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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 5


Espiritismo – Parte 5
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Junho 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Vimos que o Espiritismo, sob o ponto de vista religioso, não é senão a adoração em espírito e em verdade e o sentimento e a prática do amor; precisamente o contrário do ultramontanismo, dessa escola corrupta e corruptora que, antepondo aos mandamentos de Deus seus próprios mandamentos, faz depender a perfeição espiritual da observância de certas fórmulas e cerimônias exteriores, que em nada modifica nem melhora as condições internas do indivíduo.

            Resolvida essa questão, da qual nos ocupamos com algum desenvolvimento, a fim de desvanecer certas preocupações, certas imputações injuriosas jesuiticamente propaladas, passemos a estudar o Espiritismo em seu aspecto filosófico, propondo-nos demonstrar que, se como religião e moral, é O Evangelho e a caridade, como filosofia é a única solução racional dos mais árduos problemas providencialmente entregues à investigação dos homens para os seus indefinidos progressos.

            As crenças religiosas se acham no Espiritismo tão intimamente enlaçadas com as conclusões filosóficas, que com dificuldade se poderá fixar entre umas e outras uma linha perfeitamente divisória. As soluções filosóficas, expondo aos nossos olhos as grandezas do universo, nos levam a admirar ao esplendorosa sabedoria que anima todos os seres e, por conseguinte, a erigir em nosso coração um altar a essa mesma sabedoria inescrutável, vida de nossa vida, alma de nossa alma; e, fazendo-nos compreender a comunidade de nossa origem espiritual, despertam em nós dulcíssimos sentimentos de benemerência, prólogo dessa fraternidade que há de reinar um dia entre os homens, pois que a lei do progresso tem de cumprir-se. E quando quer que todas as investigações científicas venham a confirmar, em último termo, a verdade religiosa fundamental, Deus, agente absoluto, substância universal vivificante, alma da natureza, podemos neste sentido dizer que a filosofia é a teoria da religião.

            As principais afirmações filosóficas da escola espírita, além de Deus, da alma humana imortal e responsável, e da comunicação recíproca dos seres espirituais, de que já nos ocupamos, são a pluralidade de mundos habitados, a pluralidade das existências da alma e o progresso indefinido dos Espíritos por meio de recompensas ou castigos em harmonia com os merecimentos ou com as infrações voluntárias da lei.

            Não falta quem, com o fim de despojar o Espiritismo de sua importância, o acuse de se haver apropriado de idéias e doutrinas que não são suas, colhendo-as, por assim dizer, em campos pertencentes a outras igrejas e a outros sistemas filosóficos; mas, além de não serem as verdades, tanto religiosas como científicas, um patrimônio exclusivo de tal ou qual individuo, de tal ou qual coletividade, como não o são o oxigênio que respiramos, e a luz em cujo seio vivemos, poderá isso considerar-se como uma acusação formal? Foi, porventura, o Evangelho alguma coisa mais que um corpo de doutrina formado com as verdades morais pressentidas por eminentes filósofos anteriores a Jesus? Que é a filosofia senão a ciência de todos os povos e de todos os séculos, edificada lenta e sucessivamente em suas partes, por todas as escolas que tiveram alguma participação nas conquistas que aumentaram e enriqueceram os domínios do entendimento humano? O Espiritismo tirou dos mais eminentes filósofos e dos mais distintos moralistas, e ligando ao que havia de melhor nestes e naqueles os ensinos da revelação, formou o seu código moral e a sua filosofia, a mais luminosa filosofia para explicar o sapientíssimo plano da Criação, e o mais perfeito código moral para poder a Humanidade, sem tropeço, seguir a via de seus eternos destinos.

            Deus não fez nem podia fazer senão o mais belo, o melhor e o mais justo; aquela filosofia e aquela moral, cujas soluções estão mais conformes com a ideia que temos da beleza, da bondade e da justiça, serão as que mais se aproximam da verdade da Natureza, cujos segredos não podemos descobrir senão aos poucos e em virtude de perseverantes e bem encaminhados esforços. Ora bem! Pode-se conceber alguma coisa mais bela que a imensidade povoada, de rutilantes estrelas e de mundos cheios de inteligência e vida, como notas harmônicas do progresso, como estações de parada, onde as criaturas racionais, encontram um descanso às suas fadigas e os meios necessários para continuar a sua eterna ascensão até uma felicidade sempre crescente? Poder-se-á idear alguma coisa mais bela, justa, e consoladora que a substância espiritual humana persistindo eternamente em suas individualizações, purificando-se e aperfeiçoando-se de organismo em organismo, de mundo em mundo, de século em Século, expiando e se adiantando em méritos por sua liberdade, marchando sempre após um progresso cujo ideal é para cada ser inteligente e livre a plena posse de si mesmo e dos tesouros esplendidamente derramados no Universo pelo divino amor, pela sabedoria infalível?

            Onde está Deus, arquétipo da beleza, da bondade e da justiça, puríssima essência da verdade, manancial inesgotável da sabedoria, única sanção da liberdade humana, dos atos do entendimento e da moralidade das ações? Porventura no conceito materialista que, arrebatando à Inteligência o cetro da criação, destrói toda a liberdade, fazendo assim secar os mananciais do belo, do bom e do justo? Será no dogma católico com a sua trindade bramânica, com os seus deuses e semideuses tomados do paganismo, com os seus milagres como soluções de continuidade no plano da sabedoria, com a sua predestinação fatal, com as suas divinas vinganças e preferências? Porventura na absorção panteísta, no Nirvana que promete por toda a felicidade um sono eterno, o aniquilamento de cada um no oceano da vida universal, depois de uma existência de luta sem causa, sem plano e sem objeto?

            Substituamos todas essas teorias incompletas, caprichosas, desconsoladoras e infundadas pelos princípios racionais da filosofia cristã que resolve satisfatoriamente as grandes questões relativas ao plano da natureza e aos destinos humanos, Deus é a causa de todos os seres, a substância ativa por si mesma, a inteligência suprema, o amor universal; o espírito do homem é como que uma emanação da divina substância, como que uma centelha da suprema inteligência, ser relativo, perfectível por sua liberdade e pelo cumprimento da lei; o mundo visível é a substância passiva, teatro da atividade e crisol de depuração dos Espíritos.

           A vida e a Inteligência tem assento e se desenvolvem não somente na Terra, mas também nesses astros que aos milhões vemos fulgurar no fundo azulado dos céus, todos povoados por humanidades Irmãs, filhas de Deus, que avançam por vias distintas à conquista de seus ditosos destinos.

            A vida do Espírito é eterna e cada uma de suas existências um anel dessa eternidade. Estamos na vida derramando lágrimas, e essas lágrimas não podem ser um protesto contra a justiça de Deus; portanto; devemos tê-las merecido por infrações da lei, cometidas em existências anteriores. Deus é nosso pai e nosso juiz, há de sujeitar-nos ao cumprimento da lei; como pai, jamais poderá cerrar-nos a porta de seu amor nem privar-nos dos meios necessários para nos reabilitarmos aos seus olhos. Que é a vida presente? Um minuto de nossa eternidade; e poderá um momento de prova fixar a nossa sorte... para sempre? Não, não, mil vezes não; porque Deus é juiz mas discerne com justiça; é pai, mas pai amorosíssimo que não quer a morte, mas a redenção e a salvação dos filhos de seu amor. Poderá o homem ficar estacionado, retardar o advento de sua felicidade, voluntariamente desviar-se não escutando a voz da sua consciência e cerrando os olhos à luz; sofrer séculos e séculos as consequências de sua cegueira voluntária; mas Deus é o ímã das criaturas e sua atração benéfica acabará por fazer que o homem volte à senda donde jamais se deveria ter separado. A felicidade espiritual consiste na posse do poder, da sabedoria e do amor, atributos que, em sentido absoluto,são próprios exclusivamente da natureza divina; o homem, porém, irá enriquecendo-se progressivamente com eles, sem transpor jamais os limites da sucessão e da relação.

            O livre arbítrio é também relativo, como tudo aquilo que possui a criatura em sua natureza finita e imperfeita. Nossa liberdade está em harmonia com a elevação de nosso espírito; apenas perceptível no alvorecer da consciência, vai alargando sua atividade à medida que crescem os horizontes do espírito, originando-se daí os diferentes graus de responsabilidade segundo os sucessivos conceitos do dever. Quanto mais puro for o espírito, mais livre; e quanto mais livre, mais responsável perante a lei. Claramente nos manifestam as condições da vida humana que o dever é mais restrito na idade varonil que na juventude ou na infância, nos povos civilizados que nos selvagens, no homem douto ou experimentado que no inexperto ou ignorante.

            O dever absoluto e a liberdade sem limites só são compatíveis com a sabedoria infinita; por isso Deus é a lei e o dever absoluto a um mesmo tempo. E não sendo absoluto o nosso dever nem onipotente a nossa liberdade, quem, sem discordar da retidão e da lógica e sem perverter o sentimento de justiça, deixará de compreender que por nossas obras nem podemos tomar-nos dignos da felicidade suprema nem credores de perduráveis tormentos?

            No cumprimento da lei moral presidem a justiça e a misericórdia, mas sempre a misericórdia acima da justiça. Pela misericórdia saímos do caos, da misteriosa origem donde procede a existência dos seres, e chegamos à vida, à luminosa vida do espírito na qual começamos a antever Deus e a lei divina do progresso; pela justiça somos obrigados a obrar de conformidade com as prescrições da consciência, voz do céu, revelação permanente, facho aceso pelo Criador no mais íntimo de nosso ser para iluminar o caminho de nossa progressiva perfeição. Pela misericórdia desce sobre a Humanidade o rocio da inspiração superior, sem a qual lhes seria impossível dar um passo para adiante e emancipar-se da impureza e do erro, e essa inspiração vem aos homens por intermédio dos bons Espíritos, em observância do amoroso preceito de caridade imposto, às criaturas inteligentes e pela justiça a inspiração se levantará contra nós para acusar-nos, se menosprezarmos seus sábios ensinos.

            Esta é a filosofia cristã, isto o Espiritismo.

            É a isso que alguns chamam loucura do século décimo-nono.

            Loucura!. .. Porém, quem são os sensatos? Os indiferentes em matérias filosófico-religiosas, que nem afirmam nem negam, porque não se dão ao trabalho de estudar; que não se preocupam com essas coisas.. porque não se querem incomodar com discussões? Os materialistas que, para não transigirem com a ideia de Deus e do espírito imortal, transigem com o absurdo, pretendendo que a consciência, é o efeito de uma causa inconsciente, que a liberdade é filha de uma lei fatal, que o sentimento procede da insensibilidade, que a inteligência emana de uma lei inteligente e cega? Os uItramontanos, os fariseus, os traficantes religiosos, que nos falam de um Deus parcial e vingativo, de um espírito infernal criado para, torturar eternamente as almas com uma justiç;a que castiga, em filhos inocentes, as culpas dos pais até à última geração? Sim são estes os sensatos de nosso século, os redentores da Humanidade, os homens da sabedoria!


            Ó santa moral do Evangelho! Ó filosofia cristã! Ó Espiritismo! Os que te condenam ou não te conhecem ou te caluniam.

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