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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Preito a Allan Kardec


Preito a Allan Kardec 
José Petitinga
Reformador (FEB) pág. 312 ano 1917

            Mestre, escuta-me.

            São decorridos trinta anos.

            Circundado de bênçãos e aureolado de glórias, tinhas tu, já algum tempo, volvido ao espaço, a fim de dares conta da árdua missão de que foras investido pelo Cristo, quando eu, que te não conhecia ainda, me achei um dia, vacilante e trôpego, numa azinhaga tortuosa e escura, estranho aos esplendores da Natureza, sem prever onde terminaria a escabrosa senda.

            Aguçados espinhos rasgavam-me as plantas e as vestes, enquanto me fustigava o corpo mórbido a ventania rábica, ameaçando apagar n’alma para aclarar os meandros da tenebrosa jornada.

            Eu chorava e blasfemava às vezes.

            Sentia fome e sede... fome de saber e sede de Amor. Mas os raros frutos que pendiam de ramos enfezados eram venenosos e amargos, como amargo era, a linfa estagnada que no caminho havia.

            Pensei em retroceder; mas a Infância, de onde partira, estava tão distante...

            Onde me achava eu?

            Na Mocidade.

            Mocidade!

            Essa fase da vida para mim não teve atrativos. Lembro-me dela sem saudade. As flores cândidas de uma crença ingênua que me perfumara a adolescência; o sopro de tumultuosas paixões tinha varrido o meu caminho ...

            Era angustiosa a minha situação.

            A dúvida, precursora da descrença e do desânimo abeirava-se de mim, crocitando como abutre faminto.    

            Ideias confusas me assaltavam.

            Gemidos e imprecações chegavam-me aos ouvidos misturados com gargalhadas sardônicas e palavras cínicas cheias de um ateísmo revoltante.

            Quase à minha frente, numa curva do caminho vi subitamente desenhar-me um precipício hiante, que mudamente me convidava ao repouso, e que, para a minha
imaginação doentia, tinha a forma de um grande zero.

            Que seria aquilo: delírio ou sonho? O vestíbulo da loucura ou o Calvário da razão?

            Ah! era talvez o conluio de todas as faltas por mim cometidas nas encarnações passadas, apresentando a um tribunal que eu desconhecia o seu libelo acusatório!

José Petitinga

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