvencilhou imediatamente dos grilhões pesados que o prendiam e, sorrindo, acrescentou:
             - Vês, Damis? Estou livre. Alegra-te, pois, com o que vês!

            Boquiaberto, o discípulo olhava estupefato para Apolônio, como se ele fora um ente sobrenatural, pois jamais presenciara uma coisa dessas. Sem um gesto, sem uma palavra misteriosa, sem esforço algum, o célebre místico se libertara!

            Apolônio, porém, não havia terminado. Dirigindo-se novamente a Damis, que não recobrara ainda a tranquilidade, alertou-o:

            - Presta toda atenção. Vou aguardar que me libertem, porque isso sucederá ainda hoje. Portanto, nada de pressas...

            E ante o olhar atônito de Damis, fez os grilhões voltarem a prende-lo, como se forças invisíveis o ajudassem, e ficou novamente prisioneiro!

            Damis não ocultou seu espanto e esteve prestes a correr dali. Não sabia explicar nem compreender o que acabara de ver. Retirou-se pouco depois, preocupado, buscando razões que lhe esclarecessem sobre algo do extraordinário poder do homem de Tiana.

            Tal como Apolônio o previra, tiraram-lhe os grilhões naquele mesmo dia e levaram-no para outro lugar, onde deveria aguardar julgamento. Chamado por Apolônio, lá compareceu Damís, um tanto desconcertado. Afinal, não sabia se Apolônio era um homem como ele ou se era uma divindade.

            - Damis: tenho uma incumbência para ti: Minha defesa será feita na data que está designada.

            Dirige-te a Dicearquia - será melhor ires por terra -, dá notícias minhas a Demétrio, a quem envio saudações, e espera-me na praia onde fica a ilha de Calipso. Ali me verás.

            Inquieto, Damis indagou:

            - Lá estarás vivo?

            - Acredito que sim, embora possas pensar que lá estarei ressuscitado dentre os mortos... - respondeu Apolônio.

*

            Lá se foi Damis, coitado, com o coração apreensivo, pois temia pela sorte do mestre querido. Três dias depois de viajar por terra chegou a Dícearquía e soube, então, que grande tempestade assolara aquelas plagas durante três dias e alguns navios haviam sido afundados por tremendo furacão. Aí compreendeu porque Apolônio o aconselhara a ir por terra.

            Entrementes, Apolônio estava no tribunal, onde ia ser julgado. O imperador Domiciano, ardendo de ódio, passara a noite em claro. O tribunal estava repleto de curiosos. Todos queriam ver o extraordinário homem de Tiana, que não tremera diante do imperador. Todos queriam ouvir a palavra do filósofo. Pudesse o imperador dispensar as formalidades legais, Apolônio teria sido sumariamente executado. Todavia, Domiciano não queria exaltar o ânimo dos súditos e para isto tinha que se cingir às normas legais.

            Achava-se Apolônio à espera do momento em que deveria penetrar o tribunal, quando um funcionário dele se acercou, advertindo:

            - Homem de Tiana: é da lei que não entrarás na sala levando algo contigo.
             - Então, deverei preparar-me como se fora para um banho? - indagou, maliciosamente, Apolônio.
             - Não. A lei não se aplica às vestes. O imperador determinou que não poderás levar amuletos, livros ou papéis de qualquer espécie.
             Com a fisionomia muito austera, indagou Apolônio:
             - Não poderei sequer levar um bastão para as costas do imbecil que deu semelhante conselho ao imperador?
             Ao ouvir estas palavras, o delator incumbido da acusação pública alarmou-se e saiu gritando:
             - Meu imperador! Meu imperador! Este feiticeiro ameaça espancar-me, pois fui eu que te dei tal conselho!
             Sem perder a oportunidade, Apolônio atalhou:

            - Ah! Foste tu? Então, és o feiticeiro e não eu, pois confessas haver convencido o imperador de que sou aquilo que até agora não consegui persuadi-lo de que não sou.

            Para evitar maiores perturbações, o imperador deu ordem para que introduzissem imediatamente Apolônio no tribunal. As figuras mais importantes de Roma lá se achavam, assim como o povo circundava o edifício, comentando o fato e fazendo as mais disparatadas conjecturas.

            Quando Apolônio de Tiana entrou, a longa cabeleira branca e a barba soberba a cobrir-lhe o peito largo, muitos baixaram instintivamente os olhos, por não poderem suportar a força magnética daquele ancião prestigioso. Seus olhos brilhavam como brasas, mas eram dotados de uma suavidade enfeitiçante. Entrou naturalmente, sem olhar para o Imperador, como se ignorasse sua presença. Foi quando o delator, que dele fugira pouco antes, gritou:

            - Volta teus olhos para o deus do mundo!

            Serenamente, Apolônio de Tiana passou a olhar para cima!

            Um "oh!" uníssono se fez ouvir.

            Ordenou Domiciano que se fizesse silêncio e iniciou o julgamento.

*

            Cabeça erguida e os olhos voltados para o alto, Apolônio de Tiana demonstrava evidente desinteresse pelo julgamento. O imperador Domiciano, então, com um gesto de impaciência e irritação, iniciou o interrogatório:

            - Por que razão, ó homem de Tiana, insistes em vestir roupas diferentes em diferente maneira de todos os demais homens? Por envergas essa singularíssima indumentária, Apolônio?

            Supunha o monarca estar fazendo à maravilha o papel de acusador.
             Apolônio de Tiana, considerando a tolice das perguntas, respondeu com simplicidade, sem alterar sua posição:
             - Porque a terra que me dá o alimento me veste também. Não gosto de sacrificar nem prejudicar os animais...
             Domiciano fez um gesto de pouco caso pela resposta ouvida e tornou, enfático: 
             - Porque dizem os homens que és um deus?
             - Porque todo homem de bons sentimentos ou tido como tal é honrado com o título de deus, consoante o costume...
             Domiciano fez um trejeito, disse algo em voz baixa, que passou despercebido, e desfechou nova pergunta:
             - Não será por outro motivo?.. Que te induziu a predizer aos efésios que eles seriam atacados pela peste?

            Olhos fixos num ponto que parecia distante, Apolônio de Tiana, impassível, respondeu com uma segurança que fez vacilar o imperador, pois suas palavras revelavam a compreensão de um fator simples e reconhecível com um pouco de argúcia:

            - A observação que fiz da alimentação deles.
             Eu usava uma alimentação sóbria e leve, bem diferente, portanto. Por isso, pressenti bem depressa o perigo que os ameaçava.
             O imperador Domiciano mostrava-se inseguro diante das respostas de Apolônio, mas, desejando perturbá-lo, fez esta pergunta maliciosa:
             - Dize, agora, para quem fizeste o sacrifício de um menino, quando, certo dia, saíste de tua casa diretamente para o campo?
            Antes que o imperador abrisse a boca, já Apolônio lhe apreendera o pensamento. E sorriu, respondendo-lhe incontinenti:
             - Presta atenção ao que dizes. Se eu saí de casa, fui ao campo. Se fui ao campo, ofereci o sacrifício. Se ofereci o sacrifício, também o comi...
             Mas... – procurando com o olhar o homem que o delatara, mentindo dessa forma, Apolônio concluiu... exijo que tais acusações sejam provadas por testemunhas idôneas!
             Tão enérgica foi a inflexão de sua voz que os aplausos reboaram pelo tribunal, desagradando o imperador, que recuou em seus propósitos, declarando inesperadamente:
             - Estás absolvido de todas as acusações que te foram feitas, mas não quero que te ausentes, pois necessitamos de uma conversa privada.
             Majestoso, como sempre, Apolônio de Tiana olhou vitoriosamente para o povo e deteve seu olhar de fogo em Domiciano, respondendo-lhe com segurança:

            - Agradeço-te a deferência, nobre soberano. Antes, desejo orientar-te: por obra dos infiéis que te cercam, estão em decadência tuas cidades, as ilhas regurgitam de exilados, brameja a Itália de lamentações provocadas pelas injustiças repetidas. Acautela-te: teus exércitos estão cheios de traidores e covardes, e o Senado verga ao peso de suspeitas. Permite-me, pois, uma oportunidade para falar ou ordena que alguém me tire este corpo, já que não podes tomar minha alma!

            Diante da estupefação geral; inclusive de Domiciano, Apolônio de Tiana, alteando a voz poderosa, acrescentou:

             - Nem a alma nem o corpo poderás tomar, Domiciano! Nem a aguçada lança dos teus guardas poderá matar-me, porque te digo que não sou mortal! Ao afirmá-lo, Apolônio desapareceu do tribunal, levando o pânico ao recinto!

Apolônio de Tiana Parte 6 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Fevereiro 1956

            Retrocedamos ao dia anterior e ocupemo-nos um instante das preocupações de Damis.  Conversava ele com Demétrio sobre o processo, manifestando o receio de que algo de grave sucedesse a seu mestre Apolônio. No dia do julgamento, ao qual nos referimos no precedente capítulo, Damis, nervoso e inquieto, perambulava pelas praias, juntamente com Demétrio, quando, desesperado, lançou aos ares esta imprecação:

            - Ó deuses, protegei nosso bom e querido mestre! Será que ainda o veremos algum dia?!
             Imediatamente, uma voz misteriosa se fez ouvir: 
            - Vê-Io-eis ... ou, mais precisamente, já o vereis...
             Logo , diante da Fonte das Ninfas, onde ambos se encontravam, Apolônio se fez visível. Damis e Demétrio recuaram, assustados, trêmulos e pálidos, sem poderem articular som algum, ao verem, soberbo em sua atitude serena, firme e imóvel, o prodigioso homem de Tiana!

            Finalmente, Demétrio conseguiu tartamudear estas palavras:
             - Mestre... estás vivo ou és apenas um nune que nos ilude a visão?
             Apolônio de Tiana compreendeu que a prova era demasiado forte para eles.
            Estendendo os braços em direção a Demétrio, convidou-o a certificar-se da verdade:

            - Não te espantes e nada temas, Segura-me. Se tuas mãos encontrarem o vácuo é porque sou um Espírito vindo do reino de Prosérpina, como aqueles que os deuses infernais apresentam aos que se mostram acabrunhados, Se, no entanto, verificares que meu corpo conserva a tangibilidade que possui o teu, procura convencer o jovem Damis de que ainda estou vivo e senhor de todas as minhas capacidades físicas! Anda, nada temas, Demétrio!

            O rapaz, apavorado, tremendo convulsivamente, vacilou alguns instantes. Depois, enchendo-se de ânimo, aproximou-se e tocou com a mão o braço do mestre. Maravilha! Apolônio de Tiana ali estava com o seu corpo de carne, vivo, cheio de vigor! Trasladara-se da Roma distante para a ilha de Calipso!

            Diante da prova irrefutável e impressionante, Demétrio e Damis se lançaram aos braços do mestre, emocionados e chorando de contentamento.

*

            Em toda a Hélade, os boatos a respeito de Apolônio se multiplicavam. Diziam uns que ele havia chegado calmamente a Olímpia. A grande maioria, entretanto, conhecendo os instintos do imperador Domiciano, não acreditava que o mago de Tiana continuasse vivo. O monarca não era dado ao perdão e eliminava quantos lhe perturbavam os planos. Além disto, Apolônio não se curvara aos caprichos do imperador e com ele falara de igual para igual, sem demonstrar receio de seu poderio. Asseveravam outros que Apolônio fora queimado vivo ou dilapidado e seus despojos lançados a profundo abismo. À medida que os dias se sucediam, mais se enraizava a convicção de ele vivia, diminuindo progressivamente o número dos que o supunham morto.

            Quando se confirmou a notícia de ele se encontrava efetivamente salvo, Olímpia foi pequena para acolher os forasteiros que a procuraram, na ânsia delirante - de ver o homem miraculoso, invulnerável, que desafiara o poder de Domiciano, revelando poderes ainda maiores. Nunca, nem mesmo por ocasião dos Jogos Olímpicos, a cidade contivera tanta gente, de Corinto, da Élide, de Esparta. etc. Até os atenienses correram em massa a Olímpia para vê-lo, para terem a certeza de que ele estava realmente vivo e senhor de si!

*

            Conta-se que, uma vez, entre os discípulos, Apolônto de Tiana predissera com absoluta segurança o dia em que terminaria de forma trágica o reinado absolutista de Domiciano. Os dias se escoaram calmamente, até que, em 18 de Setembro de 96 D . C. um liberto, talvez a mando da imperatriz Domicia, conseguiu apunhalar o imperador. Homem forte e valente, apesar de gravemente ferido, lançou-se ele sobre o agressor, louco de ódio. Arrancou-lhe os olhos e esmagou-lhe o crânio com uma grande taça de ouro que era empregada nas cerimônias religiosas de então. Quando os soldados da guarda imperial apareceram, atraídos pelo barulho, Domiciano ainda vivia. Os soldados, que o detestavam por sua crueldade e frieza, mataram-no sem piedade, consumando o crime.

            Enquanto tudo isso acontecia em Roma, Apolônio de Tiana discursava aos discípulos, no bosque da Colunata. No momento exato em que o imperador foi atacado pelo ex-escravo, ele baixou a voz, acusando forte estremecimento. Sua fisionomia se tornou sombria e triste pela enormidade do crime que era perpetrado a milhas e milhas dali. Os discípulos perceberam que algo ocorrera e julgaram que Apolônio se encontrasse subitamente enfermo,

            Instantes depois, ele prosseguiu em sua peroração, recuperando o domínio de si mesmo. Por fim. silenciou.
             - Que houve, mestre? Sente alguma coisa? perguntaram os alunos, aflitos.
             Apolônio apenas respondeu:
            - Ânimo! Minha previsão se realizou: acaba de ser assassinado em Roma o tirano Domiciano no mesmo instante em que vos falo! 
             Em seguida, entregando-se a completo mutismo, retirou-se para meditar. Os discípulos, respeitando-lhe a atitude, se afastaram.
           
            ............................................................................................

            Muito poderia ser dito ainda acerca de Apolônio de Tiana, baseado na obra de Filóstrato. Não nos estenderemos mais, porquanto procuramos descrever algo do principal sobre sua vida maravilhosa.  Antiga tradição esclareceu que ele desencarnou em Êfeso, assistido por dois serviçais. Como ele havia alforriado um desses servos, o outro se lamentou de não haver sido por ele julgado digno do mesmo favor. Então, Apolônio lhe disse:

            - É bom que sejas sua escrava; isto será o começo da tua felicidade.

            Com efeito, depois do desaparecimento de Apolônio, essa mulher tornou-se escrava de seu antigo camarada, alforriado pelo filósofo. Embora não fosse um tipo de beleza, certo ricaço por ela se apaixonou, comprou-a e fê-la sua esposa, tendo dela muitos filhos legítimos.

            Semelhante ocorrência também mencionada por Filóstrato, dá clara idéia da visão de Apolônio de Tiana e de seu grande coração. Ignora-se onde e quando, na realidade, ele terminou sua peregrinação terrena. Várias cidades disputaram o privilégio de ter servido de túmulo a esse médium verdadeiramente extraordinário do passado distante: Êfeso, Creta e Linde. Os desta última cidade diziam que Apolônio entrou num templo de Minerva e não mais voltou. Os cretenses afirmam que Apolônio residiu em Creta e penetrou alta noite no templo de Ditina (nome de uma deusa local, às vezes confundida com Diana). As riquezas desse templo eram guardadas por cães que, no dizer dos cretenses, nada deviam em ferocidade aos ursos e outros animais selvagens: esses cães. em vez de mostrarem as fauces à sua aproximação, puseram-se-lhe a fazer festas, o que nem mesmo com aqueles que conheciam bem costumavam demonstrar. Os guardas do templo supuseram ser Apolônio mágico e ladrão, acusando-o de haver lançado gulodices aos mastins e o prenderam. Mas Apolônio se libertou durante a noite e, chamando os guardas, para que eles não ignorassem o que se passava, conduziu-os às portas do templo, que se abriram e, logo que eles passaram; se fecharam. Nesse instante foram ouvidas vozes de moças que cantavam:

            "Abandonai a Terra, ide para o Céu, ide!"  como que a ajudá-lo a se elevar para regiões superiores. (Página 392 da citada tradução de A. Chassang. )

 Apolônio de Tiana Parte 7 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Março de 1956

            Tantas coisas belas são contadas acerca de Apolônio de Tiana que seu nome ficou envolvido em lendas numerosas. Fenômenos que hoje podem ser perfeitamente compreendidos e explicados à luz do Espiritismo, foram negados, principalmente por elementos da Igreja. Nem tudo, porém, foi fantasia. Se temos de nos orientar
cuidadosamente pela fonte única de informações a respeito do sábio de Tiana - o filósofo Flavius Philostrates, de Lemnos, seu biográfo - devemos, por outro lado, reconhecer corajosamente que Apolônio deve ter sido um médium de múltiplos dons, sem os quais não lhe teria sido possível realizar os atos que cercaram sua personalidade de forte mistério.

            Antes de concluir este rápido escorço, vamos reproduzir os trechos relacionados com a estranha relação do filósofo Menipo e de uma empusa, desmascarada por Apolônio e relatados por Filóstrato. Procuramos ser tão fiéis à versão contida no trabalho de Chassang, quanto possível. Eis o que lá está (Livro IV, cap. XXV, págs. 163 a 165):

             “Havia então em Corinto um filósofo chamado Demétrio, que se apropriara do másculo vigor da doutrina cínica (1), e Favorino (2) a ele se referiu várias vezes elogiosamente. Demétrio nutria por Apolônio os mesmos sentimentos que Antístenes, diz-se, por Sócrates (3).  Revelara-se aluno assíduo e se fez seguir pelo melhor de seus alunos, Menipo, da Lícia, com vinte e cinco anos de idade, dotado de espírito culto e possuidor de notável beleza. Consideravam-no um atleta, tão bem nascido quanto bem feito de corpo. Acreditava-se geralmente que Menipo se havia apaixonado por desconhecida estrangeira, mulher formosa, agradável e rica. Ela, entretanto, era somente aparência, pois não tinha nada de verdadeiro. Um dia, Menipo caminhava só, na estrada que leva a Cencreia, quando um fantasma lhe apareceu sob a forma feminina. Segurou-lhe a mão, dizendo-lhe que o amava há muito tempo, e que era fenícia, residindo num arrabalde de Corinto, por ela indicado.

            - Vem ter comigo à tarde - disse ela - e ouvir-me cantar. Eu te farei beber um vinho como jamais te foi dado faze-lo, Não terás que recear nenhum rival. Formosa como sou, sentir-me-ei feliz em viver com um jovem e belo homem como tu.

            Menipo deixou-se levar por essas palavras pois, embora filósofo muito sólido, não sabia resistir às solicitações do amor. Todas as tardes ia encontrar-se com essa mulher e durante muito tempo com ela viveu como se fora sua esposa sem duvidar de que ela era apenas um fantasma.

*

            Apolônio estivera observando Menipo com o atento olhar dum escultor - Quando gravou bem na memória os seus traços, disse-lhe:
             - Salva-te, belo rapaz. Tu, que és cortejado por lindas damas, estás aquecendo uma serpente e te deixando aquecer por ela?
             Menipo se mostrou surpreso e Apolônio prosseguiu:
             - Estás ligado a uma mulher que não é tua esposa. Acreditas que ela te ame?
             - Sim, decerto - respondeu Menipo. Todos os seus atos me levam a crê-lo.
             - Então, vais desposá-la? - insistiu Apolônio.
             - Será para mim grande felicidade desposar uma mulher que me ama - retrucou o jovem.
             - E quando serão as núpcias?
             - Em breve... poderá ser amanhã... - concluiu Menipo.
             Apolônio aguardou, então, o momento da festa, e, quando os convidados estavam chegando, entrou na sala e perguntou:
             - Onde está a bela dama que festejais?
             - Aqui - disse Menipo, corando.
             - A qual de vocês dois pertence o ouro, a prataria e os objetos preciosos que ornamentam esta sala? - indagou Apolônio.
             - A minha mulher, porque eis aqui tudo quanto possuo ...
             Dizendo isto, Menipo mostrou seu manto. 
            Apolônio, voltando-se, dirigiu-se aos convidados:
             - Conheceis os jardins de Tântalo (4), que são e não são?
             - Sim, mas somente através de Homero, pois nunca descemos ao Tártaro (5).

            - Muito bem! tudo quanto aqui vedes é a mesma coisa: nada há de real nesta sala, tudo não é mais do que aparência. Quereis que eu me faça compreender melhor? A encantadora esposa de Menipo é uma dessas empusas (6), a quem o povo chama lâmias ou ‘mormolyces’ (7), as quaís gostam muito do amor, mas ainda mais da carne humana: elas dominam pela volúpia aqueles a quem desejam devorar.

            - Indigna calúnia! -- gritou a jovem mulher, que se mostrava irritada com o que ouvira, apostrofando os filósofos, homens de cérebros vazios, segundo ela.

            De repente, as taças de ouro e os vasos que se acreditava serem de prata, se desfizeram com rapidez e não mais foram vistos os criados nem os cozinheiros, nem nenhum dos outros servidores: as palavras de Apolônio haviam dissipado o encantamento. Nesse ínterim, o fantasma se pôs a chorar e suplicou que ele não o torturasse, revelando-lhe a condição. Mas Apolônio não fraquejou não cedeu à pressão que lhe fazia e o fantasma acabou por confessar que era uma empusa (6) e vinha saturando Mempo de prazeres para depois o devorar, pois era seu costume nutrir-se assim de belos homens, porque eles têm o sangue mais fresco.

*

            Pelo que acabamos de relatar, pondo de parte a interpretação dada por Filóstrato, de que as empusas acabavam por devorar suas vítimas, temos de reconhecer dois fatos importantíssimos:  primeiro, o de um Espírito que se materializara por tempo indeterminado como mulher, seduzindo um homem e com ele coabitando muito tempo, vivendo ambos como casados, sem que esse homem, apesar de “dotado de espírito culto", e as pessoas que os conheciam terem a mais leve suspeita de que ela não era senão um fantasma! Ai está a manifestação visível e tangível de um corpo fluídico, dando todas as aparências de humano, sujeito às mesmas necessidades que as dos encarnados, inclusive as de natureza fisiológica, ou pelo menos deixando tal impressão. Evidentemente, o clero sempre contestou quanto se atribui a Apolônio de Tiana, o que era mais fácil em outros tempos do que hoje. É preciso que, dentre quanto possa haver de lendário na vida de Apolônio, se estude e se examine o que há de verossimel, cotejando-o com as ocorrências constantes das Escrituras Sagradas e de obras profanas da antiguidade. Em seus «Êclaircissements", ao fim do livro, o professor A. Chassang pondera também: “Há em
Eurípedes uma história análoga, de um fantasma que se fez amar sob a forma de mulher. Está na tragédia “Helena”. Eurípedes (8) supôs (isto é uma versão renovada da ficção do poeta Stésichore) que Juno, para se vingar de Páris, lhe havia feito ver, em lugar de Helena, um fantasma à sua imagem, e a verdadeira Helena fora conduzida por Mercúrio ao palácio de Proteu, no Egito. (Ver Patín – “Études sur les tragiques grecs”, IV vol., pág , 76.) Lê-se em “Vie de·Saint Bernard”, de Ernald, uma narrativa que tem semelhança com o mencionado por Filóstrato, a respeito de uma mulher amada pelo diabo e libertada pelo santo. Eis aqui a narrativa de Ernald. E o autor passa a narrar minuciosamente o caso ocorrido em Aquitânia, “de uma mulher que havia cedido às doces palavras de um demônio lascivo. Ela era casada com bravo soldado, que não suspeitava de tão abominável comércio”.

(1)  A escola cÍnIca foI fundada pelo filósofo Antístenes, dIscípulo de Sócrates e mais tarde seu oponente. A escola passou a chamar-se "cíníca" em virtude de haver começado o ensino num lugar denominado Cinosarges, ou templo do Cão Branco (de "cínicos" = cães). Antístenes levou ao extremo a doutrina que professava, mas não era sincero em sua observância. Duma feita, Sócrates, percebendo-me a vaidade, comentou: "O' Antístenes: através dos buracos do teu manto, estou vendo o teu orgulho!”

(2)  Filósofo do tempo do Imperador Adriano.

(3) Foi o primeiro filósofo humanista. A Natureza para ele era secundária, mas o homem, fundamental. Sua divisa era: "Conhece-te a ti mesmo". Para ele, nada sobrelevava a virtude que é a ciência do bem. Deixou implícito que o verdadeiro fim e a razão de ser de toda a fIlosofia é a moral.

(4)  Define-se por "jardins de Tântalo" o que é irreal e fantasioso, o que não existe.

(5) Sinônimo de "inferno".

(6) Empusa (do grego "empoysa") - espectro enviado por Hécate, que toma Inúmeras aparências (Dicionário de Morais, 1877).

(7) Lãmia ou "mormolyce" - Feiticeira, bruxa, duende, ou outro qualquer fantasma quimérico, em que, segundo a falsa crença dos antigos, se transformavam as mulheres, para tragar os meninos, e chupar-Ihes o sangue. Também a superstição fez crer que "eram
estas uma casta de demônios súcubos, que os antigos tinham por faunos" (Morais, Idem).

(8) Eurípedes, um dos três grandes nomes da tragédia grega, ao lado de Ésqulo e Sófocles.

Apolônio de Tiana Parte 8 de 8
José Brígido / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Abril de 1956

            A narrativa com que encerramos o capítulo VII deste trabalho desce a pormenores que não desejamos reproduzir, e acrescenta: "Durante sete anos isso foi um segredo e a infeliz evitou revelar sua vergonha". O leitor atento observará que o Espírito (chamado "demônio" e "diabo") induzira a pobre mulher a estranho concubinato e essa situação anormal e irregular perdurou pelo espaço dilatado de sete anos, conforme consta no livro "A Vida de São Bernardo", escrita por Ernald. Este autor esclarece: "Ela não podia mais suportar a ideia de tanta mácula e do julgamento de Deus, que a ameaçava a cada instante de danação eterna. Em seu pavor, ela amiúde procurava os padres e lhes confessava seu crime. E se punha a correr de igreja em igreja, implorando perdão aos santos. Mas nem suas confissões nem suas orações, nem suas esmolas, davam resultado. Cada dia ela se via mais exposta aos ataques do demônio, que parecia ainda mais excitado." E ainda: "Tudo quanto os padres mandaram que ela fizesse, foi feito, mas inutilmente. Seu opressor não errou ao anunciar a chegada do abade e a proibiu, com ameaças, de denunciá-lo. Disse que tal providência de nada serviria e que, logo que o abade saisse, o que se tornara seu amante lhe moveria a mais cruel das perseguições. O representante de Deus ouviu-lhe a história e a consolou com palavras amigas, prometendo-lhe o socorro do Céu; e como a noite se aproximava, foi a mulher convidada a voltar no dia seguinte, cheia de confiança em Deus. E ela voltou no dia imediato e contou ao abade as blasfêmias e ameaças que ouvira nessa mesma noite da boca do demônio deitado junto dela "Após proceder como lhe recomendara o abade, disse a mulher que o Espírito súcubo procurou-a à noite, mas não fizera seus ataques habituais nem mais se aproximara do leito conjugal. E “desde então o demônio não voltou mais" (Sancti Bernardi Vita", auctore Ernaldo, dans les oeuvres de Saint Bernard, édition Gaume, t. II, col. 2167), passim A. Chassang, ob. cit.

            Em seus "Éclaircissements", que valorizam sua importante tradução da obra de Filóstrato, Chassang diz que todos esses fatos nada são em face de certas narrações sobre os demônios súcubos e íncubos, encontradas não apenas nos livros de feitiçaria, mas também nos livros históricos, como, por exemplo, nas "Mémoires de Palma Cayet, le précepteur et l'historien de Henri IV". E ajunta: "Enviamos os leitores curiosos desta sorte de coisas à sua "Chronologie septenaire" (Collection Michaud et Poujoulat, t. XII, 2e. partie, p. 61, 74, 257, 279) e, sobretudo, à sua "Chronologie novenaire", na qual se encontra (Ibid. Ire. partie, p. 310-317) uma narrativa bastante longa para ser inserida aqui, mas que ultrapassa tudo quanto a imaginação mais ávida de fantasia pode sonhar. Palma Cayet, que, era um pouco suspeito de magia, declara "le cas es merveillable" e não será demasiado contá-lo . Refere-se ele a uma pobre camareira de Louviers, que, em 1591, teve comércio com o diabo, que vinha vê-la sob a figura, ora de um negro corpulento, ora de um gato, ora de um pássaro, ora de um facho de fogo: o diabo a maltratava e lhe transtornava o lar. A Justiça permanecia muda ante esses fatos e foi posta em xeque durante bastante tempo, assim como a Igreja. O prior a retirou de lá contundida e pisada. Dez arqueiros que a agarraram pelas vestes não puderam impedir que ela fosse arrebatada fortemente para cima e algumas vezes "os pés foram levados para o alto e de cabeça para baixo, sem que seu vestuário se virasse, ao mesmo tempo que através dele saía, pela frente e por trás, grande quantidade de água e de fumaça fétida." A obsessão cessou quando foram cortados os cabelos da infeliz, os quais ela havia dado de presente ao diabo."

            Estendemo-nos na descrição de todos esses fatos para ressaltar de modo claro a frequência relativa dos casos em que se pode admitir a existência de corpos fluídicos materializados, mesmo por Espíritos empenhados em ações pouco edificantes. Eles provam à saciedade a existência de corpos fluídicos e a confusão que os Espíritos apresentam com a aparência de corpos de carne, como os dos encarnados, aparência tão real que não desperta suspeitas.

            Toda a vida de Apolônio de Tiana foi um manancial de exemplos conducentes à confirmação da fenomenologia espírita, assim como a obra de A. Chassang, graças ao seu espírito liberto de preconceitos, ao seu critério eminentemente imparcial e à sua orientação científica no modo de encarar as ocorrências tidas como mais insólitas, constitui um valioso testemunho a mais, entre tantos que realçam a solidez da teoria do corpo fluídico. Se outro mérito não houvesse na biografia de Apolônio de Tiana, haveria, pelo menos, esse, que convida o leitor sereno, e liberto de dogmas, à meditação.

            Apolônio teve tanta influência em seu tempo que escritores de mérito dele se ocuparam, uns, porém, tangidos pelas circunstâncias da época em que viveram, limitaram-se a contestar-lhe os feitos. Reduziram os fatos a lendas; outros, mais objetivos e mais despidos de influências estranhas, procuraram adotar uma orientação de elevada imparcialidade, aceitando certos fatos, recusando outros, mas analisando todos com o propósito de fazer obra digna de fé...

            Inúmeras ocorrências tipicamente espíritas marcaram a sua vida. Entre outras, já mencionadas e que deixamos de citar, encontram-se: predições de Anaxágoras, Megístias, Tales, Iarcas; aparições de Esculápio; presságios de Apolônius, etc. Como dissemos anteriormente, muita coisa está envolta em lendas e outras não podem ser consideradas pela falta de elementos sólidos de comparação com o que já é ponto pacifico em nossos dias, nos domínios do Espiritismo. Entretanto, certos fatos são tão comuns contemporaneamente, que não nos devemos espantar hajam acontecido com Apolônio de Tiana, como por exemplo, o de haver livrado de um Espírito obsessor um jovem. Certos fenômenos, como aquele em que Tigelino, durante o julgamento de Apolônio, ia ler a acusação e a encontrou em branco porque os caracteres haviam desaparecido! Pode ter sido um fenômeno de hipnotismo. ou um fenômeno realmente espírita, o que é impossível pormenorizar em face da ausência de maiores esclarecimentos.

            A vida pura que Apolônio levou e a mediunidade multiforme que possuía, deram-lhe forças que fizeram que às vezes o tomassem por um deus. Em outras circunstâncias, tudo levava a crer não ser Apolônio de Tiana senão um ser dotado de corpo fluídico, o que lhe permitia realizar certas façanhas, como a em que se deslocou de Roma, ao dizer a Domiciano que este não tinha poder algum sobre seu corpo nem sobre sua alma.

            Todas as obras escritas sobre Apolônio se basearam principalmente na biografia feita por Filóstrato. Não deixa de ser interessante, porém, um giro pela bibliografia especializada. O livro de Chassang faz referência aos trabalhos atribuídos a Apolônio: "1) Sua "Apologia", da qual Filóstrato diz ter conservado o fundo, senão a forma; 2) um tratado em quatro tomos "Sobre a Astrologia", também citado por Filóstrato; 3) um livro "Sobre os Sacrifícios", do qual uma passagem é citada por Eusébio ("Prép. Évang."; 4) um "Hino à Memória"; 5) um livro intitulado "A Doutrina de Pitágoras", que é sem dúvida o mesmo que uma "Via de Pitágoras", que lhe atribui Suidas, e na qual Jonson e Meiners acreditavam ver fragmentos de alguns trechos das "Vidas de Pitágoras", de Jâmblico e Porfírio; 6) um "Testamento", citado por Filóstrato, e escrito em Ioniano." Diz Chassang, no "Apêndice" de onde recolhemos estas notas: "Pode ser que se veja nesse titulo uma contrafação da Santa Escritura. Isto será um erro. Ficou-nos da antiguidade pagã a lembrança de vários Testamentos" escritos por filósofos que desejavam resumir suas doutrinas. Há um atribuído a Platão, mas é apócrifo. Esse uso era muito frequente, sobretudo na escola pitagórica, à qual Apolônio de Tiana pertencia. Por outro lado, a palavra "Testamento", aplicada à Escritura, é assaz imprópria. O verdadeiro sentido é "antiga aliança", "nova aliança" (ver o "Thesaurus lingux graecae", edição Didot) . Prossigamos: 7) As "Cartas" dirigidas aos príncipes, aos sofistas, aos filósofos, aos povos. Filóstrato fala dessas "Cartas" e dá um certo número delas na obra que escreveu. Diz ele, em determinada ocasião: "Apolônio e Dion são, dos antigos, os que melhor observaram o caráter do estilo epistolar."

            Vejamos agora algumas das obras que dele também se ocupam:

            - "Enciclopédia Britânica", vol , 2, pág . 133: "Apolônio de Tiana - Filósofo grego da escola neo-pitagórica, nascido poucos anos antes da era cristã. Estudou em Tarsus e no templo de Asclépio, em Egeu, onde se devotou às doutrinas de Pitágoras e adotou o hábito ascético de vida. Viajou através da Ásia e visitou Nínive, Babilônia e Índia, embebendo-se do misticismo oriental. A narrativa de suas viagens, dada pelo discípulo Damis e reproduzida por Filóstrato, é extraordinariamente cheia de milagres, que muitos consideram de caráter imaginário. Em seu retorno à Europa foi recebido com reverência, como um mágico. Ele se considerava unicamente com o poder de prever o futuro. Ainda, em Roma, dizia-se que ele salvou da morte o corpo de uma nobre senhora. Dentro do halo de seu misterioso poder, Apolônio passou através da Grécia, Itália e Espanha. Diz-se que foi acusado de traição por Nero e Domiciano, mas escapou por meios miraculosos. Finalmente, fundou uma escola em Êfeso, onde morreu, aparentemente com a idade de cem anos. A obra de Filóstrato é geralmente encarada como obra religiosa de ficção. Bibliografia: F. C. Baur - "Apollonius von Tyane und Christus" - Ed. Zellet (Leipzig, 1876); J. Jessen - "Apollonius von Tyane und sein Biograph Philostratus" - Hamburg, 1885; D. M. Tredwell - "Sketch of the Life of Apollonius of Tyana" (New York, 1886); J. Góttsching - "Apollonius von Tyana (1889); B. L. Gildersleeve - "Essays and Studies (N. Y., 1890); J. A. Froude - "Short Studies"; G. R. S. Mead - "Apollonius of Tyana" (1901); Philostratus - "Philostratus’ Life of Apollonius" (tradução para o inglês, New York, 1905); M. Wundt - "Apollonius von Tyana" - Prophetic und mythenbildung (1906); O. de B. Priaulx - "The Indian Travels of Apollonius" (1873); F. W. G. Campbell - "Apollonlius of Tyana (1908); J. S. Phinimore (1912); e F. C. Convbeare (1912) - traduções.

             - Enciclopedia e Dicionário Internacional de W. M. Jackson. VoI. I, pág , 651: "Apolônio de Tiana - Célebre filósofo neopitagórico, nascido em Tiana, na Capadócia, no começo da era cristã, m. em Êfeso, reinando Nerva. Sectário das ideias de Pitágoras, viajou muito, estudando nas Índias os dogmas dos brâmanes. Por toda a parte por onde viajou, fez propaganda dos dogmas pitagóricos. A exemplo do seu mestre, alimentava-se só de legumes, vivendo numa completa abstinência de vinho e de mulheres. Andava descalço, mas não cortava o cabelo, ensinava os homens e recolhia-se nos templos. Quando morreu, os pagãos erigiram lhe estátuas e templos, pretendendo opor os seus milagres aos operados por Jesus Cristo. Parece que Apolônio foi sábio, justo e virtuoso. O que dele se contam alguns comentadores é tão confuso e inverossímil, que dificilmente se pode reconstituir a sua personalidade.”

            - "Angel Gonzalez Alvarez - "História de Ia Filosofia", 3ª edición - Madrid MCMLIII: O renascimento pitagórico religioso se iniciou com Nigídio Figulo (m. 45 anos depois de Jesus-Cristo) e alcançou seu maior esplendor com Apolônio de Tiana (segunda metade do século I de Jesus-Cristo). O retórico Filóstrato foi quem deu divulgação ao trabalho de Apolônio, seguido por Moderato de Gades, Nicomaco de Gerasia (até o ano 100 de Jesus-Cristo) Numênio de Apamea até o ano 160 de Jesus-Cristo) e Hermes Trimegisto, ou quem tenha sido o autor ou os autores dos "Livros Herméticos (Século III) - Quadro Esquemático XVII - Pág. 39.

            Do "Dictionnaire des Sciences Occultes", publicado sob a direção de Fréderic Boutet - Paris, 1937: "Apolonio de Tiana - Filósofo e taumaturgo do 19 século da era cristã. As mais extraordinárias narrativas são feitas a seu respeito. Filho de uma salamandra, operou milagres, ressuscitou mortos, fez predições, aparece simultaneamente em lugares distantes e diferentes, viajou através dos ares, criou pequenos animais, compreendia a linguagem dos pássaros. Filóstrato conta que Apolônio, havendo descido ao túmulo de Aquiles, evocou os manes do herói e conversou com o fantasma. Diz-se também que desapareceu à idade de cem anos, levado por seu pai, o diabo, mas que reapareceu diversas vezes e reencarnou novamente no XII século, sob o nome de Artephius. Artephius foi alquimista e filósofo hermético. Viveu cerca de 1130 e era judeu ou árabe. Deixou numerosos escritos, entre os quais: "Clavis majoris sapientiae", 1614, Strasbourg; "Liber Secretus"; "De characteribus planetarum, Cantu et motibus avi um, rerut prreteritarum et futurarum, LapIdeque philosophico' "De vita propaganda", "ouvrage que l'auteur composs dit-il, à l'âge de mille vingt-cinque ans": "Speculú. Speculorum"; "Biographie Universelle (Michaud) ancienne et moderne - Tome deuxiême - 1854 - Paris Chez Madame C. Desplaces, Editeur-proprietaire de deuxiême édition de Ia Biographie Universelle. Se "Tratado sobre a pedra filosofal" foi traduzido do francês por Pierre Arnauld (Paris, 1612) e várias vezes reimpressa."

            Dados colhidos na "Collier's Encyclopediae": "Apolônio de Tiana (Apollonius of Tyana) - Nasce provàvelmente no mesmo ano que Jesus-Cristo, em Tiana, na Capadócia, antigo reino da Ásia Menor. Foi educado em Tarso e no templo de Esculápio, no Egeu (Aegae) onde se tornou Neo-Pitagórico. Viajou pela Ásia Menor, Índia, Espanha, África, Roma e Grécia. Fundou a Escola de  Êfeso. Morreu em Êfeso ou Rodes ou Creta. Seu biógrafo foi Flavius Philostrates, de Lemnos, que escreveu sobre ele cerca de 216 anos depois de Cristo, por vontade da imperatriz Júlia Domna, baseado em algumas cartas de Apolônio e no diário de viagem de seu discípulo Damis."

FIM

Um comentário:

  1. Nao tenho dúvida que paira sobre este homem extraordinário, uma aura de verdade, principalmente sobre suas virtudes.

    Entretanto, Jesus sempre foi e será o Alfa e o Omega, o Zenite da sabedoria e do amor, pairando acima de tudo e de todos, apoiado em sua natural superioridade evolutiva.

    Para min bastam as palavras de Emannuel através de Chico e do espirito da verdade respondendo a Kardec no livro dos Espiritos: Jesus foi o ser espiritual mais evoluido que passou pela terra. Fez a sua evolução em linha reta.
    É isso.

    ResponderExcluir