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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Gabriel Delanne: Ciência e Espiritismo



Gabriel Delanne, Ciência e Espiritismo 
por Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB)  Dezembro 1977


            Na velha e lendária cidade de Paris, palco de tantos acontecimentos notórios de repercussão mundial, então a Capital do mundo civilizado, pela luz que espargia através da literatura, da arte, da filosofia e da ciência positiva, nessa velha metrópole, dizíamos, vivia, lá pelo ano de 1851, um casal de vida simples e honesta, o Sr. AIexandre Delanne, comerciante, e sua esposa D. Alexandrina Delanne.

             No dia 23 de Março desse ano, seu lar se engalanou com o nascimento de um filho a quem deram o nome de Gabriel. Nas fisionomias de ambos se comtemplava a grande alegria que lhes ia n’alma.

            Devemos esclarecer que os genitores desse menino eram espíritas convictos e
praticantes, bem compenetrados de seus deveres espirituais. O Sr. Alexandre, um dos  seis fundadores da "Liga Parisiense de Ensino", foi afeiçoado amigo e colaborador de Allan Kardec, tanto assim que fazia parte da direção da Sociedade Espírita por ambos criada.

            Quando do sepultamento do inolvidável Mestre, no Cemitério de Montmartre, o Sr. Alexandre Delanne foi também um dos oradores que se fizeram ouvir no momento de baixar ao túmulo o corpo físico de Kardec. E ao inaugurar-se, em 1870, o “dólmen” do Codificador, construído no cemitério de Père-Lachaise, A. Delanne, impedido, por motivo de saúde, de comparecer àquela solenidade, escreveu uma carta, na qual, dando o seu próprio testemunho, fez sobressair as qualidades de Allan Kardec.
                                                                                                                                                             Allan Kardec


            A Sra. Alexandrina Delanne possuía excelentes dotes mediúnicos, tendo sido mesmo um dos médiuns que, com suas comunicações, muito auxiliaram Allan Kardec no trabalho hercúleo da Codificação do Espiritismo.

            Fácil será concluir que o nosso Gabriel Delanne, ao reingressar na Terra, encontrou um ambiente espiritual propício à sua preparação, a fim de bem desempenhar, posteriormente, a tarefa que a seu Espírito fora confiada pelos Irmãos maiores da pátria do Além.

            Ele próprio afirmava, sem rebuços, que a sua crença inabalável era a espírita, coisa aliás digna de ser assinalada, porque bem demonstra a fortaleza de seu caráter. Confessar publicamente a qualidade de espírita, naqueles tempos já tão distanciados, era demonstrar nenhum temor às chacotas populares e às críticas desabonadoras que costumam fazer os homens enfatuados de seu saber terreno.

            Ouçamos as suas próprias palavras:

            “Minhas reminiscências remontam ao ano de 1860. Meu pai era espírita, tanto que aprendi o francês, escutando as suas conversas sobre Espiritismo, e mais ainda, ouvindo as suas explicações os seus raciocínios em torno do mesmo assunto. Assim é que formei minha consciência acerca do Mundo e da criatura pela prática diuturna desses argumentos paternos. 

            O articulista de “La Revue Spirite”, ao escrever, em o número de Março de 1926. o artigo de fundo referente à desencarnação de Gabriel Delanne, teve ensejo de frisar:

            “...Gabriel Delanne jamais poderia supor, quando adolescente, que mais tarde se tornaria um do primeiro líderes do Espiritismo Kardequiano. A impressão que se tinha era que o destino o faria perlustrar outros caminhos. Cursava, então, a Escola Central de Artes e Ofícios: seria engenheiro eletricista. Com isso, desde cedo orientaria seu pensamento pelos moldes rigorosos da Ciência, e pode-se dizer que essa sua formação intelectual serviu-lhe poderosamente e dela sempre se utilizou na elaboração de suas obras de proselitismo.”

            De fato, as obras de Delanne, para quem as lê sem ideias preconcebidas, influem de maneira decisiva no espírito do homem culto que sabe raciocinar e ver as coisas como realmente elas são;  sim, porque muitos as leem colocando antes um par de óculos, cujas lentes do fanatismo científico ou religioso deturpam e obscurecem completamente até a luz do próprio Sol que nos aquece e ilumina.

            Verifica-se, em todas as páginas das obras delanneanas surgir, palpitante, a precisão científica de sua argumentação, o respeito da verdade demonstrada. E não se diga que essa
leitura, devido ao seu caráter científico, seja enfadonha, cansativa, monótona. Absolutamente; muito pelo contrário, seu estilo simples e sugestivo prende a atenção dos leitores que lhe acompanham, cheios de interesse e entusiasmo o raciocínio vazado numa lógica perfeita e calcado nos mais sadios princípios científicos.

            Delanne sofria de profunda alergia por tudo que transpira erro e fraude. Seu interesse pelo estudo e propagação das obras de Allan Kardec, através da faceta científica., levou-o, quando contava tão somente 26 anos de idade, a abandonar a profissão de engenheiro.

            Há no Brasil um culto conterrâneo nosso que teve a ventura de conhecer pessoalmente Gabriel Delanne, aliás no último quartel de sua vida terrena, e é com prazer que transcrevemos da revista “O Revelador”, de Março de 1948, alguns trechos de uma sua entrevista. Trata-se do nosso confrade Dr. Canuto Abreu que disse:

            “Frequentei sua casa, que era sede também de uma sociedade espirítica. Assisti a trabalhos por ele presididos. Ouvi suas lições práticas. Suas longas e cintilantes narrativas. Suas discussões, em que às veze erguia a voz, exaltado pela convicção posta em dúvida e logo a abaixava, sorridente, ao perceber a porta do misticismo, que detestava como cientista.
            “Gabriel Delanne era a meu olhos como um herdeiro da missão em que seus pais haviam eficientemente colaborado. Era, naquele instante de minha vida, o maior e o mais velho da Segunda geração do ESpiritismo.

            Ainda o Dr. Canuto Abreu, através do primeiro número da revista que publicara com o titulo “Metapsíquica”, conta-nos que ao perguntar a Delanne se conhecera Allan Kardec. obtivera a resposta seguinte:

            “Perfeitamente. Acariciava-me e, duma feita, pondo-me ao joelho e abraçando-me pela cintura, profetizou que eu seria um sacerdote do Espiritismo. Não fui bem um “sacerdote” mas tenho a presunção de que fiz o possível em minhas forças para bem servir à Doutrina, no setor que me coube.”

            Adiante, a nova pergunta, respondia ele com humildade:

            “Nada tenho dilatado. Tudo que há é de Kardec. Apenas tenho feito constatações. Mostrei-as em meus livros e demonstro-as na prática diária. Nada acrescento.”

            Modéstia do grande escritor, pois quem lê suas obras verifica desde logo a larga contribuição que ele trouxe ao Espiritismo, acendendo novas luzes na obscuridade de muitos problemas concernentes à comunicação dos “mortos” com os “vivos”.

            Desde os 13 anos de idade se sentiu atraído pelas pesquisas em torno do Espiritismo experimental, e desde essa época se aplicou à observação continuada dos fenômenos que lhe era dado testemunhar no seu próprio lar.

            Gabriel Delanne, em palestra com Henri Regnaut, disse que quando resolvera consagrar-se resolutameente à propaganda espírita, foi-lhe transmitida uma mensagem do seguinte teor:

            -“Nada temas. Tem confiança. Jamais serás rico sob o ponto de vista material; coisa alguma, porém, te faltará na vida.”

            Era com indizível prazer que Delanne contava a seus íntimos o seguinte episódio de sua vida:

            “Em certo dia do ano de 1883, recebi uma carta em que a missivista, residente em Versalhes, encarecia a minha visita, a fim de inteirar-me sobre assunto concernente ao Espiritismo.
            A impressão que tive ao receber essa carta foi péssima, não apenas porque o papel era de inferior qualidade, mas sobretudo porque os termos em que estava vazada eram um tanto quanto obscuros, além dos muitíssimos erros ortográficos e sintáticos.
            Refletindo melhor, resolvi atender a essa solicitação. Em chegando à residência da missivista, veio abrir a porta uma senhora já idosa. Ao saber que se tratava da minha pessoa, fez-me entrar imediatamente, conduzindo-me a uma sala bastante ampla e modestamente mobiliada. A um canto dessa sala havia uma grande mala toda forrada de couro amarelo-escuro, a qual, desde logo, despertou minha atenção. Com uma terrível acentuação inglesa, a senhora, sem se preocupar com o exame a que lhe estava submetendo, repetia-me, já um tanto enfarada, ser pensamento seu fundar um jornal para difundir o Espiritismo.
            Mas, minha senhora, respondi-lhe, para tal cometimento torna-se necessário dinheiro, mesmo porque um jornal, para que se mantenha, exige muito dinheiro.
            Nesta altura a idosa senhora dirigiu-se, em passos pesados, em direção à mala. Abrindo-a, dela tirou um maço de velhos papéis e do meio deles uma grande carteira de couro, da qual retirou cinco cédulas de mil francos cada uma, entregando-mas tranquilamente. Diga-se de passagem que, nessa época – 1883-, cinco mil francos representavam uma soma muito elevada. E ao entregar-me essa importância disse: Eis o necessário para as primeiras despesas. Estou pronta a fornecer-lhe daqui por diante o que se tornar preciso. Estará disposto a aceitar o encargo de dirigir esse jornal? Surpreso, diante do inesperado, emudeci. Ela então repetiu com firmeza, aceita? Sim, articulei, e agradeço. Senhora, o interesse demonstrado em torno da difusão do Espiritismo.
            Para que agradecer? Retrucou-me, acrescentando: logo que saia o primeiro número peço-lhe procurar-me para juntos prosseguirmos na propaganda do Espiritismo. E, levantando-se e de modo um tanto brusco, deu-me a entender que a visita estava terminada.
            Foi assim que, graças à generosidade de uma inglesa, e que outra não era senão a Senhora Elisabeth d’Esperance – ainda desconhecida em França ,nessa época – que surgiu a revista “O Espiritismo”.”
           
            Realizou experiências com médiuns de grande fama. Em 1904, juntamente com- Charles Richet e outros estudiosos, presenciou os prodigiosos fenômenos de materialização da Vila Carmen, em Argel.

            Destarte, a produção literária de Delanne não se a apoia em especulacões imaginárias, mas em fatos por ele mesmo investigados e confirmados. Dedicando-se, de maneira especial, ao labor de demonstrar que o Espiritismo assenta sobre bases científicas, escreveu essas principais obras, que hoje correm mundo: “Recherches sur Ia Médiumnité”, “L’Âme est Immortelle”; “Le Spiritisme devant Ia Science”, ”Le Phénomène Spirite”, “L’Évolution Animique”, Les apparitions matérialisées de vivants et des mortes”, em dois volumes e com mais de 1300 páginas (primeiro tomo: “Les Fantômes des Vivants”; segundo tomo: Les Apparitions des Morts”, “Documents pour servir à l'étude de ta réincarnation” (Paris. 1924), e finalmente “La Réincarnation”.

            Em O Espiritismo perante a Ciência traça ele, com rara mestria, um quadro completo dos dados que o Psiquismo pode apresentar para merecer o respeito dos cientistas. E para darmos uma prova da admirável segurança, de sua argumentação basta que lancemos os olhos sobre suas páginas e verificaremos, então, que desde a época, já longínqua, em que apareceu a lª edição dessa obra - 1883 - o seu autor teve a satisfação de verificar que algumas das mais importantes teorias expostas tiveram a consagração da Ciência.. Isto ele próprio confessa na parte final da referida obra, em edições subsequentes.

            Delanne sabia muito bem quão poderosa é a força da intolerância, do fanatismo e da paixão, por isso na Introdução do seu livro “Pesquisa sobre a Mediunidade”, datada de 25 de Fevereiro de 1900, escreveu:

            “A luta é inflamada e, provavelmente, será longa, de vez que os prejuízos religiosos e científicos se mostram obstinados. Insensivelmente, porém, a evidência acaba impondo-se. Temos agora a convicção de que a grandiosa certeza da imortalidade se tornará uma verdade científica, cujas consequências benfazejas, fazendo-se sentir no mundo inteiro, mudarão os destinos da Humanidade.” 

            Noutro ponto dessa Introdução, salientava, bem inspirado, que a Física moderna, o magnetismo, o hipnotismo, a sugestão verbal ou mental, a clarividência, a telepatia e o Espiritismo, todos esses conhecimentos novos conduzem irresistivelmente o homem para o invisível e para o Além.

            Do Apêndice dessa mesma obra selecionamos o tópico seguinte:

            “As provas das comunicações do Espíritos, em cada ordem de fenômeno, são tão numerosas quão variadas: não é de se duvidar que o futuro ainda proporcionará novas provas de tal sorte que. diante do número e da esmagadora evidência dessas manifestações, o Espiritismo se apresentará como ele é realmente, isto é, a demonstração científica da Imortalidade.”

            O surto evolutivo, em geral, no século XX, tem sido espantoso, especialmente no que se relaciona com a Ciência, que nestes últimos anos atingiu uma proporção verdadeiramente geométrica. A Física e a Química, a partir da desintegração atômica, passaram a liderar as grandes conquistas do saber humano. Por isso não será fora de propósito dizer que a obra “A Evolução Anímica”, publicada em 1895, é mais um atestado eloquente das verdades do Espiritismo, e coloca a personalidade de seu autor num pedestal que bastante o dignifica.

            Muito conhecimentos científicos, expostos pelo autor, sofreram, no correr dos anos. uma natural transformação e progresso, o que, entretanto, não invalidou o vigor e a firmeza dos conceitos espiritistas emitidos por Delanne, mas, antes, vieram afirmá-los cada vez mais.

            Julgamos interessante trasladar, para estas colunas, dois tópicos da Introdução de “A Alma Imortal”:

            “O Espiritismo projeta luz nova sobre o problema da natureza da alma. Fazendo que a
experimentação interviesse na Filosofia, isto é, numa ciência que, como instrumento de pesquisa, apenas empregava o senso íntimo, ele facultou que o Espírito seja visto de maneira efetiva e que todos se certifiquem de que até então o mesmo Espirito estivera muito mal conhecido." “O problema da imortalidade da alma, que outrora pertencia à alçada da Filosofia, pode, nos dias atuais, ser atacado pelo método positivo. Já observamos uma orientação nova, criada pela pesquisa experimental.”

            O mundo tem sofrido muito em virtude das concepções materialistas que avassalaram, por assim dizer, quase que todos os ramos da atividade humana. Um dos maiores responsáveis por esse surto desagregador é justamente o clericalismo, com seus abusões e absurdos clamorosos, verdadeiras fábricas de descrentes e desiludidos. De maneira que são merecedoras de destaque estas palavras do autor de “O Fenômeno Espiríta”, contidas em seu Prefácio datado de 1893:

            “O materialismo triunfa por toda a parte mas já se pressente ser de pouca duração o seu reinado; basta servirmo-nos de suas próprias armas e combatê-lo em seu próprio terreno.”

            “A escola positivista encerra-se na experimentação; Imitemo-la: nenhuma necessidade temos de apelar para outros métodos, porque os fatos são obstinados, como diz o sábio Alfred Russel Wallace, e deles não é fácil desembaraçar-se.
            “Em vez de apresentar aos incrédulos toda a doutrina formulada pelos Espíritos e codificada por Allan Kardec, demos-lhes simplesmente a ler o trabalhos de mestres, como Robert Hare, Crookes, Wallace, Oxon, Zöelner, Aksakof, pois que não poderão recusar os testemunhos desses grandes homens, que são, por títulos diversos, sumidades intelectuais no vasto domínio das ciências.”

            No ano de 1925. Delanne, com cerca de 68 anos de idade, deu à luz da publicidade uma obra de incomparável valor, intitulada “A Reencarnação”, última, aliás, saída de sua maravilhosa pena. Embora a última, como dissemos, na ordem cronológica, não nos arreceamos em dizer que, pelo rigor de sua lógica, pelo valor de sua argumentação, pela escolha de suas provas, pela superioridade de sua tese, pela imparcialidade com que apresenta os fatos, essa obra é a primeira da coleção delanneana.

            A sua Introdução é uma peça notável e que bem merecia fosse integralmente incorporada a este artigo, não fora a angustiante exiguidade de espaço.

            Dessa forma, apresentemos apenas o trecho final:

            “A doutrina da reencarnação tem um alcance filosófico e social de considerável importância para o futuro da Humanidade, porque estabelece as bases de uma psicologia integral, que maravilhosamente se adapta a todas as ciências contemporâneas, em suas mais altas concepções. Estudemo-la, pois, com imparcialidade, e veremos que é ela mais que uma teoria científica, porque uma verdade imponente, irrecusável.”

            A idade avançada, a paralisia e a cegueira não conseguiram diminuir o potencial de sua atividade e a pujança da sua inteligência e nem arrefecer lhe o entusiasmo, sempre vivo em defesa dos postulado espíritas à luz da Ciência.

            Em toda as publicações espíritas apareciam seus escritos, com o deliberado propósito de esclarecer e firmar a convicção das verdades kardequianas, tendo o seu artigo de estreia aparecido em 1897. Fundou, em 1897, a “Revue Scientifique et Morale du Spiritisme”, na qual ficaram registrados preciosos trabalhos de sua autoria e de outros estudiosos do Espiritismo experimental.

            É bem certo que ele, absolutamente, não ignorava ser precaríssimo seu estado de saúde nos últimos anos de vida, o que todavia não o induzia a cruzar os braços à espera que soasse a hora da libertação de seu Espírito. Basta dizer que cogitava escrever mais um livro, cujo conteúdo já estava espiritualmente delineado. Não o escreveu, porém, porque no dia 15 de Fevereiro de 1926, na mesma Paris que o viu nascer, seu Espírito se desprendia da matéria, rumo à Espiritualidade.

            Seu último trabalho jornalístico, intitulado “A Exteriorização do Pensamento”, saiu publicado em “La Revue Spirite” de Fevereiro de 1926, quando então ele não mais se encontrava entre nós.

            Por esse artigo bem se pode avaliar a lucidez e a pujança de seu Espírito de escol. Demonstrando, além da genialidade e exatidão dos ensinos legados pelo Codificador lionês em suas obra fundamentais, no que concerne ao assunto em pauta, Delanne assim iniciava o aludido artigo:
           
            “Foram os espíritas censurados algumas vezes por haverem aceito AIlan Kardec como mestre, mas, a nosso ver, essa censura quase não se justifica, porque, estudando-se atentamente as suas obras, somos levados a reconhecer que desde meados do século passado Kardec possuía conhecimentos que ultrapassavam, de muito, não somente os dos psicólogos, mas até mesmo os dos espiritualistas das outras escolas.”

            Gabriel Delanne, ao prefaciar a obra “Katie King, histoire de ses apparitions, em 1899, entre outras coisas, escreveu uma passagem que bem define o seu propósito de mostrar, de maneira exuberante, que os postulados da Codificação Kardequiana são de tal ordem que a Ciência, com todo o seu poder e autoridade, jamais lhe conseguirá abalar os alicerces, mesmo porque os processos científicos, quando aplicados com honestidade, só levam a concluir pela veracidade da Doutrina Espírita.

            Bem sabemos que isso não pode agradar aos homens que só veem diante de seus olhos matéria, sempre matéria e nada mais que matéria! e aos teólogos que sabem que a implantação dos ensinos dos Espíritos importa na erradicação formal dos dogmas que sustentam suas religiões, inconsistentes às mais simples análises científicas.

            Ora, como Gabriel Delanne, cujo nome imprime autoridade, situou o Espiritismo em bases científicas, era natural que sofresse também a ira dos que se sentiram prejudicados e ameaçados em seus interesses personalistas e de castas.

            Ele soube, pela sua formação espiritual, pela sua sólida cultura e também pela fina educação que recebera no lar, bafejado pelas luzes do Espiritismo, ele soube, repetimos, enfrentar todas as situações, delas saindo cada vez mais respeitado e admirado.

            Mas voltemos ao prefácio a que aludimos e do qual selecionamos esta passagem:

             “O Espiritismo foi muito escarnecido pelos ignorantes e pelas pessoas interessadas em destrui-lo, mas, como ele se apoia em fatos naturais, fácil lhe foi vencer seus detratores e, mais forte, como nunca esteve, marcha para a conquista do mundo intelectual. Como explicar seus continuados progressos? É que ele tem como método a pesquisa científica, a que emprega a observação e a experiência e que recruta seus adeptos entre as pessoas positivas, ávidas de conhecimentos precisos sobre o dia que sucedem ao da morte.
            “A filosofia é impotente para nos informar a respeito da natureza do princípio pensante e respectivo futuro; seus mais célebres representantes chegaram a conclusões diametralmente opostas sobre esta questão fundamental. O espírito que investiga com imparcialidade erra, desorientado, no inextricável dédalo das afirmações contraditórias e cai finalmente no ceticismo, ao verificar a incapacidade daqueles que tentaram decifrar o enigma de nossos destinos. As religiões apelam para a fé, no propósito de sustentarem seus ensinos dogmáticos, mas como diferem entre si e como todas pretendem ser as únicas portageiras da verdade absoluta, elas deixam o pesquisador na indecisão. Quem, pois, nos dará a certeza da realidade da alma e nos dirá se ela é imortal?
            “Não hesitamos em responder que o Espiritismo resolve completamente estes problemas. Ele se utiliza da observação e da experiência para estabelecer que a alma existe durante a vida e que sobrevive à destruição do corpo físico. Foi empregando este método positivo que o Espiritismo criou a verdadeira psicologia experimental, aquela que se baseia em fatos sempre controláveis, quando as circunstâncias permanecem as mesmas.

            E mais além, nesse mesmo Prefácio, afirmava aos negativistas por sistema:

            “Não é mais à meia-noite, no matagal deserto ou nos castelos em ruínas, que os fantasmas se mostram; é no laboratório do sábio que eles aparecem para se submeterem a todas as condições do mais rigoroso exame.”

         Gabriel Delanne (jovem) 
Já no remate de sua peregrinação terrena, Gabriel Delanne, como sabemos, perdeu a visão para as coisas físicas, ficou cego! Incapaz, portanto, para continuar nas suas pesquisas científicas. Acontece, porém, que um novo campo de observações se lhe abriu, e ele passou a descortinar coisas maravilhosas que jamais supusera pudessem existir além das verdades espíritas encaradas pelo único ângulo que ele as admitia - o ângulo da ciência positiva!


            Naturalmente, para que seu trabalho não fosse acoimado de fé subjetiva, de misticismo, ou de ideias filosóficas, o Espírito de Delanne, nessa encarnação, veio com a missão específica de realçar os fenômenos espíritas, expondo a verdade exuberante da Codificação Kardequiana, tudo em perfeita consonância com os preceitos e postulados da ciência humana.

            Por isso o Dr. Canuto Abreu, em seu citado artigo na revista “Metapsíquica”, disse aludindo a Gabriel Delanne:

            “Mentalidade politécnica, afeiçoada desde cedo aos estudos exatos, às pesquisas científicas, às observações frias, às deduções rigorosas, ao horror do erro, da ilusão e da fraude - foi o chefe supremo da parte experimental do Espiritismo, à qual deu o maior desenvolvimento, ainda não suplantado.

            Cumprida a tarefa que lhe fora confiada e da qual tão magnificamente se desincumbiu, recebeu, como prêmio, a cegueira física para que os olhos do Espírito pudessem então maravilhar-se com a verdade integral do Espiritismo!

            Sim, porque Espiritismo não é ciência, Espiritismo não é filosofia. Espiritismo não é religião! Espiritismo é um todo indecomponível, formado destas três facetas. E Gabriel Delanne durante sua longa peregrinação foi privado das consoladoras bênçãos do Espiritismo total, não porque seu Espírito não sentisse ânsias de algo que só a filosofia concede e que o Evangelho faculta, dentro desse organismo para onde convergem as três forças propulsoras do verdadeiro progresso espiritual, na sua mais lata e ampla acepção . Mas era preciso que ele sofresse e ficasse assim privado desses sublimes refrigérios da alma, a fim de que a Doutrina Espírita penetrasse nas altas esferas do conhecimento humano, para que despertasse os homens de pensamento, de maneira a que vissem
no Espiritismo uma fonte inexaurível de estudos da mais alta transcendência. E essa cegueira e mais a paralisia que lhe dificultava os movimentos, fechando-lhe definitivamente o mundo dos efeitos, transportou-o para o das causas, pouco penetrável pela ciência dos homens. E é ainda Canuto Abreu quem nos pinta, com tintas muito delicadas, o quadro da nova fase do extraordinário Gabriel Delanne dizendo:

            “Então, num plenilúnio de recompensa dada ainda em vida terrena, ele foi encontrar o redil dos cordeiros cristãos. Aproximou-se como peregrino cansado. Tateou a cerca até a porta. Bateu. A porta era Jesus, e abriu-se. Ele entrou emocionado. Aquele rebanho, que nunca o havia interessado quando gozava a visão da  carne, era agora o seu rebanho.”

            Grande, pois, foi a surpresa para os circunspectos psiquistas de todas as partes do mundo, que haviam acorrido ao Congresso Espírita Internacional, em 1925, quando, na sessão de abertura dos trabalhos, a 7 de Setembro, se fez ler o discurso de Delanne, e que assim principiava:

            “Roguemos para os nossos trabalhos a bênção divina, pois que é nela que reside todo o poder, toda a ciência, toda a justiça, toda a bondade e todo o amor.”

            Noutra parte dessa mensagem ao Congresso, lembrava ele aos estudiosos presentes:

            “Para todas as nossas investigações, não receemos pedir ao mundo invisível as instruções necessárias. Não nos esqueçamos de que uma falange de grandes sábios continua no Além a se interessar pelos nossos trabalhos. Eles se acham associados aos Espíritos de Luz Incumbidos de dirigir o grande movimento de renovação moral e intelectual tão necessária na hora presente! Com toda as nossas forças, apelemos para eles. Que esse amigos nos inspirem!”

            Como se vê, Delanne revelava-se agora um espírita completo.

            Desencarnou, como dissemos, em 15 de Fevereiro de 1926, justamente quando ia escrever, para o “Bulletin” da União Espírita Francesa (Union Spirite Française) , mais uma das suas eloquentes páginas de saudação a todos os espíritas franceses, de maneira que esse periódico, em vez do seu costumeiro artigo, trouxe, nesse mês de Fevereiro, em sua primeira página, o necrológio do gigante do Espiritismo científico, que também foi membro do Comité do célebre “Instituto Metapsiquico Internacional” e apreciado conferencista.

           Jean Meyer
Para finalizarmos, ouçamos o depoimento de Jean Meyer (o grande amigo de Allan Kardec, o homem que em 1919 criou, em Paris, o Instituto Metapsíquico Internacional e a União Espírita Francesa) no seguinte trecho do discurso que então pronunciou em Londres, quando do Congresso Espírita Internacional de 1928:

            “Relembrando a memória de Léon Denis, não poderei olvidar a de Gabriel Delanne, Presidente da União Espírita Francesa e da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos. Ele era, como Léon Denis, membro de honra da Federação Espírita Internacional. Até o último alento, foi um trabalhador incansável, sendo muito importante para o Espiritismo a sua contribuição, pois seus escritos, e, com justiça, são considerados com os de Allan Kardec, Léon Denis e Bozzano, clássicos do Espiritualismo moderno. “
                                                                                                                                      Leon Denis

            Todos os anos, no domingo mais próximo do dia 31 de Março, data da desencarnação de Allan Kardec, os espiritistas franceses prestam ao mesmo, diante de seu túmulo, no Père-Lachaise, sentidas homenagens, fazendo-se então ouvir os mais destacados representantes do movimento espírita de França.

            E sempre após esta cerimônia simples e toda espiritual, os presentes, conforme é de tradição, se encaminham para um outro sepulcro, situado pouco adiante: é onde jazem os despojos do grande admirador de Kardec, - Gabriel Delanne. Aí, um que outro orador dirige a esse Espírito palavras de reconhecimento, exaltando lhe a relevante obra e os incontestáveis méritos.

            Gabriel DeIanne dedicou toda a sua vida à propagação do Espiritismo, pelo qual e sacrificou inutilmente aos olhos daqueles que só veem no imediatismo a verdadeira razão do viver humano e por isso, não podem compreender que, por força desse desprezo pelas vaidades e ambições terrenas, ele se cobriu com o louro espiritual de um trabalho bem conduzido, sem vacilação e fielmente executado até seu derradeiro instante da vida corpórea.

            Saudamo-lo, em nome desta revista e através desse modesto trabalho, ao ensejo do Primeiro Centenário de sua vinda à Terra, com o nome de Gabriel Delanne.



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