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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Mestres, Escolas e Escolástica


           Não restam dúvidas que o mundo anda cheio de mestres, e os dicionários terrestres, dando-nos o significado do termo, dizem-nos que mestre é “aquele que ensina ou é versado em uma arte ou ciência”. Assim, temos mestres de cerimônias, mestre-sala, mestre de dança, mestre-escola e até mesmo o mestre-cuca, isto é, o nosso cozinheiro. Em termos, pois, de práticas mundanas, louvem-se os mestres das várias profissões.

            E as escolas? Da mesma sorte que abundam os mestres, multiplicam-se as escolas. Assim, temos a Escola Ativa, Escola de Aeronáutica, Escola Lírica, Escola Livre, Escola Militar, Escola Naval, Escola Rural, Escola Normal, Escola Primária, Escola Profissional, Escola Média, Escola Superior, Escola de Samba, Escola Veterinária, etc.

            E a Escolástica? Segundo o Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos, a Escolástica é o “sistema teológico-filosófico surgido nas escolas da Idade Média e caracterizado pela coordenação entre Teologia e Filosofia; concordância do conhecimento natural com o revelado; argumentação silogística e reconhecimento da autoridade de Aristóteles e dos padres de Igreja. Manteve-se em alguns estabelecimentos até aos fins do século XVIlI”.

            Afinal de contas, que tem isso a ver com o Espiritismo?

            A análise do processo hodierno quanto ao chamado “movimento espírita” leva-nos a crer que, em muitos setores da atividade espírita, volta-se, novamente, e de forma imprudente, para os caminhos indebitamente percorridos pelos que, outrora, substituíram a revelação cristã pelos dogmas, frutos duma teologia acomodatícia, filha legítima dos “doutores” no assunto.

            O engano parece residir no que se entende como sendo a natureza e o objetivo do Espiritismo.

            Se aceitarmos o Espiritismo como a Revelação (e Revelação relacionada com as duas anteriores, de Moisés e Jesus, não se constituindo em obra humana, embora repousando nela a necessidade evolutiva do homem e da sua maturidade como Espírito Eterno) perguntaríamos: onde situar os mestres, em termos da Revelação?

            Quem se aventuraria, na Terra, a considerar-se professor de Espiritismo? Como encarar a evidência de que para cada mestre ou professor teríamos, necessariamente, uma  série infindável de discípulos, de cursos, de diplomas, de anéis de grau, etc?

            Nesse negativo aspecto ressaltaríamos o que de imediato nos sugere o aparecimento desses “mestres de Espiritismo”. Os mais cultos e os mais eruditos far-se-iam novos intérpretes da Revelação, e as escolas desses “novos sábios”, formariam, evidentemente, uma “nova escolástica”, agora já em termos de Espiritismo e fazendo valer o velho sistema medieval, de conformar o conhecimento natural (das ciências e filosofias humanas) com a Revelação Espírita; a argumentação silogística, isto é, o argumento baseado nas três famosas proposições: premissa maior, premissa menor e conclusão; e, finalmente, o reconhecimento da autoridade de Allan Kardec e dos sábios e professores do Espiritismo!

            Então, tudo estaria consumado!

            Parece-nos que estamos necessitando, pelo menos, de reaprender as lições vivas da própria História.

            Como somos reencarnacionistas, aceitamos a ideia de podermos ter contribuído, de certa forma, para que se plantassem na Terra, junto ao trigo puro do Evangelho de Amor e de Luz, as sementes infortunadas do joio de nossa eterna vaidade.

            Seria bem mais justo que nesse instante meditássemos, sobremodo, nas palavras de Jesus: “A ninguém chameis Mestre”.

            E, para não se alegar que estamos com ideias preconcebidas e movidos pelo desejo de simplesmente discordar daqueles que estão buscando fazer alguma coisa no movimento espírita, principalmente no terreno “educacional”, fazemos nossas as palavras do eminente  psicólogo Carl R. Rogers (in “On Becoming a Person”, Boston 1961, opúsculo que, traduzido para o português, tomou o nome de “O que Penso do Ensino e da Aprendizagem”), palavras que aquele estudioso dirigiu aos professores da Universidade de Harvard, falando a respeito do ensino apoiado no aluno. Eis as principais conclusões a que chegou Rogers:

            a) Para definir, desde logo, minha posição em relação ao tema proposto, começarei dizendo que: Minha experiência pessoal ensina-me que ninguém ensina a ninguém como ensinar. Considero, pois, pura perda de tempo a teimosia dos mestres nesse sentido.

            b) Acho, portanto, que o que quer que seja, que se consiga ensinar a outrem, não é o bastante para produzir resultados apreciáveis, e pouca ou nenhuma influência terá na conduta alheia. Chocante e descabida proposição. Ao formulá-la, não posso deixar de pedir-lhes seja ela anotada como questão que merece ser examinada em ulteriores debates.

            c) Constatei, outrossim, que o meu interesse pelo assunto é limitado e se restringe à aprendizagem que produz efeitos significativos na conduta. Admito; porém, que isso decorra de uma idiossincrasia pessoal.

            d) Logo, entendo que só existe uma aprendizagem capaz de exercer influência decisiva na conduta: aquela que o indivíduo sente como necessária e realiza por esforço próprio.

            e) O autodidata, que satisfaz suas carências através de experiências devidamente incorporadas, não fica contudo apto para transmitir diretamente a outrem o que aprendeu. Sempre que um indivíduo, com justificado entusiasmo, tenta comunicar suas experiências, armasse a conhecida posição de ensino. Irrelevantes, todavia, são os efeitos que em nós produz o conhecimento da experiência alheia, no que se refere às mudanças de atitude. Faz mais de um século, e isso é digno de nota, que um filósofo dinamarquês, Sõren Kierkegaard, chegou a essas mesmas conclusões a respeito de suas experiências pessoais. Vale, pois, invocarmos sua autoridade, para atenuarmos os efeitos de tão escandalosas afirmativas.

            f) Isso posto, concluí que: O mais acertado para mim, é não querer bancar o professor.

            g) Todas as vezes em que me meti a ensinar, e isso me ocorreu em muitas ocasiões, os resultados obtidos deixaram-me apreensivo. A rigor, não devemos dizer que os efeitos do ensino são nulos, já que, se nos atribuem alguma autoridade, influímos de fato na conduta dos outros. Mas acontece que, em todas as coisas em que pude aferir resultados acabei verificando que a minha interferência nos negócios alheios era sempre perniciosa. Dir-se-ia que o ensino leva o aluno a desconfiar de suas próprias experiências debilitando sua capacidade de aprender. Portanto: OU O ENSINO Ê INOPERANTE, OU PREJUDICIAL.

            h) Eis o que verifico invariavelmente, quando repasso os resultados da minha atuação como professor: ou perdi meu tempo, inutilmente, malhando em ferro frio ou causei sérios embaraços aos alunos, criando situações problemáticas desnecessárias. Natural, pois, que eu me sinta confuso.

            i) Daí a decisão que tomei de só me ocupar com a aprendizagem, optando sempre pelo que possa ter algum interesse imediato e que exerça influência significativa na minha conduta.

            j) Aprendi, que aprender é sobremodo compensador, tanto quando os aprendizes são os participantes de um grupo, como quando são o cliente de um lado e o clínico do outro.

            k) Descobri que o mais acertado embora seja um dos caminhos mais difíceis de trilharmos, é tentarmos refrear os mecanismos de defesa do eu, ainda que por um curto prazo, como esforço para vermos se conseguimos compreender o que pensam e sentem os outros a respeito de suas próprias experiências. Entretanto, quando me ponho a pensar nas consequências imediatas dessa minha atitude, chego a sentir calafrios e é então que percebo o quanto me afastei desse mundo convencional e pacato em que nos acomodamos para viver. Prevejo mesmo o que acontecerá, se outros mais corroborarem minhas experiências, admitindo a validez de minhas interpretações. Com isso teríamos:

            1) Em primeiro lugar, a supressão do ensino, porque as pessoas passariam a fazer reuniões para aprender em grupos.

            2) Não haveria mais exames, nem provas, uma vez que estes são instrumentos de avaliação daquele tipo de aprendizagem que consideramos inócua.

            3) Pelas mesmas razões, já não teria mais sentido fornecer certificados ou diplomas.

            4) Nem a graduação servirá mais como medida da competência, em parte pelo que já  se disse, em parte porque graduação significa arremate ou conclusão e a aprendizagem é um processo que não tem fim.

            5) E, como ninguém chega a aprender o bastante para considerar-se formado no que quer que seja, não haveria mais doutores.

            As experiências de Rogers encontram plena ressonância no Evangelho de Jesus. Basta, para tanto, que leiamos o cap. 23 do Evangelho segundo Mateus, principalmente quando o Cristo exprobra o comportamento dos escribas e fariseus. Dizem-nos os versículos 7 e 8:

            “E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens - Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais ser chamado Rabi, porque um só é o vosso MESTRE a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos”.

            Falamos que o Espiritismo é a síntese preciosa de toda a sabedoria acumulada através dos anos incontáveis, todavia, esquecemos que o Espiritismo não significa tão somente a experiência acumulada pelos séculos, mas, e principalmente, transuda dos séculos, para ser filho legítimo da Eternidade e do Infinito.

            As suas luzes representam a antecâmara de um mundo regenerado e feliz, conduzindo os homens a uma concepção mais perfeita do significado da vida.

            É por tal razão que, segundo o espírito da Doutrina Espírita, há de se fazer um giro de cento e oitenta graus no ponteiro da nossa compreensão em todas as matérias, inclusive, e basicamente, quanto ao processo educacional.

            O Espiritismo, sendo o Cristianismo Redivivo, objetiva uma sociedade de irmãos que se amem e se auxiliem, e não de doutores que se digladiem e se odeiem.

            Não sejamos participes de movimentos que levem novamente a trair os postulados sublimes de Jesus, arremetendo-nos à sombria aventura de uma nova Escolástica, em detrimento das luzes abençoadas e eternas da Revelação Espírita.

            Em nosso entender, Rogers compreendeu, por antecipação, a sociedade humana no terceiro milênio. Sejamos nós, os espíritas-cristãos, os vanguardeiros dessa futura civilização.
 Mestres, Escolas e Escolástica
Abelardo Idalgo Magalhães

Reformador (FEB) Julho 1971

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