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terça-feira, 25 de março de 2014

Por que me fiz espírita


Porque me fiz Espírita

César Lombroso
Reformador (FEB) Novembro 1945

             Até o ano de 1890, não teve o Espiritualismo adversário mais tenaz e obstinado do que eu. Minha resposta invariável, aos que me incitavam a ocupar-me do estudo dos chamados fenômenos espíritas! era que falar dos Espíritos, das mesas e cadeiras que se movem, era o cúmulo do absurdo; que toda manifestação de força sem matéria ou de função sem órgão não podia ser tomada a sério.

            A maior parte de minha vida até agora tem sido consagrada às doutrinas positivistas; à demonstração do fato de que o pensamento é uma emanação direta do cérebro, e que as manifestações do gênio, como as do crime, têm sua origem nas anormalidades físicas - pelo desenvolvimento excessivo de certas deficiências correspondentes, ou uma suspensão do desenvolvimento ordinário, como o expliquei em minhas obras ‘O homem de gênio’, ‘O homem criminoso’, ‘O homem branco e o homem de cor’.

            Eu tinha chegado a esse período da vida em que todos recusamos admitir alguma coisa nova, mesmo quando sua evidência pareça irrecusável. Não tenho dúvida em convir também que os longos anos passados a lutar contra os adversários de minhas teorias sobre a origem do crime, tinham esgotado minhas faculdades de combatividade, e que a energia que me restava queria eu empregá-la em defender as minhas ideias sobre os problemas a cuja solução havia consagrado os meus melhores anos. Em uma palavra, não queria dar o primeiro passo num caminho que podia levar-me a novos campos de batalha.

            Pondo de parte estas razões, nada me podia ser mais desagradável que empreender investigações sobre fenômenos para cujo estudo todos os instrumentos de precisão e os métodos experimentais empregados geralmente não tinham aplicação, fenômenos que não era possível observar completa e diretamente, pois que se produziam no escuro. Tudo quanto pudesse unicamente examinar-se de um modo tão pouco exato, não me parecia objeto digno de estudo.

            Nessa mesma época (em 1892, para maior certeza) encontrei na minha clínica médica um dos casos mais extraordinários que me fora dado observar.

            Fui chamado para atender à filha de um homem que ocupava alta posição na cidade. A menina, que então passava por um período crítico da vida, tinha sido repentinamente atacada de histerismo violento, acompanhado de sintomas, cuja explicação não podia ser dada nem pela Fisiologia nem pela Patologia.

            Às vezes, por exemplo, perdia completamente a faculdade da visão, pelo menos no que se referia aos olhos! Mesmo quando se lhe vendavam completamente, podia ler algumas linhas de uma página que se lhe apresentasse diante da orelha.

            Se se dirigiam os raios do Sol, por meio de uma lente, sobre esse ponto, ficava tão deslumbrada como se a luz tivesse sido dirigida sobre os olhos: protestava energicamente, dizendo que queriam cegá-la!

            Mais tarde o sentido do gosto foi transportado aos joelhos, e o olfato aos dedos dos pés. Apresentava também fenômenos telepáticos e premonitórios extremamente curiosos. Assim, podia ver seu irmão entrando num Music-Hall, a um quilômetro de distância; e apesar de nunca ter visto semelhante espetáculo, descrevia com precisão os trajes das bailarinas. Quando seu pai voltava de seus quefazeres para casa, conquanto estivesse ela em uma habitação cujas janelas se achavam fechadas, sentia sempre que ele se aproximava, embora viesse ainda a uns centenares de metros.

            Anunciava com segurança matemática o que ia acontecer-lhe. Assim, uma vez declarou que justamente quinze dias depois, às nove horas, perderia completamente a faculdade de andar - o que sucedeu no momento preciso.

            Noutra ocasião disse: Ao meio-dia, daqui a um mês e três dias, vou experimentar irresistível desejo de morder. Conservei-a então em constante observação, procurando distrair-lhe a atenção com todos os subterfúgios possíveis. A meu pedido pararam-se todos os relógios da casa, para que ela ficasse na mais absoluta ignorância do tempo. Apesar de todas essas precauções, no dia e na hora anunciada ela teve um impulso de morder, que não se pode acalmar senão depois de ter rasgado com os dentes vários quilos de papel de jornais, cujos fragmentos encheram a casa.

            Declarava que a sua paralisia não poderia ser curada senão pela aplicação do alumínio. Foi em vão que procuramos enganá-la, empregando outros metais mais ou menos parecidos com o alumínio. Ela conhecia imediatamente a substituição. Quando finalmente empregamos o metal indicado, desconhecido da imensa maioria dos habitantes da cidade, e seguramente da menina, ela se sentiu melhor.          

            Fatos dessa ordem, apesar de não serem novos, pois há muito os observaram e publicaram Petetin, Frank e outros, me pareceram pelo menos muito singulares.

            Em vão trabalhava o meu cérebro para encontrar alguma explicação plausível; vi-me obrigado a admitir que se lhes não podia aplicar nenhuma teoria fisiológica ou patológica. 

            A única coisa que eu via era que a histeria de que essa menina estava afetada, a sua neurastenia, dava lugar a que se manifestassem algumas novas e particulares faculdades que sofriam as funções ordinárias, dos sentidos; e então me ocorreu que só o Espiritismo poderia explicar esses fatos.

            Poucos anos depois, achando-me em Nápoles, com o propósito de visitar os manicômios, encontrei-me casualmente com alguns dos admiradores de Eusápia Paladino, particularmente o Sr. Chiaia, que me convidou a realizar algumas experiências com essa médium.

            Como tinha feito anteriormente, recusei prestar-me a qualquer experiência feita na obscuridade, ou em sessões públicas, e me disseram que eu poderia fazer o que desejava, no quarto que eu ocupava no hotel e à luz do dia. Aceitei a proposta, pois as anomalias que atrás mencionei me tinham profundamente impressionado.

            Quando vi, em plena luz, levantar-se uma mesa do solo - estando eu e Eusápia sós no compartimento - e uma pequena trombeta voar como uma flecha, da cama para a mesa e da mesa para a cama, o meu cepticismo recebeu um choque, e eu quis fazer novas experiências de outra natureza, no mesmo hotel, com três de meus colegas.

            Na sessão seguinte fui testemunha do habitual transporte de objetos, e ouvi as pancadas ou chamadas; mas o que mais me impressionou foi uma cortina, em frente da alcova, subitamente despregada, dirigir-se para mim e enrolar se me no corpo, apesar de meus esforços, sendo-me precisos alguns segundos para desvencilhar-me. Parecia exatamente uma delgadíssima folha de chumbo.

            Outra experiência que me impressionou muito foi a de um prato cheio de farinha, que se virou sem entornar-se o conteúdo. E quando colocado na posição primitiva, a farinha, que estava perfeitamente seca, se tinha transformado em uma espécie de gelatina, e nesse estado permaneceu durante um quarto de hora.

            Finalmente, quando nos íamos retirar do aposento, um aparelho pesado que estava num canto afastado da casa principiou a deslizar em minha direção, como se fosse um enorme paquiderme.

            Em outra sessão, também em plena luz, coloquei um dinamômetro Regnier sobre a mesa, a um metro pouco mais ou menos de distância da médium, e lhe pedi que fizesse pressão sobre ele, a certa distância.

            De repente vi que a agulha indicava 42 quilogramas, ao passo que em sua condição normal Eusápia não podia passar de 36. Ela declarou que via o seu "Espírito", João, a exercer pressão sobre o instrumento, e estendia na direção deste, contorcendo-as, as mãos, que agarramos com força.

            Trouxeram em seguida uma pequena campainha, que foi posta no chão, a meio metro de Eusápia, e pedimos-lhe que a fizesse soar. Imediatamente vimos a mão de Eusápia intumescer-se como um balão que se vai enchendo de gás; no momento em que queríamos segurá-la, se desvanecia. Em um lapso de tempo que não posso avaliar, tão rápido se verificou o movimento, um braço gasoso se adiantou até a campainha e a fez tilintar.

            Em Milão, em uma sessão a que assistíamos Richet e eu, cada um viu um ramo de rosas crescer e em pouco tempo sair das mangas de nossos casacos com flores tão frescas como se fossem colhidas naquele momento.

            Pediu-se a Eusápia que escrevesse seu nome na primeira folha de uma resma de papel, que Schiaparelli tinha colocado sobre a mesa. Empregando o dedo de Schiaparelli, ela declarou um momento depois que havia escrito o seu nome, apesar de nenhum de nós poder ver sinal algum. Ela, porém, afirmava com tal convicção que tornamos a olhar, sem nada ainda descobrir. Finalmente encontramos a firma no interior da mesa. Outras vezes a encontramos na última folha da resma de papel, e houve até uma ocasião em que estava na orla da cortina, a mais de dois metros acima de nossas cabeças.

            Colocada Eusápia em uma balança, podíamos à vontade aumentar ou diminuir de umas vinte libras o seu peso e o mesmo se dava se era uma cadeira que colocávamos na balança. Não se podia suspeitar nisso fraude alguma, pois todos segurávamos energicamente as mãos e pés da médium, e ocasião houve em que lhe atamos os pés, depois de termos trocado as suas vestes pelas nossas.

            Em minha ignorância de tudo o que se refere ao Espiritismo, e baseando-me somente nos resultados de meus estudos sobre a História e a Patologia do gênio, a hipótese mais plausível que me ocorreu foi que esses fenômenos hístero-hipnóticos eram devidos a uma projeção motriz e ainda sensorial dos centros psicomotores do cérebro, sendo vários outros centros nervosos debilitados pela neurose e o estado de transe. É o mesmo que se observa na inspiração criadora do gênio associado a uma diminuição da sensibilidade, da consciência e do senso moral.

            Eusápia, que era nevrótica em seu estado normal, devido a um golpe que recebera na cabeça quando menina, era durante esses estranhos fenômenos espíritas, perfeitamente inconsciente e ainda presa de convulsões.

            Afirmei-me nesta suposição, reflexionando que o pensamento, por mais elevado que seja, é um fenômeno de movimentos, e observando que os mais importantes fenômenos espíritas sempre se manifestam nas pessoas e objetos situados perto do médium. Ainda a transmissão telepática, outro fenômeno do espírito, pode ser explicada pela transmissão física de um cérebro a outro, por processo análogo ao que se verifica na telegrafia sem fios.

            Foi-me, porém, demonstrado que nada, no presente estado de nossos conhecimentos, pode dar dele uma explicação suficiente: o Sr. Ermacora, que estudou mais profundamente que eu o Espiritismo, me provou.

            Demonstrou-me ele que as transmissões telegráficas percorrem enormes distâncias, enquanto que a energia dos movimentos vibratórios diminui segundo o quadrado da distância, e que o cérebro não é de modo algum um instrumento na parte superior de uma base imóvel, como o de Marconi. E para demolir, por exemplo, a minha querida hipótese, eu pude entrar, durante os últimos anos, em casas de pessoas falecidas, onde se produziam os mesmos fenômenos na ausência de médium.

            Foi somente depois de se terem verificado esses fatos, e das sessões em que Eusápia, em estado de transe, respondeu de modo claro e mesmo muito inteligente em línguas que, como o inglês, não conhecia absolutamente, ou durante ele modelava repentinamente baixos relevos, o que não podia fazer em condições normais uma pessoa sem instrução - foi somente depois de tudo isso, e de ter assistido às experiências de Crookes com Home e Kate King, de Richet e outros, que me vi também compelido a crer que os fenômenos espíritas, conquanto sejam devidos em grande parte à influência do médium, se devem atribuir também à influência de existências extraterrestres, que, aliás, se podem comparar à radioatividade persistente nos tubos depois que o rádio, a que devem sua origem, desapareceu. O fenômeno tão frequentemente observado, de suspensão e movimento de objetos, isto é, da inversão e derrogação de todas as leis da gravidade e da impenetrabilidade da matéria, do tempo e do espaço, sugere a ideia de que a influência do médium em estado de transe é suficientemente poderosa para mudar em torno dele o que chamamos as leis do espaço e das três dimensões, substituindo-as pelas leis do espaço de quatro dimensões dos matemáticos, isto é, provando experimentalmente a realidade do que até agora não era mais que hipótese matemática.                             (Ext. de Revista de Estudos Psíquicos).


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