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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A Pena de Morte


             "Desaparecerá algum dia, da  legislação humana, a pena de morte?”

            - “Incontestavelmente desaparecerá e sua supressão assinalará um progresso da humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida da Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.” (“O Livro dos Espíritos”, nº 760, 3ª ed. FEB)

            “Estando os filhos de Israel no deserto, acharam um homem apanhando lenha no dia de sábado, o qual foi metido em prisão, porque ainda não se sabia o que deviam fazer com ele. Disse, então, o Senhor a Moisés: “Este homem morra de morte, todo o povo o apedreje fora do arraial.” Toda a congregação o lapidou, e o tal homem morreu como o Senhor ordenara a Moisés.” (Números XV: 32-36.)

*

            Contradição real entre “O Livro dos Espíritos” e o Antigo Testamento? Será a Doutrina Espírita uma distorção da realidade, mero produto da imaginação fértil de um grupo de idealistas fanatizados em preceitos religiosos que lhes encubram o forte sentimento de culpa que carregam dentro de si mesmos? Consagraria Deus a pena de  morte? Seria Ele (como afirmam muitos), acima de infinitamente bom, supinamente justiceiro? Que justiça, a dizer-se perfeita, poderia consagrar, em última análise, o assassínio? Todas essas são indagações que bombardeiam o ser humano, intranquilizando-o, levando-lhe ansiedade, receio, inconformismo.

            Na realidade, o estudo bem orientado da Doutrina Espírita traz-nos a convicção da inexistência de contradição e, pelo contrário, da presença de uma viva unidade, unidade essa manifesta globalmente em essência e especificamente, à medida em que damos mais alguns modestos passos rumo à perfeição.

            Isso porque é necessário se entenda que nem tudo o que se encontra dito no Antigo Testamento, comparado com a revelação expressa no Decálogo, dimana de fonte divina. Ao contrário... Moisés - o legislador, o espírito em encarnação material humana, falido e falível, no uso de suas faculdades intelectuais, emitiu uma série de preceitos gerais, atribuindo-lhes origem divina, elevando-os à categoria de norma de conduta rígida, com o fito de aplacar os exaltados ânimos do povo que conduzia. Somente pela divinização aceitaria o povo a sua instituição como regra obrigatória, uma vez que somente a força e a intimidação eram fatores suficientes para impor respeito e, conseguintemente, ordem onde a indisciplina reinava desimpedidamente. Somente a severidade extremíssima era hábil o bastante para coibir o barbarismo execrável, bem como as manifestações de estupidez quase histérica das multidões precipitadas. Apenas assim, como vemos, conseguimos entender a palavra áspera da legislação antiga, em geral, e moisaica, de um modo especial, apropriada à disciplinação de um povo que, ainda há poucos séculos, defendia costumeiramente o uso da vingança privada (“vendeta”) onde não havia a menor proporcionalidade entre agressão e reação; onde, frequentemente, a família do ofendido - muitas vezes sem que houvessem surgido implicações pessoais ou danos diretamente ligados a vida - reagia animalescamente, dizimando famílias inteiras, impondo a seus membros inocentes as mais revoltantes torturas, a desonra, a difamação.

            Pelo crime dos pais (e o conceito de crime, em tal época, era monstruosamente assustador, abrangendo um sem número de situações) pagavam os filhos, o que equivale à consagração do traducianismo, dogma estabelecido e contra o qual Léon Denis tanto lutou, abordando incessantemente o seu conteúdo absurdo e esdrúxulo.

            É fácil entender que o problema da pena de morte antecede a fase de consolidação do Direito, existindo, praticamente, desde a época em que o homem passou a viver em sociedade, nas múltiplas exteriorizações possíveis ao termo sociedade: família, fratrias, cúrias, tribos, cidades, etc...

            A vingança privada - ainda em voga, infelizmente, em algumas regiões da Sicília, com o nome de “vendeta” - era um como “costume de morte” que, antes extensivo a todos os membros da família do agressor, apenas vinculado ao bom senso de cada um (quando existisse), tornou-se relacionado apenas com a figura autora do delito, já evidenciando alguns rudimentos de evolução moral.

            Desde que o homem passou a raciocinar (deixado o período do princípio espiritual em evolução) a vida lhe surgiu como um bem preciosíssimo, inalienável e intransferível, uma presença sempre atuante, constante, uma realidade que - conforme explicitam os Amigos Espirituais - “ele dispõe a seu bel-prazer”. Mas, é bem verdade, jamais poderíamos esperar do homem pensante antigo, embrutecido, a compreensão de verdades que transcendem a esfera da banalidade ou de um bizarro simplismo que, ainda hoje, encontramos com alarmante frequência.

            De início, predominou a lei do mais forte e, paralelamente, o talião que, em primórdios de evolução, exorbitava, superava em muito o “olho por olho, dente por dente”. Na verdade tínhamos uma proporção descabida: o efeito não era proporcional à causa. Até que o homem compreendesse que o talião é Lei de Deus (in “Os Quatro Evangelhos”, de Roustaing) e que somente a Ele cabe a sua aplicação, uma vez que somente a Justiça das justiças e a Bondade das bondades saberia lidar com ele... até que isso acontecesse, decorreria extenso lapso de tempo.

            A lei, de um modo geral estreitamente vinculada à religiosidade das primeiras eras, mais tarde passa a atuar em visíveis moldes de transição, muito embora, ao mesmo tempo, ainda se atenham os seus efeitos a uma concepção materialista e inapta da vida. De tal modo, aqueles que morressem em desonra, por meio da pena capital, sofriam uma espécie de “pena acessória”, tida, muitas vezes, como pior do que a própria morte: ficariam privados de sepultura, mais grave do que a eliminação do “quisto social”. Explica-se tal reação, à primeira vista incoerente. O Direito, os usos e costumes e as religiões antigas ainda não haviam sido abençoados com as luzes do Cristianismo, muito embora a iniciação se verificasse em santuários diversos, obedecendo à lei do progresso. (1)

            (1) Essa iniciação afirmava a unidade de Deus, constituindo-se em privilégio de poucos. O povo, em si, continuava fiel ao entendimento do politeísmo, com os deuses e filhos dos deuses. Fora uma "tradição" herdada do' Oriente que, no entanto, no advento da era hebraica, encontrou o descrédito e a afirmativa de absurdo. (Veja-se o IV vol. de "Os Quatro Evangelhos", de Roustaing.)

            Assim é que os antigos acreditavam na vida do Além-Túmulo, inobstante dela retirassem o elemento básico, o alicerce central, a viga-mestra: a amplitude, a liberdade com ordem. Circunscreviam a morada dos entes queridos - que divinizavam nas figuras dos lares (os Lares eram cultuados no culto doméstico dos romanos como personificações de seus antepassados), manes (Na mitologia romana, os Manes eram as almas dos entes queridos falecidos) e penates (Na mitologia romana, os penates eram os deuses do lar) a tumbas colocadas, em geral, em amplos descampados, onde deveria ser depositado o alimento necessário à manutenção da vida do falecido, assegurando-lhe o respeito além das portas desconhecidas “até certo ponto”. Assim raciocinando, ligando a figura do espírito vivo, que hoje sabemos ser o plano espiritual, a determinado terreno santificado, onde se edificava o túmulo, os homens da lei instituíram a pena da “privação de sepultura”, acessória nos casos de pena de morte. Nada mais terrível... ainda pior do que a posterior excomunhão. O morto, sem morada determinada pelo mármore brilhante, vagava atormentado, sendo alvo de todo tipo de investidas, dos mais exasperadores tormentos. Como se vê, a Lei antiga era severa; “nunca fazia considerandos. Para que precisava ela de os ter? Não necessitava de explicar razões: existia porque os deuses a fizeram. A lei não se discute; impõe-se”. (“La Cité Antique”, Fustel de Coulanges, pág. 234.)

            Prosseguindo nossa análise, veremos que mais não haverá o talião (A lei de talião, do latim lex talionis (lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. Esta lei é frequentemente expressa pela máxima olho por olho, dente por dente), muito embora a intransigência legal ainda se apresente em larga escala. Não obstante a lei antiga se plasmasse na religião um tanto bizarra dos deuses, começam a surgir lampejos de um progresso mais atuante.

            Organizaram-se, anteriormente, as cúrias (divisão das tribos romanas);  e as fratrias (reunião de vários clãs); já eram agora as cidades, com predomínio do interesse coletivo, estatuindo-se a ordem constituída. A teoria da época era a de que “punia-se porque se pecou” (“punitur quia peccatum esb”). E com tal premissa atravessamos milênios, alcançando a escuridão da Idade Média, quando os temores intensos parecem recrudescer e atacar com mais intensidade, era em que cada sombra é tida como instrumento do mal, tempos em que o medo acumulado por séculos e séculos vem à tona, em um dos mais impressionantes processos catárticos de que se tem notícia. Generalizava-se o pavor... No entanto, o medo precisava emergir para que fosse orientado e vencido. Qualquer hábito realizado durante o “reinado das trevas” era considerado artimanha do demônio, bruxaria. Gritava-se a morte aos feiticeiros e, paralelamente, implantavam-se os mais hediondos métodos de tortura, técnicas desumanas. Inúmeros felinos foram sacrificados por serem animais de hábitos noturnos. E os Espíritos de luz que tiveram seus corpos de carne sacrificados nas fogueiras?! Surgiram a roda, a decapitação, a imersão do indivíduo em chumbo derretido (??!!!), enfim, a consagração do anticristianismo. Em realidade, é a isso que conduz o fanatismo.

            Surge o século XVI... Novas luzes? Mais entendimento? Raciocínio? Em alguns pontos, sim; em outros, não ... Naquilo que por enquanto abordamos, reina ainda a mais completa confusão. Já os práticos do século XV romanizaram-se, levando a repressão a extremos de monstruosidade; recrudesciam as penas. Os Tribunais Eclesiásticos, em nome de Deus, queimam esperanças na Terra, mas não logram destruir a fonte de onde elas provêm. Irrompe o século XVIII e brilha uma nova luz na figura de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, que, compreendendo as necessidades de humanização do Direito Penal, lança mãos à obra e, em 1764, em Milão, entrega ao mundo o excepcional “livrinho” “Dei delliti e delle pene”, primeiro grito na gigantesca reforma penal que nos trouxe ao moderno penitenciarismo. O “pequeno grande livro”, na feliz definição de Faustin Hélie, em 1856, contém todas as “outlines” da humanização do penalismo, em especial no que concerne à questão ímpar da pena de morte, na mais clara e evidente prova de que o espírito sopra onde quer.

            Na realidade, já anteriormente os enciclopedistas haviam protestado calorosamente contra a teoria da intimidação arbitrária. Voltaire, Holbach, D'Alembert e, sobretudo, Jean-Jacques Rousseau opunham-se ferrenhamente  à instituição de um terror constante que, caso houvesse sido consagrado, reimplantaria a anormalidade medieval. Mas, na verdade, foi Beccaria o estopim da humanização da pena, tendo influenciado a Revolução Francesa nas preceituações contidas na Declaração dos Direitos do Homem. Finalmente se instituía o princípio da personalidade das penas! Punia-se exclusivamente o criminoso e terminavam os processos contra defuntos, a desonra de descendentes, bem como o confisco geral dos bens.

            Estribado em Beccaria, o Código Francês de 1791 suprimiu as penas consideradas cruéis, exterminou o suplício e diminuiu sensivelmente os casos de aplicação da pena capital.

            É interessante notar que Beccaria se embasa na teoria do Contrato Social, de
Rousseau, e, no entanto, mais inspirado, raciocina sobre ela com mais lógica do que seu próprio autor. Diz Beccaria:

            “O homem, cedendo uma parcela mínima de sua liberdade, para tornar possível a vida em coletividade, não se privou de todos os seus direitos; não poderia conferir a outrem o direito de matá-lo. Portanto, a pena de morte é desautorada pelo Contrato Social.”

            Observe-se bem um dos fundamentos da Doutrina Espírita: só Deus nos deu a vida e só Ele nos poderá retirá-la.

            “A contrario sensu”, Rousseau assevera: “A violação da lei penal, praticada pelo delinquente, infringe o Contrato Social. Violando-a, o delinquente torna-se inimigo da sociedade. Tem esta o direito de guerrear os seus inimigos. Ataca, pois, o delinquente, aniquilando-o.”

            Perguntaríamos nós: Se ela tem o direito de guerreá-lo, qual será o seu dever? Será o de destruí-lo, como diz Rousseau?.. Ou o de recuperá-lo, como deseja Beccaria? É o célebre problema dos direitos e dos deveres...  Como vemos, o Contrato Social, examinado à luz do Espiritismo, é programa de renúncia, único meio de se conviver em paz. E isto Beccaria percebeu, mas Rousseau não. Por isso, aquele relembra o perigo da má interpretação da Lei, o que nós, espíritas, em sentido mais amplo, diríamos ser a imperiosidade de retirar da letra que mata, o espírito que vivifica. Diz-nos o Marquês:

            “Quando alguém pratica determinado ato que vai ser julgado, o acontecimento pode ser reduzido a um silogismo, cujas proposições são as seguintes: em primeiro lugar, a Lei; em segundo, o fato conforme ou contrário à Lei: em terceiro, a absolvição ou condenação do imputado, inocente ou não, quando seja o fato consentâneo ou não à Lei.” “O trabalho interpretativo é perturbador, porque pode incluir outra proposição: a opinião do juiz. Ter-se-iam, então: a Lei, a interpretação do magistrado, o fato contrário ou conforme à Lei; e, em quarto lugar, a condenação ou absolvição. Já não haveria um rigoroso silogismo.”

            Em realidade, achamos nós, ainda existiria um silogismo; mas ele seria pontilhado de imperfeição, o que obstacularia a plena maturação do problema, de onde surgiria um julgamento eivado de personalismos, em sua maioria profundamente prejudiciais. Inobstante, todo julgamento - e isto é facilmente observável - vem impregnado dos mais variados juízos de valor, o que se explica pela própria existência do julgador, que é imperfeito. Mas, conquanto imperfeito, nada impede que semelhantes opiniões sofram o policiamento do bom senso e da noção de responsabilidade, originando-se daí um veredicto digno, humano (no sentido de caritativo; seria melhor dizermos humanitarista), no qual a justiça conseguisse ser cega e, concomitantemente, leal aos princípios do amor e da caridade.

            E é exatamente aqui, voltando à exposição de Beccaria, que ressurge o problema da interpretação da Lei que, principalmente em termos de penalismo - mais ainda em se tratando de pena de morte - precisa, como já dissemos, ser orientada pela fraternidade, da qual é molde vivo o Evangelho, entendido em espírito e verdade. Por isso mesmo, o Direito Penal atual procura humanizar-se e, felizmente, já se cuida de julgar menos o ato e mais o homem, examinando-o, perscrutando-o, sentindo-o do melhor modo possível. Aliás, é isso que os Espíritos responderam a Allan Kardec, na pergunta nº 747, de “O Livro dos Espíritos”:

            - “É sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?”

            “Já o temos dito: Deus é justo; julga mais pela intenção do que pelo fato.”

            O problema da culpabilidade é dos mais dolorosos em termos de Lei, principalmente se o enfocarmos segundo os princípios do Espiritismo. Só examinando o homem poderemos alcançar a intenção e, muitas vezes, sem certa precisão, casos em que o julgamento se prolonga angustiosamente e os magistrados - o que, realmente, acontece - passam noites examinando enormes e intricadíssimos processos, à procura de elementos para uma sentença justa. Daí, no Direito Penal, os conceitos de dolo e de culpa. Esta advém de negligência, imperícia ou imprudência; aquele (o dolo) consubstancia-se em uma intenção preexistente ao fato delituoso, o conhecido “animus”. E todos esses conceitos, quando vinculados à pena de morte, agigantam-se de tal modo que - é a única conclusão a que chegamos - somente o seu desaparecimento pode solucionar o impasse. Surgem, então, perguntas sutis, a partir da premissa mansa e pacífica que norteia a solução do enigma: como punir? Qual a intenção? Dolo ou culpa? Agravantes? Legítima defesa? Legítima defesa putativa? (2) Inexigibilidade de conduta diversa? Estado de necessidade? Qual a condição mental do criminoso? Oligofrenia? Qual o grau?
           
            (2) A legítima defesa putativa pressupõe um erro de interpretação duma situação que, se verdadeira, legitimaria a ação. A grosso modo, é o caso em que alguém atira em outrem que lhe apontava o revólver descarregado.

            Percebamos a imensa dificuldade da solução do caso: se já perante o mundo o
problema é tão grave, que dizer da responsabilidade perante... Deus? Como procederemos nós, que somos adeptos da teoria reencarnatória (por ser a única verdadeira e essencialmente lógica), nós, que somos cristãos e que pugnamos pela compreensão mútua?! Como agir o espírita que se ache em semelhante situação? Qual a posição do juiz que tenha conhecimento do Espiritismo? E do legislador? Volta-nos ao pensamento a figura inspiradíssima de Beccaria, na interpretação do Contrato Social; e isso relembremos face à pergunta nº 761, de “O Livro dos Espíritos”:

            - “A Lei de Conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito quando elimina da sociedade um membro perigoso?”

            “Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso as portas do arrependimento.”

            Aliás, dizemos nós, o que senão isso nos motivou a reencarnação material humana em que por séculos nos encontramos? Acaso a Justiça Divina proibiu-nos a recuperação dolorosa? Quantas oportunidades temos tido? Centenas ... Milhares ... Há os que argumentam que isso só Deus consegue fazer e que a caridade que o Cristo praticou só mesmo ele o conseguiria. É bem verdade... Longe de nós quaisquer comparações que, acima de esdrúxulas, seriam ridículas. Mas é o próprio Cristo, aquele que está em comunhão com Deus, que nos aconselha o aperfeiçoamento constante pela prática da caridade. Aliás, é isso o que vemos insistentemente em todos os campos da natureza. Que espírita verdadeiro justifica sua própria imperfeição?.. Ou sua pretensão de tudo saber e tudo conhecer?

            Raciocinar que o criminoso é como um tumor maligno no organismo social e que, como tal, precisa ser extirpado, destruído, é um absurdo em todos os sentidos: jurídico, filosófico, moral, etc... Lembremo-nos de que, antes da amputação salvadora, pela intervenção cirúrgica, os médicos lançam mão de inúmeros recursos, sendo a operação considerada como medida extrema. Além disso, para os que defendem a tese de que há casos nos quais somente a extirpação é eficaz, gostaríamos de lembrar que um homem é sempre um ser vivente, ainda que se ache reduzido a massa inexpressiva sobre um leito, com severíssimos impedimentos físicos obstando-lhe o livre contato com o mundo exterior. Como tal, como criação de Deus, pagando pesadíssimas dívidas para com a Lei das leis, merece todo o respeito, estando acima de quaisquer comparações semelhantes, que apenas demonstram imediatismo, utilitarismo inconcebível, em resumo, o mais renomado despautério moral, científico e filosófico. Além disso, a operação que livra o ser humano do tumor maligno põe em risco todo o organismo, pelas próprias condições em que deve ser efetuada, podendo ocorrer, ainda que em margem pequena, a desencarnação. Do mesmo modo, endossarmos a teoria do mal no organismo social como elemento que precisa ser aniquilado, implica pôr em risco toda a sociedade. E isso porque o homem, sempre que se vê investido de grandes doses de poder, imperfeito que é, exorbita, eleva-se a planos de pseudo conhecimento e superioridade: em pouquíssimo tempo estaríamos trucidando-nos uns aos outros, “voltando às origens” como dizem muitos daqueles que pretendem afirmar ser a nossa gênese a bestialidade. Nós, por nossa vez, sabemos que, conquanto tenhamos todos passado pelos reinos naturais, animalizamo-nos mais com a falência espiritual - que decretou reencarnações que ficaram entre animais e homens (sem o que haveria, deveras, involução) -- do que aqueles que, atualmente, são princípios espirituais em evolução no terceiro reino.

            Voltando ao assunto, o grande enigma da aplicação da pena - mais especificamente da pena de morte - rompe as barreiras da observação puramente material humana, transcendendo os limites do egocentrismo e lançando raízes nas três revelações trazidas à humanidade: A Lei Moisaica, mas especialmente o Decálogo; a Revelação Messiânica, consubstanciada no Evangelho; e, finalmente, a Revelação Espírita, contida na Codificação de Allan Kardec e obras complementares.

            Ao punirmos, exercendo funções de guardião e de aplicador da Lei, precisamos esclarecer nossa posição filosófica em relação à pena. Será ela um mero pagamento do mal com outro mal? Em outras palavras, devemos consagrar a teoria da função retributiva da pena? Ou adotaremos a teoria da utilidade?.. Então, puniremos não porque “se haja pecado”, mas para que “não mais se peque”. Ou, ainda, corroborando nossas asserções no sentido de que a síntese é o ponto ideal, fiIiar-nos-emos à Escola Eclética, pela qual há a pena porque “se pecou” e para que não mais “se peque”? Nós, sempre em busca da ponderação a que nos concita a Doutrina Espírita, preferimos adotar a terceira posição sem, porém, conferir excessivo embasamento retributivo à pena a ser aplicada (pune-se porque se pecou). Aquele que cometeu um delito põe em risco (em maior ou menor grau) a segurança da sociedade: logo, merece ser corrigido, não mais através da tortura, ou da fuzilaria, ou da forca, ou da guilhotina, ou da eletrocussão, mas por intermédio da reeducação, com o que ao menos algumas consciências a mais serão despertadas para a boa conduta ou, ao menos, não encontrarão reverberação de sua bestialidade na bestialidade da represália.

            Em realidade, muitos objetariam, todas as penas são injustas, considerando-as aprioristicamente mal empregadas. E prosseguem, em raciocínio apressado, afirmando que, se dizemos não estarmos capacitados a julgar quem quer que seja, como poderemos aplicar sanções que acarretem a perda provisória da liberdade ou até mesmo um prejuízo financeiro?

            É bem verdade... aquele que não se acha constantemente contatado com a realidade social do mundo e que, além disso, demonstra desconhecimento dos problemas jurídicos da sociedade não pode emitir parecer aceitável. Há ângulos na questão que são desconhecidos daquele que apenas opina “pelo que ouviu dizer”, ou por alguns trechos ou parágrafos que, às pressas, retirou de livros de Direito ao alcance de todos. E, sintetizando, apresentaremos como resposta a seguinte proposta: vamos suprimir toda e qualquer legislação a respeito de todo e qualquer assunto porque, na verdade, não podemos julgar ninguém; é a célebre questão, tão pregada e tão pouco vivida: “A letra mata, o espírito vivifica” (Paulo, II Cor. 3:6). Repetimos: Se com a lei já somos tão insubordinados, imagine-se o que faríamos sem ela!..

            O presente trabalho não se propõe a um estudo das religiões antigas, de um modo específico. Isso teremos novas oportunidades de abordar, quando enfocarmos a presença insofismável do Espiritismo desde as mais remotas épocas da humanidade, já com o sistema Sânkhya e a filosofia vedantina, na índia; mais adiante, o mesmo aconteceu com o Bramanismo.

            Interessa-nos, por agora, o problema da pena de morte.

            Vimos a contribuição de Cesare Beccaria, na sólida argumentação em que se acha vazado o livro “Dos delitos e das penas”, cuja leitura é obrigatória para quem quer que deseje obter visão ampla do desenvolvimento do penalismo no panorama mundial.

            Mais tarde, a contribuição de César Lombroso, contida na Antropologia Criminal, inovou mas não resolveu o problema do criminoso em si: o exagero a que tal corrente foi levada provocou sua queda no ridículo. E isso porque, muito embora determinados indivíduos, portadores de altíssimo pendor para o crime (a periculosidade), sejam, de igual modo, possuidores de dados estigmas que os diferenciam da maioria dita normal, não há como catalogar um sem número de sinais como “alertas” para a sociedade. Não obstante a posição fosse, inicialmente, sadia e inovadora, parece-nos ter havido uma espécie de paixão pela tese, o que prejudicou sensivelmente os resultados esperados.

            Quanto às paixões, o próprio “O Livro dos Espíritos” é que nos elucida quanto ao seu papel: na verdade são elas que, frequentemente, despertam os pendores, as pretensões, etc... No entanto, “é como um fogoso corcel que necessita do freio da razão” para que não assuma a direção da carruagem, atirando-a pelo precipício.

            Vimos que Rousseau e Beccaria, conquanto partissem do contrato social, raciocinavam de modos diversos, cada um propondo uma solução. E, com tudo o que observamos, pudemos sentir mais uma vez que “o espírito sopra onde quer”.

            Atualmente, o sopro imenso de que é portadora a Doutrina Espírita, o alento novo dentro de cada criatura, impulsiona os homens de boa vontade ao almejado encontro com a paz interior, único modo de entrarmos em perene comunicação com as esferas mais luminescentes. E a argumentação cerrada e hiperlógica que a Codificação e obras complementares nos oferecem não deixa a mais leve dúvida quanto ao problema da Justiça na Terra: o homem precisa libertar-se dos instintos inferiores, precisa pacificar-se interiormente, precisa dobrar a crista do orgulho perante Deus, para que cumpra, com dignidade, a missão que é de toda a humanidade: a co-criação.

            Atualmente (louvado sejas, Senhor!), já não se julga tanto o fato, mas se procura, principalmente, levar em consideração o HOMEM.

            Obviamente, o fato tem enorme importância; mas o exame da criatura tem evitado alguns erros monstruosos. No entanto, a sabedoria eterna não tem vinculações com o mal: a escolha foi inteiramente nossa... fomos nós mesmos que nos atiramos ao vício e ao desentendimento; o mal não é fatalismo  (e.g. “O mal: sua opção ou seu fatalismo”, Newton Boechat, in “Reformador” de novembro de 1972) postado abaixo. E já que assim escolhemos, arquemos com a responsabilidade de nossos atos, lutando agora, com denodo, para desemaranhar o caótico novelo que fizemos de nós mesmos. É por nossa causa que nossa justiça é falha; nossa inconsequência impede seja ela projeção da Justiça Divina; nosso egocentrismo nos leva a pensar apenas em direitos; poucos, ou quase nulos são os devedores que reconhecemos em nós mesmos. Por isso ainda há homens sendo assassinados nas câmaras de gás e nas cadeiras elétricas; a guilhotina ainda funciona, meus amigos! (em 10 de Setembro de 1977 foi utilizada pela última vez na França - Wikipedia)... O mesmo acontece com a forca! (Índia, Japão e alguns países árabes seguem utilizando a forca -Wikipedia)... Parece que, ultimamente, a bestialidade tem crescido dentro de nós e que estamos voltando às origens do erro primordial. Que adubo pestilencial será o que estamos aplicando? Decerto não há de ser o do Evangelho.

            Cuidemos de renovar-nos bem depressa, imediatamente, porque já abusamos demais do amor que nos mantém a vida. Se Deus é infinitamente misericordioso, tratemos de ao menos respeitar sua indefinível grandiosidade. Se jamais lograremos alcançá-Lo em Sua perfeição, sejamos ao menos dignos do Seu amor. Foi a Sua tolerância que nos deu Jesus como governador e mentor sublime. Correspondamos a tanto carinho!

            A pena de morte, bem como qualquer “justiça” que contrarie as eternas e imutáveis leis universais, não se coaduna com o proceder espírita, razão pela qual deve ser constantemente combatida. Somente a Deus hipotequemos nossas vidas, na mais ampla conotação que a palavra possa apresentar; e observemos que nem mesmo Ele no-la arrebatará. Não se trata, bem se entende, de combater apenas por combater; trata-se de pugnar pela elevação da criatura humana, porque já é tempo de nos renovarmos.

            Não há contradição entre a Doutrina Espírita e o Antigo Testamento. Já isso foi
demonstrado. Tendo sido o erro a nossa opção, arquemos com as consequências de nossos atos. O Espiritismo prosseguirá ainda que o não queiramos, “com os homens e apesar dos homens”.

            A pena de morte, esta sim, é um quisto que precisa ser extirpado urgentemente do organismo social. Por isso poderemos dizer, por nossa vez, sem receio de cairmos em
contradição: morte a ela!... Às feras de sua própria animalidade com ela!...  

A pena de morte e a evolução
Gilberto Campista Guarino
Reformador (FEB) Agosto 1974
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O artigo do Boechat mencionado acima inicia-se aqui...

            Quando o codificador Allan Kardec pergunta aos lúcidos Mensageiros que lhe transmitiram a Consoladora Doutrina “por que é que alguns Espíritos seguiram
o caminho do bem e outros o do mal”, as entidades lhe responderam que assim ocorreu porque são eles dotados de livre arbítrio (p. 121).

            Evidentemente, o livre arbítrio existe para que o ser possa optar. Se a vontade dele estivesse, de antemão, condicionada ao bem de maneira definitiva, ou ao mal, não haveria livre arbítrio. Os Espíritos têm tanta aptidão para uma como para outra coisa.

            Na resposta à pergunta 122 de “O Livro dos Espíritos”, os instrutores invisíveis ainda são mais claros, informando que “já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma causa independente de sua livre vontade”; “uns cederam à tentação, outros resistiram”.

            Há, portanto, uns e outros, uns que querem e sulcam vibratoriamente o campo íntimo naquilo que especificamente desejam, outros não. Mas, “chegados ao grau supremo da perfeição, os Espíritos que andaram pelo caminho do mal têm aos olhos de Deus tanto mérito que os outros”, pois “Deus olha de igual maneira para os que se transviaram e para os outros e a todos ama com o mesmo coração.” (p. 126).

            E, finalmente, na p. 262, Kardec inquire: “Como pode o Espírito que em sua origem é simples e ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?”

            As entidades espirituais lhe respondem que “a inexperiência é suprida por Deus, que lhe traça o caminho que deve seguir como fazeis com a criancinha. Deixa-o, porém, pouco a pouco, à medida que seu livre arbítrio se desenvolve, senhor de proceder à escolha, e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se tomando o mau caminho, por desatender aos conselhos dos bons Espíritos. A isso é que se pode chamar a queda do homem”.  (Todos os grifos são nossos.)

            Ora, de maneira explícita, nas respostas que os Espíritos deram a Allan Kardec está considerada a não necessidade do mal no caminho do Espírito e sim a sua possibilidade. Existem os que andaram pelo caminho do mal e os outros... Somente quando é senhor de proceder à escolha, só então, é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se.

            A queda, destarte, não ocorre para todos os Espíritos. Há os infalidos e que assim vão até à perfeição; há os infalidos até o momento em que queiram cometer infrações na harmonia das Leis Divinas; e, finalmente, os há falidos desde que começaram seu jornadear espiritual. Três modalidades, portanto.

            Da forma como situam o problema da evolução alguns espiritualistas, nota-se lhes uma discordância com “O Livro dos Espíritos” e “Os Quatro Evangelhos”, que tratam exuberantemente do assunto. Estratificou-se, erroneamente, na formação de vários companheiros de tentames espiritistas, a postiça ideia de que o mal é necessário e que sem ele não se pode entender o bem; os Espíritos começariam, assim, a sua evolução em meio agressivo, com a pressão ou opressão do meio ambiente. Intuitivamente, porém, sente-se que o plano de Deus para o desdobramento espiritual de Suas criaturas não poderia estar inquinado de negação; a brutalidade não pode e nem deve ser tônica comum, a competição jamais poderia existir para se selecionar esta ou aquela capacidade. Se estas coisas ocorrem em nosso mundo, isto se deve a que ele é de provas e expiações, corretivo de quedas havidas no plano evolutivo original, mundo ainda atrasado, existindo mesmo aqueles mais atrasados do que a Terra, verdadeiros cárceres de segregação, como esclarece Emmanuel em “O Consolador”.

            Lançar em mundos primitivos, sumamente concretos, em ambiente hostil, Espíritos singelos que simplesmente começam o longo caminho fora, sem dúvida, por antecipação, fazê-los cometer infrações, devido a uma série de fatores coativos e limitantes.

            A trajetória normal de evolução do Espírito é o mundo espiritual, “que preexiste e sobrevive a tudo”. O mundo material poderia “deixar de existir ou nunca ter existido, sem que a essência do mundo espiritual se alterasse” (p. 86).

            A trajetória do Espírito em mundos físicos ou semi materiais é oriunda de desarmonia por queda, é proveniente de infração (não uma necessidade em si).

            Além de “O Livro dos Espíritos”, outros esclarecimentos poderão ser colhidos em “Os Quatro Evangelhos”, coordenados por Roustaing, 5ª Edição, FEB, páginas 297 e 298.

O mal, sua opção ou seu fatalismo
Newton Boechat
Reformador (FEB) Novembro 1972
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Ainda sobre o mesmo tema... Joanna de Ângelis!


            Em razão do crescente surto da delinquência na sua multiplicidade chocante, que se espalha na Terra de forma avassaladora, em que o crime se impõe desarvorado, esmagando as florações da esperança e da bondade, legisladores de toda parte voltam a interrogar e sugerir quanto à necessidade da aplicação da pena capital diante de determinados desrespeitos ao código dos direitos do homem,  à sua vida e liberdade ...

            O problema, porém, não obstante a gravidade de que se reveste, não poderá ser solucionado por processos análogos que defluem da violência do próprio crime ulteriormente tornado legal pelo Estado.

            Lactâncio, cognominado o Cícero cristão, já enunciava no século III que "a eliminação da vida de um homem é sempre uma afronta a Deus".

            A vida é patrimônio por demais precioso para ser ceifada seja por quem seja. A ninguém, individual ou representativamente pelo Estado, cabe o direito de eliminar o homem, mesmo quando este delinque da forma mais grotesca ou vil. Se o Estado o fizer, torna-se igual ao delinquente que roubou à vítima sua vida.

            Em cada criminoso vige um alienado necessitado de assistência competente, de modo a reorganizar as paisagens íntimas por meio de terapêutica especializada, a fim de se tornar cidadão útil a si mesmo e à comunidade onde se encontra situado pelos impositivos da vida. A tarefa que compete às leis é a de eliminar o crime, as causas que fomenta, não o equivocado criminoso. A morte do delinquente não devolve a vida da vítima.

            Ao invés da preocupação de matar, encontrar recursos para estimular a vida. Educar, reeducar são impositivos inadiáveis; punir não.

            Tenhamos tento!

            Não há, no Evangelho, um só versículo que apoie a pena de morte.

            Quando o homem cai nas malhas do crime e culmina sua ação nefanda no extermínio de vidas ou atenta contra a propriedade por meios da violência, justo que seja afastado do convívio social, a fim de tratar-se, corrigir-se, resgatar as faltas cometidas, mediante processos compatíveis com as conquistas da moderna civilização.

            De forma alguma a pena de morte faz diminuir a incidência da criminalidade. Ao contrário, torna-a mais violenta e selvagem, fazendo que o tresloucado agressor, que sabe o destino que lhe está reservado, mais açuladas tenha as paixões destruidoras, arrojando-se irremissivelmente nos dédalos das alucinações dissolventes.

            Compete ao Estado deixar sempre acessível a porta para o ensejo de reparação ao sicário impiedoso ou ao flagelo humano que se converteu em vândalo desavisado. Se o Estado ceifa a vida de um cidadão, não tem o direito de exigir que outros a respeitem. A morte não destrói a vida. Libertando o criminoso do domicílio carnal, intoxicado pelo ódio dos instantes finais, fá-lo vincular-se psiquicamente àqueles que lhe infligiram tal punição, mantendo comunhão mental de rebeldia por meio da qual mais torpes e sombrias faz as paisagens humanas...

            Processo bárbaro, a pena de morte é tratamento da impiedade e do primitivismo que aniquila a esperança por antecipação, marcando a data da punição destruidora, fora de qualquer possibilidade redentora, que há de desaparecer da legislação terrena.

            O criminoso não fugirá à consciência nem à injunção reparadora pelas supremas leis da Vida. Justo, portanto, facultar ao revel ensanchas de recompor-se e reparar quanto possível os males perpetrados.

            Nesse sentido, a Penologia dispõe de salutares programas de redenção para os transgressores da ordem e do direito, trânsfugas do dever e da responsabilidade, nossos irmãos atormentados da senda evolutiva.

            Obviamente, a questão se situa na anterioridade da alma, no seu processo depurador...

            Necessário implantar na Terra, quanto antes, as condições morais saudáveis de que nos fala o Evangelho, a fim de auxiliarmos tais Espíritos enfermos que retomam para reajustar-se, defrontando desafetos e adversários que a morte não aniquilou, tornando-os irmãos e amigos.

            Sem dúvida, as condições sociais que promovem o crime e fomentam a existência dos criminosos devem merecer melhor tratamento humano a fim de que aqueles que vigem nos escabrosos e sórdidos guetos de miséria conheçam dignidade e sejam com honradez considerados.

            Aristóteles, na sua ‘Política’ preceituava que o homem, para ser virtuoso, necessitava possuir alguns bens: do espírito, do corpo e das coisas exteriores, sem os quais germens criminógenos poderiam levá-lo ao desequilíbrio.

            A era tecnológica, mais preocupada com os valores objetivos e os da indústria do supérfluo e da inutilidade, vem esquecendo os legítimos objetivos do homem, seus pendores espirituais, suas realizações éticas, seus sonhos e ideais de enobrecimento, Emulando para as aquisições de fora, facultando comodidade e prazer imediatos, faz anular a felicidade no seu sentido profundo, que independe das conquistas transitórias para as realizações essenciais e imorredouras do ser...

            Aos cristãos legítimos cabe o indeclinável labor de persistir na bondade, na equidade, na paciência. A perseverança no amor, mesmo com resultados demorados, consegue a modificação da face externa das coisas e da intimidade humana para as realizações do enobrecimento.

            Matar, nunca!

            Um crime não pode ser solucionado por meio de outro, de-se-lhe o nome ou a posição legal que se lhe queira dar: jamais terá validade moral.

            Diante, portanto, da agressividade, revida com a tolerância.

            Ante a ira, resposta com a benevolência.

            Junto ao ódio, dissemina o amor.

            Ao lado da hostilidade sistemática, propõe o perdão indistinto.

            Perante o acusador gratuito, oferece a paciência gentil, tradutora da inocência.

            Só o bem tem existência real e permanente, conseguindo triunfar mesmo quando aparentemente campeia e domina o mal.

            Não engrosses as fileiras dos que, violentos, pensam em eliminar... São capazes, também, na sua revolta, de cometer crimes equivalentes àqueles para os quais, veementemente, pedem a punição capital do infrator.

            Ignoras tuas forças. Não sabes como te portarias na posição daquele que agora é o algoz.

            Esparze e semeia o amor, sim, criando condições joviais e felizes para todos, oferecendo o teu precioso contributo - mesmo que seja a coisa mais insignificante -, a fim de modificar o estado atual do mundo, e o crime baterá em retirada, constituindo no futuro triste sombra do passado, conforme nos promete Jesus.


Pena de Morte
Joanna de Ângelis
por Divaldo Franco
Reformador (FEB) Agosto 1974



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