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terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Complexo de Nicodemos


            Quando Jesus andou no mundo, as pessoas socialmente importantes não lhe buscavam o convívio. O Mestre vivia com os humildes, os enfermos, os sofredores, os pobres de espírito, que deles é o reino dos céus.

            Certo, entre os representantes autorizados da chamada elite pensante daquele tempo existiam admiradores ocultos do divino mensageiro da redenção. O próprio Herodes sonhava com a oportunidade  de ver o Cristo, de quem lhe contavam coisas estranhas ao seu entendimento.

            Houve ainda aquele moço rico, que só abriu mão da vida eterna porque Jesus lhe sugeriu vender todos os bens, distribuir o produto com os pobres e depois segui-lo. Deve ter havido outros, cujo orgulho e preconceito paralisaram os passos na direção do Nazareno, Por tudo isso, não me parece justo negar-se coragem moral a Nicodemos na visita que fez a Jesus, para o elucidativo diálogo do renascimento. Mas, na interpretação do episódio evangélico, aprendemos que o mestre em Israel foi procurar o Rabi da Galileia na calada da noite, para não dar na vista. O Evangelista João refere que "havia um homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos, principal entre os judeus, e este foi ter com Jesus, à noite" - e neste particular, nada mais disse nem lhe foi perguntado. Poder-se-ia argumentar que tanto foi à noite, como poderia ter sido pela manhã ou à tarde. O fato, porém, é que o velho Nicodemos, comprometido com a religião farisaica, entrou na História como o exemplo clássico do cristão-novo irresoluto, preferindo acomodar-se como discípulo secreto de Jesus... 

            Pois o que aconteceu com Jesus acontece hoje com o Espiritismo. Pondo de parte o materialista, que tem a negação por princípio e o nada por fim, é muito maior do que geralmente se presume o número de espíritas dominados pelo complexo de Nicodemos.  Mesmo vencidos e convencidos pela teimosia dos fatos metapsíquicos e pela dialética do ensinamento doutrinário, esses eminentes confrades jamais se proclamam espíritas. Talvez porque a palavra espírita, com a qual implicam, implica, realmente, uma tremenda responsabilidade moral. Então se dizem vagamente espiritualistas, - e ei-los em paz com a consciência. Um deles, duplamente imortal - pela graça de Deus e por uma academia de letras - chegou a confessar-me que não faz profissão de fé espírita porque... o que irão dizer por aí, não é mesmo? Um outro me confidenciou: "Dá-se comigo um fenômeno paradoxalmente curioso: Quanto mais creio no Espiritismo menos me considero espírita, e isto porque não estou à altura de professar a doutrina...”

            Como se vê, pura evasiva, e que não faz sentido. O poeta Manuel Bandeira chamaria "espíritas bissextos" a esses que, ante a suspeita de serem portadores de enfermidades incuráveis, recorrem, pressurosos, à medicina do além-túmulo. Mas, passado o susto, voltam à estaca zero da incredulidade. Há, também - e quantos! - os que, apesar de cientes e conscientes da verdade imortalista, se dão ao luxo de deixar para mais tarde ou para outra encarnação o cuidado de ingressar, oficialmente, no Espiritismo. E assim procedem no resguardo de seus interesses inconfessáveis, quem sabe lá! Nesse terreno, há uma inflação de subterfúgios. E, como eu ia dizendo, o intelectual é, de ordinário, quem mais se mostra arredio em tornar pública a sua adesão à Doutrina dos Espíritos. É o caso, por exemplo, daquele meu velho amigo (e confrade nas horas vagas) que compra todo santo dia não sei quantos livros sobre os mais diferentes e extravagantes assuntos. Mas, quando se trata de ler livros espíritas, pede os meus emprestados...

O complexo de Nicodemos
por Alberto Romero

Reformador (FEB) Julho 1971

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