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terça-feira, 25 de março de 2014

XXXI - Apreciando a Paulo


XXXI
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958


“Mas, se alguém não tem cuidado dos seus,
e principalmente dos da sua família,
negou a fé e é pior do que o infiel.”
(Paulo - Primeira Epístola a Timóteo, 5:8)
             
            “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”, conforme ensina Allan Kardec, no cap. XVII, nº 4, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, uma das obras fundamentais de nossa doutrina. Com efeito, encontram-se naquele livro, hoje tão divulgado, os princípios elementais do puro Cristianismo - e o Espiritismo outra coisa não é senão o verdadeiro Cristianismo - tal como era praticado entre os apóstolos do Senhor e seus primeiros discípulos, pois que eles adoravam a Deus “em espírito e verdade” consoante a lição que o próprio Nazareno dera à samaritana (João, 4:23 e 24).

            Realmente, os primitivos seguidores de Jesus, tal e qual agora fazemos, exercitavam os dons espirituais, como São Paulo mesmo dá testemunho, no capítulo doze de sua Primeira Epístola aos Coríntios. Eles criam no Paracleto (João, 14:26), que então se comunicava, como hoje sucede conosco. Repetimos, assim, o que faziam os primeiros discípulos de Jesus, isto é, os verdadeiros fundadores do Cristianismo, religião que tem como pedra angular o próprio Cristo (1 Coríntios, 10:4 e I Pedro, 2:4).

            Mas para que sejamos dignos do intercâmbio com o plano celestial é preciso que nos esforcemos para nos corrigir das imperfeições, analisando-as e combatendo-as com ardor e perseverança, conhecendo a nós mesmos, vencendo os maus pendores, isto é, os instintos inferiores ou perversos.

            Portanto, é indispensável estudar e cumprir os ensinamentos do Senhor Jesus e de seus apóstolos, que indicam o roteiro para nossa salvação, ou seja, para nossa evolução espiritual, que é eterna... e poderá ser constante.

            Uma das belas lições, profunda em sua moral, mas simples e lógica em seu enunciado, é a que está encerrada no versículo que serve de tema a estes comentários. É com prazer que nos abeberamos em Paulo, o apóstolo das gentes, vaso escolhido para levar o Evangelho a muitas terras e para deixa-lo, palpitante de vida, em suas epístolas imortais.

            Se alguém não dá o devido valor à sua família, certo não o dará também aos outros irmãos e muito menos aos estranhos. Nele impera ainda o egoísmo, característico de quem não é capaz de qualquer abnegação ou do menor sentimento de renúncia, em prol da felicidade de seus tutelados ou descendentes.

            “Porque, se alguém não sabe governar sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?” (I Tim., 3:5)

            Reconhecemos que há situações domésticas intoleráveis. É o carma, a lei de causa e efeito, ou melhor, o reajuste (que se prende a existências pregressas), às vezes doloroso, quando não há cooperação, nem entendimento.

            Frequentemente, é o próprio drama da obsessão que se desenrola no lar. São Espíritos ligados por velhas imperfeições ou compromissos e onde não se sabe bem qual é o obsessor, pois ambos se obsidiam com antigas rixas, com caprichos fúteis, que criam o inferno na vida conjugal. Ou, então, é o aguilhão da própria carne - nunca satisfeita, mas sempre exigente -, gerando o ciúme, a intolerância doméstica, a falta de caridade ou de amor.

            Mas os espíritas temos o dever de refletir, de orar e de vigiar. Quem sabe se nosso orgulho ou nossa vaidade não motiva às vezes situações que poderiam ser evitadas? Quem sabe se com o carinho, em lugar da irritação, não conseguiríamos um resultado melhor? A verdade é que nós, dizendo-nos cristãos, temos o dever de ser compreensivos e bondosos, mesmo sob o guante de um tratamento injusto, ainda que manifestado reiteradamente. Lembremo-nos do ensino do Cristo de Deus:

            “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me.” (Marcos, 8:34)

            Qual a vantagem de renunciar à cruz? Ser livre para sofrer depois outras desilusões, talvez piores?

            O certo é que, mesmo um pequeno nada, uma resposta brusca ou irritada, quando deveríamos calar, caridosamente, pode gerar uma tempestade, sobretudo quando há a predisposição, o desejo de ser o maior, o mais inteligente, o mais forte, esquecendo os ensinamentos do Senhor Jesus, que recomenda sempre a humildade.

            Sejamos fortes. Parodiando Euclides da Cunha, poderemos dizer que o espírita ou o cristão, antes de tudo, é um forte. Deve dar o testemunho de sua fortaleza moral, pregando pelo exemplo, resistindo às tentações e às dificuldades da vida, vencendo-as, superando-as, evoluindo sempre, porque assim é a lei, que devemos respeitar e cumprir.

            Nada de desânimos, nem de dúvidas; nada de inquietações, nem de desesperos.

            O amor, quando sincero, a tudo vence.

            A certas situações delicadas ou difíceis, quase sempre falta o amor. Mas se buscarmos, dentro de nós mesmos, as forças necessárias, encontrá-las-emos em Jesus, que é o Amor supremo e a Tolerância eterna.

            A prece é consolo, reforço de garantia, escudo contra as tentações, onde encontraremos ânimo para transpor as montanhas, que são as dificuldades da vida.

            Quem não pecou, quem não errou ou jamais caiu, na subida de seu Calvário? O Cristo Jesus deu o exemplo, jamais falindo, é verdade, porém retomando sua cruz, logo depois que tombava, e prosseguindo no cumprimento da lei ou da vontade de nosso Pai Celestial.

            O certo é que Deus a ninguém abandona. E como se não bastasse, temos ainda os Mensageiros dos Céus, sobretudo nós, espíritas, que acreditamos em sua proteção e em sua bondade e sabemos que eles estão sempre prontos a ajudar-nos, quais novos cireneus, a fim de que possamos prosseguir na jornada de nossa redenção e para nossa felicidade.

            Portanto, rarissimamente é justificável que alguém abandone sua família, seus deveres, sua verdadeira missão na Terra.

            E livre-se o homem de negar suas obrigações ou sua fé, para que não seja tido, como diz o apóstolo, “pior que o infiel”. Este, pelo menos, pensa que nada existe ou duvida sempre. Mas nós, que acreditamos em Deus e em seus Mensageiros, devemos ter a convicção e a confiança de que Sua misericórdia é infinita e jamais nos abandonará.

            Entretanto, se padecemos injustiças, é porque, evidentemente já as praticamos, nesta ou em vidas anteriores. Porém, no momento de saldarmos o débito, em vez de nos conformarmos com a situação angustiosa, revoltamo-nos, discutimos, exacerbamo-nos e perdemos a oportunidade que a prova nos oferece.

            Cumpre-nos recordar também o problema do perdão, que deve ser dado não somente sete, mas setenta vezes sete (Mateus, 18:21 e 22). E quanto mais difícil for, ao nosso orgulho, vaidade ou amor próprio, maior mérito terá aos olhos de Deus.

            Os incidentes domésticos - e jamais haverá quem não os tenha - são sempre lições para treinar nossa paciência, bondade, compreensão ou tolerância. Daí porque o lar é escola de virtudes, onde não podemos fracassar. E se nós somos fortes, como disse ainda São Paulo, em Romanos, 15 :1, “devemos suportar as fraquezas dos fracos”, tendo piedade e amor para com aqueles que o Senhor nos confiou.

            E por que somos fortes? - Porque conhecemos as lições do Cordeiro de Deus, “que tira o pecado do mundo”, e nos propusemos cumpri-las e respeita-las. Pouco nos deve importar que outros as conheçam e não as cumpram. Nós é que somos responsáveis por nossos próprios atos, que devem ser sempre ungidos de amor e de perdão!

            É verdade que a doutrina do Rabi da Galileia é muito simples, mas difícil de ser praticada por nós outros, espíritos ainda atrasados e imperfeitos. Contudo, feliz do que transpõe o obstáculo e vence o óbice ou as tentações do caminho. Este terá méritos e poderá ser considerado, realmente, como espírita, ou seja, como um verdadeiro cristão.

            Deus não dá a cruz superior às nossas forças. Melhor será resistirmos ao mal e procurar vencê-lo, do que nos deixarmos arrastar pelo descontrole das paixões ou por ímpetos de que nos poderemos depois arrepender.

            Além disto, tudo tem sua razão de ser, cada um cumpre seu destino e dele não pode fugir. São Paulo mesmo teve um espinho na carne (II Coríntios, 12:7), ao qual resistiu com denodo e cujas dificuldades superou. É claro que “o mensageiro de Satanás que o esbofeteava” deve ser tomado ali, não ao pé da letra, mas em sentido figurado. Ninguém sabe ao certo o que era, mas foi, sem dúvida, uma forte tentação ou um sofrimento que constantemente o martirizava, sendo-lhe mesmo atribuídas as mais variadas moléstias, a começar pela vista. Mas o apóstolo enfrentou essa situação angustiosa, fosse qual fosse, com ânimo viril, vencendo-a, transpondo o obstáculo e deixando-nos o exemplo de seu sofrimento e de seu triunfo.

            Assim, lembremo-nos de que David, séculos antes de São Paulo, já afirmava com a mesma simplicidade e certeza, no Salmo 23, tão encantador e singelo, mas sempre oportuno e edificante:

            “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará.
            Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
            Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
            Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
            Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
            Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias.”


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