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domingo, 3 de janeiro de 2016

Perguntas-te se eu estava triste...



           Perguntaste se eu estava triste e eu te disse que não. Às vezes, minha amiga, nós olhamos o mundo e o nosso semblante fica um tanto turvado! Não é tristeza, não; minha amiga, é receio que fantasia o nosso olhar de tristeza. Sim, receio da vida face àqueles a quem queremos o maior bem. Dizem que não nos devemos preocupar. Eles aprendem por si mesmos.  A vida ensina... Mas,  esta frase só serve para ser lançada às pessoas de mau caráter: àqueles que não olham: para os coitados que atravessam as ruas ,em cotoveladas conosco, tantas vezes ziguezagueando, à procura de uma paz que não encontram nunca! E o mais feliz face às coisas da Terra, segue rápido, sem dar atenção a nada; é o vencedor que não tem tempo para olhar os vencidos.

            E o chão das ruas vai resistindo aos corações de pedra de tanta gente que esconde as alegrias só para si!

            E o homem simples caminha, levando suas tristezas cobertas de lamentos surdos!

            E aquele pai atônito suplica ao mundo que não leve sua filha aos esconderijos da dor!

            E o herói que nada temera na guerra pergunta aflito à Vida para onde teria levado seu filho!

            E a criança sem lar pergunta às gotas de chuva onde está a Mãe que nunca vira!

            E as lágrimas embaçando os olhos de tontos sofredores desafiam a vaidade, lançando-se sobre as calçadas escorregadias!

            E os felizes, em função dos bens terrenos ainda se queixam das pequeninas
cotoveladas sofridas nas ruas cheias de gente ansiosa de paz; mas, aquém, o tormento espreita em todas as esquinas.

            Minha querida consóror: não é tristeza, não, é receio. Receio face àqueles aos quais queremos bem. Porque, enfim, depois de tanta luta, quase sempre encontramos novos solos áridos à espera de novos lamentos! É a roda das encarnações...

            Minha amiga: O grande lenitivo, nós o sabemos, não está na Terra que pisamos, que chora e sofre conosco. Crê-me: o grande lenitivo, a grande esperança, está na convicção da vida espiritual, de que nos falam o Evangelho e a Terceira Revelação! Para alcançá-la, é preciso haver sofrido, haver chorado, haver vivido a vida de desenganos, de ingratidões, de decepções, haver resgatado os débitos da vida precedente! Mas, ainda que tenhamos um quadro resplandescente sobre a vivência espiritual, ainda assim sofremos, não por nós, mas pelos nossos entes queridos que ainda não compreenderam a Doutrina Espírita e,  menos experientes, se acham lançados nessa rude marcha da Vida.

            A mocidade, essa boa e alegre mocidade, segue feliz, graças a Deus! Mas nós a acompanhamos com o coração, emitindo verdadeiras sinfonias patéticas, em função de nossa experiência já sofrida.

            E quantos pais há que não podem ser felizes neste palco da vida onde seus filhos são atores lançados não só às comédias, mas também aos dramas e às tragédias!

* * *

            Mundos de provas e expiações, de que tanto nos falam Kardec e Roustaing!

            Minha querida amiga, minha consóror, não é tristeza, não, é receio.

            Nós sentirmos vibrar em nossas almas a luz doutrinária.

            Sabemos que as melhores moradas do Pai estão à nossa espera, em função de nossa redenção.

            Sabemos que tudo que vive neste mundo: natureza, animal, homem - sofre.

            Sabemos que muitos sofrimentos nossos foram por nós próprios escolhidos quando do preparo de nossas encarnações.

            Sabemos que não há grandeza sem sofrimento, nem purificação sem provação.

            Mas, minha querida amiga: o que tenho não é tristeza, não, é receio!...

            Ainda ontem, li um soneto do poeta Jacy Pacheco, este bom amigo, por Deus premiado com sua alma de artista. Assim disse o sei “Inevitável”:

Meu pequenino filho, eu bem quisera
tua alma acalentar, na iluminura
das lendas encantadas, na doçura
de um eterno reinado de quimera.

Mas. .. crescerás. E a sorte que te espera
é a mesma que me deu muita amargura!
As fábulas que embalas com ternura
sucumbirão ante a verdade fera!

Os teus brinquedos, que acarinhas tanto,
- eu antevejo com pesar profundo -
a pouco e pouco perderão o encanto.

Ah! Quantos pensamentos me consomem!
Pensar que, triste, enfrentarás o mundo,
saber, meu filho, que serás um homem!

* * *

            Minha querida amiga, a Doutrina maravilhosa de Jesus, confirmada pelo Espiritismo, nos ensina:

            É preciso viver muitas vidas para aprendermos a ver sofrer aquele a quem queremos bem!.. E só os milênios e milênios de dores é que fazem os Santos!

Perguntas-te se eu estava triste...
Aldemar Velloso

Reformador (FEB) Brasil Espírita (Outubro) 1971

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