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domingo, 21 de maio de 2017

O que é a verdade?


Que é a Verdade? 
Alexandre Dias
Reformador (FEB) Dezembro 1938

Reuni em torno de vós um bando de crianças e, traçando a imagem de Deus segundo vários credos, vereis que poder de penetração possui a inocência para descobrir a verdade.

Jesus, o maior dos psicólogos, assinalou essa faculdade, quando disse: “Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o reino do Céu”.

De fato, só a inocência poderá distinguir, pelos atos de justiça, o verdadeiro juiz.

Tentai, portanto, a experiência, propondo à meninada o seguinte teste:

Na religião A (oculta-se sempre o nome do credo religioso), Deus constrói uma alma nova para cada criança que nasce. Às vezes, porque a obra saiu mal acabada, a Criança vem ao mundo cega, disforme ou até idiota. Mas, quando mesmo chegue perfeita no corpo, com o correr dos tempos, crescendo, acontece, muita vez, que ela se torna moralmente defeituosa. Dá para assassino, ladrão, desonra pai e mãe, enfim comete crimes horrorosos.

Que faz então o Deus da religião A, quando essa criatura morre e tem que lhe prestar contas de suas ações?

Procede de dois modos:

1º.- Se ela, antes de morrer, confessou os seus crimes a certas pessoas na terra, que são os representantes desse Deus, e se mostrou arrependida do mal praticado, esses representantes concedem-lhe o perdão e Deus, em segundo lugar, confirma a sentença. Não tem mesmo autoridade para discordar das decisões dos seus representantes. Absolvida, por mais monstruosos que sejam os seus crimes, a alma, ali apertada, vai morar eternamente; de mistura com os bons, com os que só fizeram o bem, num lugar onde não se trabalha, não se sofre, onde tudo são delícias e só se ouvem músicas sacras e se respira o aroma do incenso por todos os lados. Esse lugar é o céu. Deus ali sentado num trono de ouro e pedrarias, em meio a uma corte de anjos e serafins, que o embalam com os cânticos de louvor, enquanto os multimilhões de almas Já existentes se conservam de joelhos numa adoração perpétua a esse rei, que vem descansando desde o sétimo dia da criação do mundo. Salvo o trabalho, que não transfere a outrem, de modelar almas para os recém nascidos da terra.

2º - Dando-se, porém, o caso da criatura, que morre em pecado, não levar consigo a prova de absolvição, as portas do céu não lhe serão abertas e ela, atirada a uma região que se chama inferno, sofrerá por toda eternidade, sem repouso de um só instante, a tremenda tortura do fogo que lhe queima as carnes do espírito, para alegria e divertimento de um sujeito feroz chamado Satanás - soberano daqueles domínios.

Apresentemos, em seguida, à criançada, outra imagem de Deus na conformidade da religião B.

Então lhe faremos notar que, de acordo com esse credo, também é ainda Deus que faz uma alma nova para cada um de nós. Possui essa religião, igualmente, representantes de Deus na terra, não com poderes discricionários como os da religião A. É-lhes vedado Intervir na concessão do perdão aos faltosos e tudo quanto fazem consiste em exigir dos crentes estrita observância às recomendações baixadas de Deus, contidas em livros que se chamam Escrituras Sagradas. Acontecendo, porém, que tais recomendações nem sempre são muito fáceis de entender, os representantes do Deus da religião B as interpretam para os confrades menos esclarecidos. O céu, como prêmio e o inferno como castigo, é tudo o que espera aqueles que deixarem este mundo. Se seguirem à risca todas as prescrições, isto é, se foram criaturas que deixaram na terra a impecável tradição de um Jesus Cristo, o céu lhes será assegurado. Ao contrário, se infringiram as leis divinas, por menor que seja essa infração, por mais leve que se considere a falta, não têm outro destino a tomar que não seja o caminho do inferno.

Será bom elucidar que, ao menos, a religião A foi mais inteligente, criando uma parada intermediaria entre o céu e o inferno, a que chamou de purgatório, para ali estagiarem as almas carregadas de pequenos pecados, que ainda podem passar ao reino do céu, assim, daqui de baixo, intervenham em seu favor os representantes de Deus, fornecendo-lhes os bilhetes de ingresso, apelidados
“missas”.

Finalmente, esbocemos a figura de Deus conforme um terceiro credo, que denominaremos C.
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Aí já não é Deus quem esculpe uma alma nova para cada corpo, mas, pelas leis naturais que ele decretou, da transformação constante da matéria, essa alma surge, como se fosse ainda uma centelha, da passagem do mineral ao vegetal, deste transmigra para o animal na forma mais rudimentar, até atingir a espécie humana, terá atravessado todas as escalas dos três reinos da Natureza, formando um reservatório de conhecimentos que irão do chamado instinto à mais lúcida inteligência.

No mineral, se a manifestação de vida, ou, o que o mesmo quer dizer - a alma, é ainda um tênue fluido magnético que, como acontece com os cristais, dá apenas para reconstituir a sua primitiva forma geométrica quando venha a esfacelar-se uma de suas facetas, já no vegetal revela um lampejo de inteligência, pugnando pela propagação da espécie. É assim que se vê a piteira, por exemplo. nascer de preferência nos cômoros de um terreno para que daí possam rolar as suas sementes em forma de bulbos, fugindo à sombra materna, que não as deixaria germinar.

Em relação aos animais, mesmo aqueles que se possam considerar inferioríssimos na escala zoológica, essa revelação de inteligência é patente, chegando por vezes a causar pasmo. A organização social da vida das formigas e das abelhas é um exemplo edificante, que bem poderia servir de modelo à desorganização da humanidade.

Nascer, morrer e renascer é o trabalho contínuo a que está sujeito o espírito, passando por todas essas transições, desde o minério até o homem e, daí por diante, desde o tipo boçal ao gênio. Não importa saber quantos milhares de anos foram precisos para tomar as feições humanas, o tempo que demorou na raça indígena e na preta, até chegar à branca, e nem as várias nacionalidades que adotou na sua trajetória; mas o que se não deve ignorar é que foi a custa do seu próprio esforço que o espírito formou uma consciência capaz de distinguir o bem do mal, a justiça da iniquidade. Desse modo torna-se responsável pelos seus atos, e, como o bem atrai o bem e o mal chama o mal, cedo ou tarde, terá ele a recompensa ou a punição devida. Céu e inferno para o credo C não são lugares, não são pontos finais em que vai esbarrar o espírito para estacionar preguiçosamente ou derreter-se ao calor de fogueiras; mas são, apenas, estados de consciência. O espírito se sentirá feliz, felicíssimo, mesmo, e achará o céu dentro de si, quando se veja despojado de todas as imperfeições; ao contrário, o inferno reinará no seu íntimo, enquanto se lembrar de que ainda não resgatou a menor maldade com que partiu deste para o outro mundo. Mas, como lhe é permitido, pela religião C, baixar à terra tantas vezes quantas forem necessárias para o seu completo aperfeiçoamento, um dia, afinal, ele conseguirá a iluminação do céu dentro da sua consciência.

Das escrituras sagradas, Que são o código comum a essas três religiões, posto que divirja, de uma para outra, a interpretação dos seus textos, o credo C tem por princípio básico a sentença: “Não faças a outrem o que não desejas que fizessem a ti; e, por cominação de pena, no caso de transgressão - Quem com ferro fere com ferro será ferido. Um sintônico automatismo liga a falta à punição, seguindo-se uma imediatamente a outra, como o efeito sucede à causa.

Convencidos, portanto, os crentes da religião C de que nenhuma interferência estranha os livrará da penalidade, e que só a eles compete evitar as reações punitivas de suas ações maléficas, o instinto de defesa, quando não seja já a boa índole e o caráter superior, terá que elevar, cada vez mais, o nível de sua mentalidade. Orgulho, ódio, vingança e egoísmo serão varridos do seu coração e, desse modo, amando aos semelhantes como a si mesmos, já não haverá questões de raças que os separem, nem antagonismos de pátrias capazes de incita-los ao morticínio, quando eles sabem que já pertenceram e devem sua evolução a todas as raças e a cada uma dessas pátrias. Enfim, o sentimento da fraternidade universal - objetivo máximo do ser humano - está conseguido e o espírito passará a outro planeta mais adiantado. Daí, em escala sempre ascensional, de planeta em planeta, enriquecendo, cada vez mais, a sua inteligência e aprimorando o seu moral, ele será um infatigável colaborador da obra de Deus.

A pequenada, neste ponto do vosso teste, estará pensando que tantos são os deuses quantas as religiões existentes. Será preciso explicar-lhes que o Deus de qualquer dessas três religiões tomadas para exemplo (e foram essas as preferidas por constituírem os seus postulados as confissões predominantes no nosso pais), ... dizíamos será preciso esclarecer a dúvida da pequenada, fazendo notar que esse Deus é um único e o mesmo, tanto para a religião A como para a religião
B, como para a religião C. Ele é definido por todas com idênticos atributos: possui bondade maior do que o mais bondoso dos pais; reúne sabedoria tão grande, que todo o saber dos nossos sábios juntos, em cotejo com a d'Ele, pode ser comparado à figura de um estudantezinho que ainda pão passou da cartilha.

Essa bondade que, por não ter limite, se chamou de “infinita”, e essa sabedoria que, pela sua amplitude, se nomeia “onisciências”, bradarão à alma ingênua das crianças e elas, isentas das paixões que desnorteiam os homens, desconhecendo ainda preconceitos que fazem dissimular as nossas convicções mais sinceras, sem hesitar, espontaneamente, desassombradamente, identificarão o verdadeiro Deus.


Tentai, pois, a experiência e vos surpreendereis que, ao inverso da dificuldade do um reservatório de conhecimentos que irão do chamado instinto à mais lúcida inteligência com que lidam tantos cérebros adultos de raciocínio já formado para atingir a concepção de Deus, a criança vai logo direita ao fim, confirmando a sentença: “Ex ore parvulorum veritas”, ou, traduzindo para os nossos leitores esquecidos do latinório: “ A verdade sai da boca das crianças”.

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