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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"O Estranho destino de Conan Doyle ..."


‘Estranho destino
de Conan Doyle
levou-o às fronteiras do Invisível’
P. Esser
Reformador (FEB) Novembro de 1958

I

O Personagem Sherlock Holmes

            Uma nova edição de sua obra acaba de aumentar o número dos admiradores de Conan Doyle. A fim de mais aproximar o Autor do seu público, a biografia do pai de Sherlock Holmes acaba também de ser publicada. A tradução inteligente e cuidada de André Algarron - o diretor dessa coleção - torna apaixonante a leitura do trabalho: é Sir Artur quem se ergue vivo diante de nós.

            No primeiro capítulo aparece ele criancinha, quando uma admirável mãe, porém maníaca de heraldismo, o faz brasonar os escudos dos diversos ramos de sua família, comunicando-lhe o longínquo parentesco com Walter Scott... “Ivanhoé” era, aliás, o livro de cabeceira desse rapazinho extraordinariamente dotado para as contendas com seus camaradas, e das quais voltava coberto de lama e, muitas vezes, vencedor.

Aluno dos Jesuítas

            A personalidade do menino devia afirmar-se no célebre colégio dos Jesuítas de Stonyhurst, onde reinava uma disciplina férrea e onde os satisfatórios resultados escolares eram recompensados por ceias com música... Se os bons padres usavam largamente da régua de borracha que duplicava o volume das mãos, davam também em abundância, nos dias de grande festa, o Porto e o “cherry”. Natação, “cricket”,  futebol, “hockey” e patinação no gelo tornaram--se os preferidos do jovem Artur, que aprendeu também “com os bons padres” a tornar-se um britânico exemplar. Mas foi igualmente um bom aluno.

            Isto permitiu-lhe, depois dos exames finais de brilhantes estudos, passar um ano no estrangeiro, no mais célebre colégio de jesuítas da Europa, em Teldikirch, na Áustria. Foi um ano de esporte nas montanhas de Arlberg, em companhia dos filhos das melhores famílias da dupla monarquia.

            Mas era necessário escolher uma carreira. Artur optou pela Medicina. Foram anos de estudos penosos, porque ele consagrava a metade de seu tempo a funções mais ou menos lucrativas de assistente médico. Isto, a fim de aliviar a família. Os estudos, aliás, não fizeram com que ele abandonasse o esporte. Revelou-se, com efeito, um “boxeur” de primeira categoria e um valente jogador de futebol.

            Depois de uma poderosa tentativa de sociedade com um médico que fizera de sua profissão uma indústria, Artur Conan Doyle instalou-se em Portsmouth, subúrbio de Southsea. Alguns dias mais tarde, escrevia à sua mãe: “Ainda não apareceram doentes! Mas o número de pessoas que param e lEem a minha placa é considerável!” E os primeiros clientes penetraram no gabinete do novo esculápio. Sua mãe mandou--lhe o irmão mais moço, Innes, de dez anos de idade, que, vestido como um elegante porteiro de hotel, abria a porta. “Comendo pão, escreve um biógrafo, carne de conserva e “bacon” cozido num bico de gás numa peça do fundo, eles viveram regiamente com um “shilling” por dia.” E pouco a pouco os doentes foram tomando o caminho da casa do jovem doutor.

Aparecimento de Sherlock Holmes

            A 6 de Agosto de 1885 Artur Conan Doyle desposava Louise Hawkins, aquela a que ele chamaria ternamente “Tonie” e que devia permanecer, até a morte dela, a sua confidente, apesar da tormenta sentimental que devia assinalar uma outra etapa de sua existência. Uma outra data seria capital na existência do jovem médico de Portsmouth: o aparecimento, no “Anuário de Noel de Beeton”, para 1887, de sua primeira novela, “A Study in Scarlet” (Estudo em Vermelho), trabalho no qual Sherlock Holmes fazia sua entrada na literatura inglesa. Fora escrito entre os toques de campainha dos clientes...

            Antes mesmo que o “Estudo em Vermelho” fosse publicado, Conan Doyle havia iniciado e quase terminado seu primeiro romance histórico, esse “Micah Clarke” que tanto deveria cooperar para a sua glória. O trabalho iria viajar por diversas casas editoras antes de ser finalmente aceito. O êxito devia ser considerável e o Autor, sem mais esperar, reuniu-se a essa “Companhia Branca”, onde seus instintos pessoais de honra cavalheiresca tiveram livre curso.

            Mas o horizonte de Southsea se tinha tornado bastante estreito para aquele a quem o mundo de letras britânico voltava as vistas. Num dia de Dezembro de 1890, Conan Doyle abandonava sua clientela e partia para Viena com sua mulher. O pretexto da viagem era ir estudar a medicina do olho para poder instalar-se a seguir em Londres como oftalmologista. Catorze meses mais tarde, o novo oculista punha-se à disposição da clientela londrina. Isto se passava na mês de Março de 1891. Como nem um só cliente se apresentou à sua porta, ele disse um definitivo adeus à Medicina, no mês de Junho. A partir de então iria consagrar-se exclusivamente à arte de escrever.

            No outono, sua conta de banco aumentara consideravelmente e, dessa vez, ele se tornara um homem livre.

            A personagem Sherlock Holmes fizera a glória de Conan Doyle. Mas este já estava farto desse detetive e escreveu à sua mãe dizendo que pensava separar-se dele. Recebeu uma resposta horrorizada da velha dama, que nutria grande ternura por Holmes: - “Você não o matará - protestou. - Você não pode matá-lo! Não deve fazê-lo.” Holmes foi salvo provisoriamente. Ai dele! A 6 de Abril de 1893, Conan Doyle, mais farto ainda, escrevia novamente à sua mãe participando que se livrara definitivamente de sua personagem, confiando esse cuidado ao professor Moriarty... Devia receber uma chuva de cartas de injúrias por esse crime e, em Londres, os jovens iam ao seu escritório com um crepe negro nos chapéus, em sinal de luto por Sherlock Holmes.

II

A derradeira viagem da vida de um grande Escritor


            Essa tempestade não emocionou Conan Doyle, que devia, aliás, mais tarde, ser levado a ressuscitar seu herói a fim de satisfazer ao desejo de um editor.

            Desde a infância, sempre desejara ver uma guerra de perto. Achava-se no Egito com sua mulher, em 1895, quando Kitchener recebeu a ordem de reocupar o Sudão. Incontinenti, solicitou e obteve a autorização para representar a “Westminster Gazette” como correspondente benévolo temporário. Subiu até ao “front” em dorso de camelo, mas a ofensiva havia sido retardada de dois meses e foi obrigado a regressar à Inglaterra.

            No momento dramático da Guerra dos Boers, Conan Doyle pensou em alistar-se. Foi impedido pela intervenção materna. No entanto, dirigiu-se aos ministros, aos serviços do Exército. Todos lhe responderam que era velho demais para ser soldado e que não se dava patente a um civil. Já que o não queriam para combatente, conseguiu partir como médico num corpo sanitário privado, do Hospital Langman. Este devia estabelecer-se perto de Bloemfontein, a antiga capital do Estado Livre de Orange, no momento preciso em que ali se alastrava uma terrível epidemia. Mas seu nome não podia ser revelado! Quando foi suspensa a censura, um jornalista londrino, que era correspondente de guerra, escreveu: “O Dr. Conan Doyle trabalhava como um cavalo, até que foi obrigado a galgar o cume de uma Kopie a fim de respirar um pouco de ar puro, de tal modo estava saturado de relentos da tifóide. Ele pertence à raça dos homens que fazem da Inglaterra uma grande nação.”

            Mas Conan Doyle ainda encontrava tempo de tomar notas para um artigo famoso e também profético, intitulado: “Algumas lições militares da guerra.” Quando esse artigo foi publicado pelo “Cornhill Magazine”, a missão do hospital chegava a seu termo. E a guerra também. Depois de haver fumado seu cachimbo na poltrona do Presidente Kruger e tagarelado com os boers “que, escreveu ele, não são tipos ruins, mas de uma ignorância que ultrapassa o imaginável”, Conan Doyle retornou à Inglaterra.

Um espírita convencido

            Quando começou a Grande Guerra, Conan Doyle quis servir como médico, mas o ministro recusou seu oferecimento. Continuaria, pois, a escrever e, a pedido do Governo, fazia artigos e redigia conferências. Ia ao “front” onde era convidado por grandes chefes militares e foi até visto no “front” italiano onde, uma vez, estourou uma granada ao seu lado. Mergulhado na ação, sentia uma nova mocidade.

            Sempre profeta, diz-lhe Lóide George, em Abril de 1917, quando acabava de rebentar a revolução russa: “A revolução durará diversos anos e terminará por um Napoleão.”

            Em 1919, o Governo estava prestes a fazer dele um de seus pares. Mas para isto era preciso que Conan Doyle abjurasse o Espiritismo, ao qual se ligara depois de haver abandonado o Catolicismo. Isto sucedera em princípios de 1887, quando o General Dayson lhe falou pela primeira vez em Espiritismo. Desde então lera muito, fizera experiências por conta própria. E finalmente se convenceu de que “forças” existiam, supranormais. E, em Junho de 1918, saíra a sua profissão de fé: “A Nova Revelação” (*), livro ao qual havia dado o melhor de si mesmo.

            (*) Obra publicada, em tradução portuguesa, pela Federação Espírita Brasileira.

            Havendo terminado seus seis volumes sobre a História da Guerra, para a qual não aceitou retribuição alguma, consagrou, desde então, todo o seu tempo, toda a sua energia e todo o seu talento à causa do Espiritismo. Foi por amor a essa causa que recusou tornar-se Lorde.

            Durante onze anos levou através do mundo o combate que escolhera. Por toda a parte, consideráveis multidões assistiam às suas conferências, durante as quais desenvolvia os artigos de seu credo: a sobrevivência, a comunhão com os mortos e o progresso eterno.

            A derradeira viagem de sua vida foi para ir do seu retiro até Londres, a fim de pedir ao Ministro do Interior que sustasse a lei que preparava com o fito de ordenar perseguições contra os médiuns espíritas.

            Os médicos o tinham dissuadido de fazer essa viagem. Como receavam, estava acima de suas forças.

            Quando Sir Artur Conan Doyle tornou a seu lar, não mais abandonou o quarto. Às oito horas da manhã de 7 de Julho de 1930, sentado na sua grande poltrona, exalava o último suspiro, após ter apertado mais uma vez, numa suprema despedida, a mão que não cessava de segurar, a mão de Jean - Jean Leckie, o grande amor de sua vida, que ele desposou depois do desaparecimento de sua primeira mulher, de “Tonie”, que foi a sua melhor amiga.  (Ext. do "Correio da Manhã" de 5 e 6-9-58.)



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