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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cruzada dos Tempos Novos


Cruzada
dos Tempos Novos
Túlio Tupinambá / Indalício Mendes
Reformador (FEB) Março 1955

            Nenhum dos credos ditos cristãos possui maior responsabilidade que o Espiritismo, porque este é o Paracleto anunciado por Jesus e sua doutrina exprime com simplicidade o esplendor moral do Cristianismo do Cristo, tão deturpado através dos séculos, a ponto de, muitas vezes, admitir práticas incompatíveis com as lições deixadas pelo Mestre. Basta remontar-se ao fato da descoberta, em 1873, do “Didaquê”, que se achava esquecido na biblioteca do patriarcado de Jerusalém, para se compreender a diferença extraordinária entre a organização cristã do começo do segundo século com o que hoje se vê por aí: o Cristo anda na boca dos impuros, que o proferem a cada instante, sem, contudo, permitirem que Ele encontre guarida em seus corações. Naqueles tempos recuados, os cristãos conheciam e realizavam o contato com o Além, através de “médiuns”, que eram chamados “possessos”. Tais práticas eram aceitas com naturalidade e o “demônio” ainda não havia entrado em cena para desempenhar o importante papel ficcionista que está prestes a abandonar, segundo a palavra de Giovanni Papini, figura de relevo entre os escritores fiéis à orientação romana.

            Conta Sofronius, citado por Léon Denis em “Cristianismo e Espiritismo”, obra digna de figurar nas bibliotecas dos neo-espíritas e de ser frequentemente relida, que “o papa São Leão havia escrito a Flaviano, bispo de Constantinopla, uma carta célebre sobre a heresia de Eutíquio e de Nestório. Antes, porém, de a expedir, colocou-a no túmulo de São Pedro, que fizera previamente abrir e ao pé do qual se conservou em jejum e oração durante quatro dias, conjurando o príncipe dos apóstolos a corrigir pessoalmente o que à sua fraqueza e prudência tivesse escapado em contrário à fé e aos interesses de sua Igreja. Ao fim dos quatro dias lhe apareceu o príncipe dos apóstolos e lhe disse:

            “Li e corrigi.” O papa fez de novo abrir o túmulo e encontrou o escrito efetivamente corrigido.”

            Este exemplo é expressivo para demonstrar que a comunicação com os Espíritos somente deixou de servir quando interesses outros, que não os simplesmente espirituais, passaram a perturbar a vida religiosa daqueles que ainda se dizem vigários do Cristo.

            O fato acima relatado, de escrita direta, não deixa margem a dúvidas, tendo-se em conta a autoridade do escritor Sofronius, principalmente no seio dos cristãos de seu tempo. Todavia, Léon Denis, “o suave poeta do Espiritismo”, uma das colunas basilares da Nova  Revelação, cita Gregório de Cesareia (“Discurso acerca do Sínodo de Niceia”») e Nicéforo (Livro III), para evidenciar haver sido solicitado o auxílio dos Espíritos por todo um concílio: “Ao tempo em que o concílio ainda efetuava suas sessões, e antes que os padres tivessem podido assinar as decisões, dois piedosos bispos, Crisantus e Misonius, faleceram. O concílio, depois de haver lavrado o termo, lastimando vivamente não ter podido juntar seu voto aos de todos os outros, compareceu incorporado ao túmulo dos dois bispos e um dos padres, tomando a palavra, disse:

            “Santíssimos pastores, terminamos juntos nossa tarefa e combatemos o combate do Senhor. Se a obra lhe agrada, dignai-vos no-la fazer saber, apondo lhe vossas assinaturas.”

            “Em seguida foi a decisão lacrada e deposta no túmulo, sobre o qual foi também aposto o selo do concílio. Depois de terem passado toda a noite em oração, no dia seguinte, ao amanhecer, quebraram os mesmos selos e encontraram, por baixo do manuscrito, as seguintes linhas autenticadas com as rubricas e assinaturas dos defuntos consultados: “Nós, Crisantus e Misonius, que havemos assentido, com todos os padres, ao primeiro e santo Concílio Ecumênico, posto que presentemente despojados de nossos corpos, subscrevemos, entretanto, do nosso próprio punho a sua decisão.” A Igreja - acrescenta Nicéforo - considerou essa manifestação como um notável e positivo triunfo sobre seus inimigos.”

            Aí está um segundo fato de escrita direta, ainda mais expressivo que o anteriormente citado.

            A Idade Média foi o largo período de trevas em que se viu mergulhada a Humanidade. As manifestações mediúnicas eram numerosíssimas e de múltiplas formas. Por isto, estabeleceu-se o regime pavoroso das torturas e das fogueiras. Se hoje o mundo está dominado pelo materialismo, deve-se, em grande parte, aos dias negros da Inquisição. Deve-se ao desprezo a que foram votados os princípios verdadeiramente cristãos. Como foi possível que, em nome do Cristo, se cometessem tantos crimes! A reação foi adquirindo forças lentamente, até que as ideias dos enciclopedistas, estimulados pela filosofia rebelde da Renascença, abalaram as forças das trevas, iniciando guerra implacável ao pretenso cristianismo da época. As ideias revolucionárias iam penetrando o espírito do povo e assim se preparou uma das maiores chacinas de que há memória na história do mundo: a Revolução Francesa.

            Não precisamos dizer quais os responsáveis por essa página sangrenta, que deu início à propagação do materialismo que até hoje desgraça os povos. Dos excessos tenebrosos do obscurantismo religioso, que se exercia abusivamente em nome de Deus e de Jesus, chegara-se aos excessos opostos, inspirados, disseminados e defendidos pelos materialistas, imbuídos dum ateísmo absurdo, que geraria, como gerou, o infortúnio da civilização contemporânea. Mas, perguntamos ainda: quais os responsáveis pela situação de dores e angústias do mundo atual? Se o Evangelho de amor e paz, de Jesus, não houvesse sido suplantado pelo evangelho de ambição de poder, de ódio e crime, as condições da Terra seriam hoje diametralmente diversas. Todavia, consoante a lei da reencarnação e à de Causa e de Efeito, tudo será, um dia, restituído à paz, depois dos sofrimentos purificadores de gerações e gerações culpadas. O Espiritismo está destinado a desempenhar papel importantíssimo na tarefa de reconstrução moral do homem. É preciso, contudo, que os espíritas e os pretensos espíritas analisem com calma a posição em que se colocam em face do presente, porque o futuro os espreita para a fatal tomada de contas.

            Não importa que o Espiritismo seja combatido. O que importa, já agora, é que ele seja fortalecido por seus adeptos, através da observância dos princípios doutrinários, do respeito ao Evangelho. Os tempos são diferentes. Nossos irmãos de outras eras pagaram com a vida, nas prisões, sob torturas inenarráveis ou no atroz suplício das fogueiras, o “crime” de possuir o sagrado dom da mediunidade. Agora, com todas as restrições que ainda nos tolhem a liberdade de ação, desfrutamos de regalias que eram desconhecidas na Idade Média. Aproveitemos o ensejo para o trabalho sadio da recomposição moral do homem. Em vez de cruzadas de sangue, prossigamos em nossa Cruzada de Amor. Não combatamos com as armas que espalharam dores, sangue, luto e desespero. Façamos o bom combate do Evangelho, escudados na compreensão das nossas responsabilidades perante Jesus-Cristo! Levemos aos “gentios” dos novos tempos o esclarecimento da Doutrina Espírita, iluminando lhes o caminho para a compreensão perfeita do Evangelho.


            Nosso dever é lutar pela divulgação das normas e dos princípios que podem reerguer o homem caído, dando-lhe forças para recomeçar à caminhada, cheio de esperanças novas. Reunamos forças para esse trabalho, buscando corrigir nossas próprias deficiências, única maneira de armazenarmos autoridade moral para ajudar o nosso semelhante a reencontrar a trilha perdida.

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