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domingo, 24 de janeiro de 2016

O calvário e a obsessão




Ele viera para "que os que não criam cressem", e, para tanto, deveria doar a vida num supremo sacrifício.
Sabia que os homens, sanguissedentos, diante do Seu holocausto, passariam a encarar melhor a excelência do amor, entregando-se, posteriormente, em imitação ao seu gesto.
Para uma tão grandiosa oferenda, porém, conjugaram-se as forças díspares em luta no coração das criaturas.
Claro que não se fariam necessárias as acusações indébitas, a fuga dos amigos, a traição. Aos contumazes perseguidores da verdade não faltariam argumentos e manobras hábeis com que colimariam as suas metas nefárias.
Ele sabia que aquela seria a derradeira jornada a Jerusalém...
Ante a algaravia com que O saudaram à entrada, não entremostrou qualquer júbilo. Enquanto os amigos encaravam os aplausos como sinal evidente de triunfo, nEle ressoavam quais prenúncios das grandes dores ...
A ternura e passividade de que dava mostras durante aqueles dias inquietavam os mais afoitos, os discípulos mais invigilantes, os que anelavam pela glória terrena, não obstante as incessantes demonstrações e provas de que não estabeleceria no mundo as balizas do reino de Deus, e tampouco a felicidade real ...
A precipitação armou Judas de ansiedade, interiormente visitado pela indução hipnótica de Entidades perversas que lhe aproveitaram o desalinho da emoção, interessadas em desnaturar a mensagem e anular a força do amor pacificante.
As mesmas mentes desarticuladas pelo ódio, contrapondo-se ao "reino do Cordeiro", ante os receios gerais, perturbaram Pedro logo após a prisão do Amigo, fazendo-o vacilante, em face da negação que se permitiu repetidas vezes...
As mesmas forças da injunção criminosa em aguerrido combate reuniram-se, açodadas pela inveja e despeito, desde o domingo do triunfo aparente, à entrada de Jerusalém, a fim de converterem o Enviado de Deus no Excelso Crucificado...
Os ódios confraternizando com os ciúmes espalharam injúrias que eram glosadas pela ingratidão de muitos que lhe foram comensais da ternura e receberam de Suas mãos o pábulo da vida estuante.
Fervilhando as constrições obsidentes que se impunham, os adversários da liberdade espiritual da Terra, em desgoverno no Mundo Espiritual, dominaram os que se não armaram de vigilância e equilíbrio, tornando-se fáceis presas do Anticristo, a fim de que a tragédia do Gólgota se consumasse ..
Jesus, porém, houvera asseverado: "Quando eu for erguido, atrairei todos a mim."
Nenhuma surpresa, portanto, no Senhor, diante dos contornos volumosos da hecatombe que tomava forma contra Ele.
Em expressiva serenidade, esperou o eclodir apaixonado da força violenta dos fracos.
A noite fria e angustiante antes da prisão não lhe abatera o ânimo. Içara-O a Deus através da oração, e dulcificara-O, fazendo-O atingir a plenitude da auto doação.
*

As hordas desenfreadas da Espiritualidade inferior galvanizam no ódio os que se permitem as licenças das paixões dissolventes.
Sempre se repetirão aquelas cenas nos linchamentos das ruas, nas prisões arbitrárias, nas injustiças tornadas legais, quando as massas afluem aos espetáculos hediondos e se asselvajam, tornando-se homicidas incomparáveis.
Como podiam aquelas gentes desconhecer a brandura do Pastor Divino, esquecer Suas concessões e "prodígios"?
Como puderam selar os lábios aqueles beneficiários da Sua misericórdia e complacência, ante a arbitrariedade dos crimes que presenciavam?
A covardia moral, abrindo as faculdades psíquicas ao intercâmbio com os Espíritos imperfeitos e obsessores, todo o bem recebido negou, a fim de poupar-se. Transformou o inocente em algoz, em revolucionário desnaturado, e elegeu o crime como elemento de justiça.
O grande espetáculo da loucura coletiva se aproxima do Calvário.
A obsessão coletiva, como tóxico morbífico, domina os participantes da inominável atuação infeliz.
Ele não se defende, não reclama, nada pede.
Submete-se e confia em Deus.

*

As aragens da Natureza, de raro em raro, na tarde abafada, saturam-se das vibrações do desespero e do ódio que assomam e dominam os corações, entenebrecendo as mentes e explodindo no ar.
Sempre os homens exigirão uma vítima para a sanha dos seus tormentos.
Jesus é o exemplo máximo, o ideal para a consunção do desar que vencerá os séculos como a mais horrenda explosão coletiva que passará à História.
No bárbaro espetáculo, os pretensos dominadores da Erraticidade inferior crêem-se vitoriosos...
           Supõem estabelecidos os parâmetros dos seus domínios no mundo...
No entanto, quando o clímax da tarde de horror atemoriza as testemunhas da tragédia, Ele relanceia o olhar dorido e lobriga apenas João, Sua mãe e as poucas mulheres abnegadas aos pés da Cruz, fiéis, macerados e intimoratos, confiando...
É o bálsamo da alegria que Iene as imensas exulcerações que o dilaceram.
Nem todos desertaram. A fúria possessiva da treva não alcançara os que tiveram acesa a luz da abnegação e do amor.
Olhou além e mais profundamente os presentes e os que se refugiaram longe deles, os que armaram as cenas, os que se locupletam em gozos mentirosos sobre a fugidiça vitória. Seu olhar penetrou os promotores reais do testemunho, aqueles que transitavam livres das roupagens físicas...
No ápice da dor arquejante, bradou Jesus:
"Perdoa-os, meu Pai! Eles não sabem o que fazem."
A sinfonia patética logrou, então, o máximo. Toda a orquestração de dor converteu-se em musicalidade de esperança e amor.
Ele não perdoava, apenas, os crucificadores, mas, também, os desertores, os negadores, os receosos e pusilânimes, os ingratos e maledicentes, os insensatos e rebeldes... Na imensa gama dos acolhidos pelo Seu perdão alcançava os promotores
desencarnados dos mil males que engendraram nos homens a prova das suas mazelas e o agravamento das suas penas...
Sua voz alcançou os penetrais do Infinito e lucilou nos báratros das consciências inditosas dos anticristos de todos os tempos, abrindo-lhes os braços da oportunidade ao recomeço e à redenção.

*

A conspiração para que se consumasse o holocausto do Calvário, em que o Filho de Deus testemunhou seu amor pelos homens, foi tramada pelos inimigos impenitentes desencarnados, vencidos pelo despeito na luta pela vitória da violência com que sintonizaram os transitórios donatários da posição governamental e religiosa da Terra, como daqueles que se lhe entregaram a soldo.
O perdão doado da culminância da Cruz é a aliança inquebrável da união do Seu amor com todos nós, os caminhantes retardados da via da evolução, convocando-nos à perene vigilância contra a obsessão de qualquer natureza que nos sitia e persegue implacavelmente...
O Calvário e a obsessão
Amélia Rodrigues
por Divaldo Franco
Reformador (FEB) Agosto 1976



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