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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 4


Espiritismo – Parte 4
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Maio 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Dentro do Espiritismo, a religião consiste na moral e somente na moral; porque a moral é o cumprimento do dever e somente por esse meio o homem pode aproximar-se da sua felicidade e de Deus.        

            Por isso a religião se há de estribar nessas três grandes afirmações, nesses três grandes princípios fundamentais: Deus, a alma imortal e livre, prêmios e castigos espirituais na justa proporção dos merecimentos; porque, sem a aceitação dessas verdades fundamentais, à moral falta a base, e a vida humana, mesmo dos seus mais nobres exercícios, cai toda sob a jurisdição da mecânica.

            Convém distinguir entre o Espiritismo prático e o teórico, religião e filosofia. O primeiro é a moral em ação, o segundo investiga os fundamentos da moral. O Espiritismo teórico estuda as leis do progresso do Espírito, o prático realiza esse progresso. Pelo teórico entramos no conhecimento de que uma inteligência infinita governa tudo, de que somos eternamente perfectíveis e, portanto, imortais, de que o nosso porvir será o fruto de nossas obras presentes; e pelo prático adoramos a Deus e amamos os nossos semelhantes, lavrando assim a felicidade em nosso espírito,

            Não há dúvida de que a prática se avantaja muito sobre a teoria, debaixo do ponto de vista do progresso individual: mas a teoria é quem principalmente há de destruir os antigos erros e derramar pela convicção as crenças que hão de levantar o novo templo.

            O Espiritismo, como religião, está explicado e sancionado nas seguintes palavras de Jesus: "Crede-me, que vai chegar a hora em que não mais adorareis o Pai nesta montanha ou em Jerusalém. Será a hora em, que os verdadeiros admiradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João, IV, 21 e 23)

            Nos primeiros séculos das civilizações, os povos têm necessidade de materializar a adoração, a fim de que penetrem pelos olhos do corpo as primeiras noções da Divindade, quando os da alma estão cerrados a tudo o que não seja concupiscência e egoísmo. Um altar de pedras amontoadas no cume do monte e mais adiante um templo artisticamente fabricado na cidade, poderão ser considerados como alma e templo dignos da majestosa Sabedoria na qual, segundo a expressão de São Paulo, somos, nos movemos e vivemos?

            De nenhum modo; o altar simboliza o sacrifício, e o único sacrifício grato aos olhos divinos é o de nossos protervos apetites; o templo simboliza a elevação do sentimento, o incenso de nossa gratidão, e o Ser supremo tem direito a que as criaturas cantem sua glória de todos os pontos da Terra e de todos os mundos do espaço.

            Para essa adoração em espírito e em verdade o altar não pode ser outro senão o coração do homem; nem há outro templo digno de tanta grandeza senão o Universo em toda a sua inefável imensidade. Isso exprimiu Jesus, e isso é o Espiritismo em seu aspecto religioso, Sim, é isto o Espiritismo, apesar de tudo o que diz em contrário a escola clerical, que vive à custa dos altares de pedra. A eles ela se aferra como o avaro ao seu tesouro, como náufrago à única tábua que vê flutuar sobre as águas. Mas o mundo marcha disse Pelletan em gráfica expressão, e os ultramontanos não poderão deter a marcha do mundo. Seu conceito religioso, cada dia mais estreito e egoísta, amesquinha o altar e o templo e amesquinha a Deus. Sua adoração é uma mal dissimulada idolatria; seu fim, o domínio universal. Impotentes para a discussão, fazem consistir o bom êxito de seus manejos na opressão das consciências, Empunham o fuzil do faccioso ou o bordão do romeiro, segundo convém aos seus planos a violência ou a hipocrisia. Ah! os ultramontanos não constituem uma escola nem tão pouco uma igreja; eles formam antes uma internacional perturbadora, uma falange belicosa, inimiga da ordem pública, contrária ao direito, à justiça, à liberdade e à cultura dos povos.

            O conceito religioso do Espiritismo é a adoração em espírito e em verdade, qual a entendia e pregava Jesus, nosso mestre.

            Precisamos demonstrâ-Io?t Pois nós o fazemos consignando que o Espiritismo é o sermão da montanha e o amor a Deus e ao próximo, resumo de todas as prédicas de Jesus. Reptamos os detratores do Espiritismo para nele indicarem um só ponto que contrarie a doutrina da redenção tão sabiamente exposta nas Bem-aventuranças e no capítulo XXII de São Mateus. E como são os ultramontanos os nossos mais apaixonados adversários, vejamos se é a nossa ou a sua moral a que se afasta do Evangelho, para o que vamos colocar uma em frente da outra, tomando para termo de comparação a moral do Cristianismo.

            Os ultramontanos de hoje são os fariseus da época de Augusto. Alardeiam ser os mais escrupulosos cumpridores da lei e não cessam de cantar seus próprios merecimentos e virtudes.

            Tem dois céus, um na Terra para eles e o outro, não sabemos onde, para os outros. Seu reino é deste mundo, riquezas, comodidades, deleites, consideração e fausto; o espiritual eles o reservam para as ovelhas obedientes, para os cândidos que os reconhecem como guias infalíveis das almas. Sua moral lhes permite preparar, acender e alimentar fogueiras, onde ardam em antecipado inferno vítimas humanas, guerras desoladoras que mergulham os povos no desespero e na miséria. Têm maldições e anátemas para quem pregue a fraternidade universal, e sentimentos de tolerância e perdão para os incendiários e assassinos, quando o assassínio se chama fuzilamentos de liberais e o incêndio recai sobre povos que não abriram suas portas às ferozes hordas ultramontanas. Leiam seus órgãos na imprensa, e verão que não tiveram uma palavra, uma só palavra de censura contra os perpetradores dos crimes consumados em Igusquiza, em Igualada, em Cuenca, em Olot, e ensurdecem o Céu e a Terra, com os seus clamores, quando alguém se atreve a duvidar da legitimidade do dízimo ou a dificultar alguma de suas romarias onde a piedade aparente serve de máscara a nefandos propósitos, a planos liberticidas e criminosos.

            A eles convêm perfeitamente as palavras de Jesus: “Este povo me honra com os lábios; mas o seu coração está longe de mim” e em vão me honra ensinando doutrinas e mandamentos dos homens”, (Mateus XV, 8 e 9.)

            Nisto se distinguem os ultramontanos e se avantajam a todos os cultos nascidos da árvore do Cristianismo; é que eles multiplicaram os mandamentos até desnaturar completamente a árvore do Evangelho.

            O Evangelho está edificado sobre o amor, sobre a humildade e sobre o perdão; e a moral ultramontana sobre o temor, o egoísmo, o orgulho e o anátema; o primeiro estabelece como lei de perfeição a prática da caridade; o ultramontanismo antepõe-lhe as cerimônias exotéricas.

            Jesus disse: “Embainha a tua espada; porque os que com a espada ferem, por ela morrerão.” (Mateus XXVI, 52), os ultramontanos, ao contrário, asseveram que só é licito, mas obrigatório, desembainhar a espada a favor ou contra os príncipes do mundo, segundo convenha à seita. “O que quiser ser o primeiro., faça-se servo dos outros” (Marcos, X, 44); os ultramontanos, porém, desprezando esse ensino, estabeleceram primeiro, segundos e terceiros. "Dai de graça o que de graça recebestes. Não possuais ouro nem prata nem dinheiro em vossos alforjes" (Mateus X, 8 e 9); a isso respondem os nossos fariseus pondo à venda todos os serviços espirituais e enriquecendo às vistas das gentes. Amaldiçoam a quem quer que ouse revelar ao povo sua avareza e seus abusos puníveis, lançando ao esquecimento as máximas evangélicas com que Jesus lhes prescreveu perdoar às ofensas até setenta vezes sete vezes (Mateus. XVIII, 21 e 22). 

            E são esses os que se escandalizam do Espiritismo, como os escribas e fariseus se escandalizavam das verdades que Jesus derramava. Do Mestre disseram que era um impostor e que obrava em virtude de Belzebú, príncipe dos demônios (Mateus XII, 24); não é, pois, de espantar que digam outro tanto dos apóstolos da Boa-Nova os fariseus e escribas de nossos tempos. Reproduzem-se os mesmos efeitos, porque as causas são as mesmas.

            O Espiritismo, como Jesus, condena as exterioridades (Mateus VI, 1 e seguintes) e aplaude a adoração em espírito e em verdade; recomenda, como Jesus, a oração à porta cerrada e, em seguida, como muito superior à oração pública nas sinagogas (Mateus VI, 6 e seguintes); faz depender, como Jesus, toda a lei e os profetas do amor a Deus e ao próximo (Mateus  XXII, 37, 39 e 40), e promete, como Jesus, a salvação e a felicidade, não aos cumpridores das fórmulas, mas aos que praticarem obras de misericórdia. Porque deste de comer ao faminto e de beber ao sedento, hospedastes aos peregrinos, vestiste aos nus e visitastes o enfermo e encarcerado, vinde benditos de meu pai possuí o reino que vos está  preparado desde a criação do mundo (Mateus. XXV,  31 e seguintes). Este, e não outro, é o conceito religioso-moral do Espiritismo, conforme em tudo com a moral evangélica, apesar do quanto em contrário propalam os que fingem não conhecê-lo para terem ocasião de caluniá-lo.


            Mas, será só isso o Espiritismo? Certamente não, como o Catolicismo não é somente o dogma.  O Espiritismo é religião e é filosofia, e no presente parágrafo só o estudamos em seu aspecto religioso, a fim de fazer ressaltar a injustiça com que o tratam os doutores do Catolicismo oficial. Quem já os não ouviu qualificar de monstruosa, de obra infernal, a moral espírita? Que consciência timorata não se sentiu ainda dominada de formidável pavor ao ouvir que, do fundo das iniquidades do século, acabava de surgir uma seita estreitamente ligada, por meio de tenebrosos pactos, com o próprio diabo para acabar com a Igreja? Que fanático já não viu em sonhos o aspecto do Espiritismo como um fantasma descarnado, rodeado de serpentes, vomitando fogo, fendendo os ares nas costas de um dragão descomunal ou de um medonho morcego? Pois bem, é preciso que os mais timoratos se persuadam de que o aspecto religioso do Espiritismo nada tem de iníquo e horripilante, de que a sua moral e a do Evangelho, e de que ele não vem destruir a religião, mas combater o tráfico religioso. 

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