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domingo, 18 de janeiro de 2015

Liberdade de Crença

Liberdade de Crença
Geraldo Rocha
Reformador (FEB) Setembro 1955

            Em obediência a instruções recebidas do Sumo Pontífice, os prelados sul-americanos se acham reunidos no Rio de Janeiro, a fim de, aproveitando-se do prestígio resultante do Congresso Eucarístico, conseguirem que os países deste continente involuam de mais de um século, regressando ao regime inquisitorial. O Papa considera como inimigos da Igreja Católica os espíritas, os protestantes e os comunistas, cuja extinção deseja para o completo triunfo da organização internacional de que é Chefe absoluto.

            Os protestantes e os espíritas exercem, no Brasil, missão mais benfazeja e desinteressada de que os padres católicos. Milhares de colégios protestantes funcionam em todos os Estados, cobrando taxas às vezes inferiores de 50% sobre o vigorante nos estabelecimentos de ensino dirigidos pelos padres. Todos os colégios e fundações católicas são, em geral, subvencionados pelos cofres públicos, em compensação dos auxílios que distribuem. Em todo o interior do nosso país se encontram missões protestantes, as quais fornecem gratuitamente remédios e socorros de toda a espécie às populações flageladas, sem outra recompensa além da consciência do cumprimento de um dever de fraternidade humana, peculiar às almas bem formadas. Centenas de médicos, advogados e professores têm conseguido educação graças ao auxílio desinteressado dos pastores protestantes, que selecionam em nossos sertões inteligências de elite que surgem entre as selvas adustas e abandonadas. As seitas espíritas também são agremiações benfazejas, que exercem o seu mister entre os que, carecedores de elementos de fortuna, procuram um lenitivo na outra vida, para melhor suportar as injustiças reinantes entre os homens. Entre estes crentes surgem abnegados, que inspiram respeito a todos os que os observam. Fred Figner foi um destes apóstolos, dignos da admiração de seus semelhantes. Um de meus colegas de imprensa narrou-me, emocionado, uma cena que se passou em sua residência. Sua velha genitora, sofrendo de um ataque cardíaco, estava apavorada com a ideia de um próximo falecimento. Pediu, então, a veneranda senhora ao seu filho, que solicitasse a Fred Figner que a fosse visitar. O jornalista não conhecia Figner e ignorava, também, o assunto sobre o qual versaria a conferência tão desejada por sua genitora. Dirigiu-se, então, ao estabelecimento comercial de Figner e lhe expôs o desejo manifestado por sua mãe. Figner não hesitou um instante, vestindo o paletó e pondo-se a caminho em companhia do jornalista, no rumo da casa onde residia o meu colega. Lá, Figner entrou para o quarto da enferma, o filho deixando os dois sem testemunhas. Uma hora e meia depois, Figner, despedindo-se, foi conduzido à sua casa comercial e o jornalista, volvendo à residência, encontrou a enferma encarando a morte com a máxima serenidade e indiferença, transformação que o meu colega só podia atribuir à obra de Figner, pelas ideias que conseguira inculcar no espírito da moribunda.

            A obra benfazeja dos protestantes e dos espíritas é absolutamente gratuita e abnegada e, se retrogradarmos impedindo a ação benéfica desses filantrópicos cidadãos, quem os substituirá no papel que desempenham? Os benefícios distribuídos pela Igreja Católica são todos oriundos dos cofres públicos, provindo das subvenções largas que distribuem os poderes federais, estaduais e municipais. O tesouro de São Pedro, que se eleva, ao que dizem, a treze biliões de dólares depositado nos bancos protestantes, não se mobiliza para proteger os infelizes em todos os pontos cruciais da Terra. As subscrições feitas pelo clero e as subvenções conseguidas devem bastar para atender às necessidades da pompa local, devendo ficar ainda um saldo para atender à subsistência da pompa do Vaticano. Não podemos retrogradar, como o desejam os prelados. Queremos a liberdade de crenças, sem a qual a Democracia não poderá viver.


Editorial de "O Mundo Ilustrado", de 10/08/1955

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