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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

XXIII. 'Apreciando a Paulo'



XXIII 
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Porque nós não somos como muitos,
falsificadores da palavra de Deus,
 antes falamos de Cristo com sinceridade,
como de Deus na presença de Deus.”
(Paulo - II Epístola aos Coríntios, 2:17)

            Saulo de Tarso, que se transformou em Paulo, o apóstolo das nações ou o apóstolo dos gentios ou das gentes, depois que Jesus lhe tocou o coração na estrada de Damasco, sempre foi fiel ao Divino Mestre. Jamais falsificou a palavra do Cristo, mas divulgou-a com sinceridade, em viagens memoráveis que fez a dois continentes, atestando por inúmeras obras a grandeza redentora de sua fé.

            Foi sem dúvida um Espírito encarregado de missão sublime, “vaso escolhido” do Cristo para pregar seu Evangelho na Europa como na Ásia Menor, em cujo sudoeste nasceu, naquela velha Tarshish ou Tarso, capital da província romana da Cilícia, cidade edificada sobre as ribanceiras do rio Adno, que desce das vizinhas montanhas do Tauro e que “todos os poetas tinham cantado”.

            Tarshish ou Tarso possuía naquela época, conforme Daniel Rops, 300.000 almas. Era um grande centro universitário, “ultrapassando Atenas e Alexandria pelo seu amor às ciências”, consoante o testemunho de Estrabão.

            Segundo os historiadores, existiam apenas aquelas três universidades na Terra, no tempo de Jesus: a de Tarso, a de Atenas e a de Alexandria, cuja biblioteca foi depois incendiada; mas a primeira superava as duas outras, em cultura e em pesquisas filosóficas.

            Tarso foi cidade tão importante que, segundo Sholem Asch, obtivera as regalias de cidadania romana para seus naturais, desde que nascessem livres. O decreto em apreço fora de Pompeu, o Grande, mais tarde confirmado por Júlio César, “e de então em diante nunca mais fora posto em dúvida”. Daí porque Paulo era também cidadão romano, o que lhe valeu de alguma coisa, quando começou a sofrer suplícios e perseguições por amor ao Nazareno.

            Tarshish, sob o aspecto mundano, tornara-se célebre, porque fora naquele grande porto do Mediterrâneo - Mare Nostrum - que as galeras de Cleópatra esperaram Marco Antônio...  Cícero, o grande tribuno romano, quando ali residira como governador da província da Cilícia, deixara o sulco de sua eficiência administrativa, construindo obras de vulto, que embelezaram a cidade.

            Mas que resta agora da grandeza de Tarso, daquela que tinha sido o traço de união entre a Europa e a Ásia? Transformou-se em Tersus, um vilarejo turco, cujo município possui apenas umas vinte mil almas.

            “Hoje, o visitante, que uma grande saudade faça ali voltar, tem dificuldade de se convencer desse esplendor passado. Desde a pobre marinha de Mersina até a cidade, no mesmo lugar em que outrora os jardins e os vergéis ostentavam, como num xadrez sulcado de regos fecundantes, o múltiplo esplendor das suas colheitas, não há mais do que pântanos sinistros e estepes miseráveis.”

            Assim passa a glória do mundo, como os romanos diziam... prova de que as cidades, como as criaturas humanas, estão sujeitas ao mesmo ciclo evolutivo e transitório: nascem, crescem, envelhecem e morrem também; como Léon Denis inteligentemente acentuou: Só o Espírito é eterno!

            Todavia, se Tarshish ou Tarso feneceu, como flor que se despetala, as palavras de seu filho querido estão cada vez mais vivas, rescendendo sempre o perfume sutil e inebriante dos céus, porque participam da essência divina, cujo Espírito é dinâmico, infinito e perfeito.

            Assim, a doutrina que Paulo pregou, viverá conosco eternamente.

            O nome do apóstolo, Schaoul ou Saul, em hebreu, que significa o desejado, e cuja forma helênica é Saulo, ele depois o mudou para o substantivo latino Paulo, que quer dizer pequeno.

            Poderoso doutor da lei entre os israelitas, zelador de seu respeito e cumprimento por atribuição do Sinédrio, preferiu transformar-se no humilde fabricante de tendas, ou em simples tecelão das “cilicianas”, fazendas ásperas saídas de seu tear, ofício que aprendera quando menino, usando os pelos das cabras do Tauro para transformá-las em um tecido “impermeável e praticamente incorruptível”, que vendia “para viver com o suor de seu rosto”.

            Desta maneira não era pesado a ninguém, e disto se vangloriava com justa ufania:

            “Porque bem vos lembrais, irmãos, do nosso trabalho e fadiga; pois, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós, vos pregamos o Evangelho de Deus.” (1 Tess., 2:9)

            Ele seguia estritamente, em matéria religiosa, a lição do Nazareno: “De graça recebestes, de graça dai.” (Mat., 10:8) Nada cobrava pelo curso evangélico que ministrava, tirando “da letra que mata o espírito que vivifica.” Não punha e nem aceitava preço nas coisas de Deus. Mas vivia de seu trabalho manual, árduo e humilde, porém honesto.

            Criado em ambiente cosmopolita, onde as culturas grega e romana, vale dizer, pagã ou politeísta, faziam quartel, e onde predominava o culto a Baal, cheio de imponência mas repleto de degradação, Saulo de Tarso cedo compreendeu que era mister defender o monoteísmo de seus ancestrais, pois Israel mantinha-se detentor da verdadeira cultura religiosa, entre aqueles povos que eram joguetes dos deuses, encarnando suas paixões.

            Achava que somente Pentateuco, Provérbios, Salmos e Profetas, podiam dar uma diretriz segura à Humanidade, através da lei (Tora) que o Mishna e o Talmud, onde se achavam reunidos os doutos e esclarecidos comentários dos rabinos, tão bem sabiam condensar e definir.

            A cultura clássica da Universidade de Tarso não o podia satisfazer, nem ao puritanismo de sua família, que era de fariseus, A filosofia que ali se ensinava parecia chocante aos judeus ortodoxos ou de boa têmpera, e, além disto, como reconhece James Stalker, “Paulo sempre manifestara escarninho desprezo pela argúcia dos retóricos e pelas balofas disputas dos sofistas, o que constitui mesmo uma feição assaz marcante em alguns de seus escritos”.

            Destarte, foi mandado ainda moço para Jerusalém, a capital da Palestina, sede do Templo de Javé ou Jeová, cidade reconhecida como sagrada pelos israelitas, a fim de tornar-se rabi, isto é, “ministro de Deus, professor e advogado, ao mesmo tempo”.

            Saulo fez seu curso com Gamaliel, mestre notável, “que de seus contemporâneos recebera o título de Beleza da Lei, e entre os judeus é ainda comemorado como o Grande Rabi”, neto do não menos ilustre Hillel, outro grande rabino fariseu, que ao seu tempo disputava com Shammai a profundeza dos conhecimentos e o sentido exato da lei.

            Quando Gamaliel faleceu, foi-lhe feito um elogio, que a Mishna recolheu como verdadeiro:

            “Desde que Gamaliel desapareceu, já não existe a honra da Lei; a pureza e a devoção morreram com ele.”

            O livro bíblico Atos dos Apóstolos, 5:38 e 39, registra a sua edificante manifestação de tolerância para com os primeiros cristãos, palavras de que nossos irmãos católicos e protestantes deviam ainda se servir para conosco, cristãos-espíritas:
  
            “Dai de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará,
            Mas, se é de Deus, não podereis desfazê-la; para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus.”

            Todos sabemos como Saulo de Tarso se tornou cristão, numa “conversão instantânea”, sendo que a luz da Verdade até o cegou!

            Jesus, na estrada de Damasco, pessoalmente convocou-o para o seu serviço, não sendo exagero dizer-se que S. Paulo é para o Cristianismo o mesmo que Allan Kardec é para o Espiritismo: o seu codificador. Aquele foi fundado por Jesus; este pelo Espírito Santo, mas tiveram em Paulo e Kardec, respectivamente, suas maiores expressões humanas, que jamais poderão ser excedidas.

            Como disse o ilustre escritor protestante James Stalker, referindo-se a S. Paulo, “ele é pensador nato, espírito de majestosa amplitude e força, operoso e infatigável; não foi somente o maior da Igreja, como também o mais consumado trabalhador que ela possuiu”.

            Sua lealdade ao Cristo de Deus é absoluta. Jamais falseou a palavra do Messias, porém multiplicou-a como ótimo semeador, com dedicação e sinceridade, sem medir sacrifícios.

            E as catorze epístolas que nos legou, condensando e desenvolvendo a doutrina do Divino Mestre, a quem sempre foi fiel, constituem, depois dos Evangelhos, o maior monumento do Cristianismo, a mais legítima expressão do Verbo de Deus, o que não é de estranhar, de vez que Paulo mesmo afirmava em Gálatas, 2:20: “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus.”

            Por isto, tudo o que legou à Cristandade (que é a Igreja do Senhor, composta de todos os que o seguem, pouco importando o credo) tem um sabor sempre agradável, oportuno e universal.

            Por consequência, a vida de Paulo de Tarso merece rememorada, como o foi tão bem na obra de Emmanuel - «Paulo e Estêvão», e seus escritos aí estão, secundando e atualizando sempre a palavra do Cristo e gozando do mesmo cunho de consolação e de verdade!

            Discípulo fiel, Paulo foi um apóstolo que honrou o Mestre e que, tendo seguido a lei de Moisés e as lições de seus rabinos, soube depois amar e exemplificar a doutrina que o Cordeiro de Deus pregou para salvação da Humanidade, de trabalho, de perdão e de humildade, comprovando que o Senhor Jesus efetivamente é “o caminho, a verdade e a vida”.



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