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domingo, 27 de outubro de 2013

XX. 'Apreciando a Paulo'

Platão

 XX a
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade
e culto dos anjos, metendo-se em coisas que não viu;
estando debalde inchado em sua carnal compreensão.”
(Epístola aos Colossenses, 2:18)

            Cuidado com as subjugações ou com a escravidão mental!

            O espírita-cristão é, antes de tudo, livre pensador. Deve passar todos os ensinamentos, todas as experiências pelo crivo da razão, e só aceitar aquilo que o deixe em paz com sua própria consciência.

            O entendimento é gradativo; o processo de iluminação é lento, pois, assim como “a Natureza não dá saltos”, conforme diz o brocardo, não podemos ter fé ou convicção profunda de um dia para outro. Na eternidade não há pressa.

            As coisas vão devagar. O Espírito é chamado para o conhecimento das verdades eternas, mas é preciso persistir nessa busca, honestamente, para que possa ser escolhido. “Aquele que perseverar até ao fim será salvo”, disse Jesus (Mateus, 10 :22). Deve o homem perseverar no estudo e, sobretudo, nos propósitos de sua própria regeneração. Esta, também, não se obtém às carreiras.

            É indispensável que cada um se convença de que é pecador e imperfeito, tendo ainda muito que evoluir.

            As pessoas estranhas ao conhecimento espiritual gostam de se elogiar, dizendo-se honestas e cumpridores dos deveres.

            Mas, qual o indivíduo que cumpre, estritamente, com seus deveres, amando o próximo como a si mesmo? Nossa perfeição é sempre relativa. Portanto, quão longe estamos da perfeição completa!

            Entretanto, o Divino Mestre aconselha: “Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” (Mateus, 5:48.)

            Mas ele assim falando doutrinava para nossa vida eterna, de que a atual também faz parte. É preciso que nos esforcemos à procura da elevação. Nisto reside o mérito: na boa vontade, na sinceridade de propósitos, no esforço individual em busca da ascese, ou seja, da ascensão para Deus.

            Porém, nada de jactâncias, nem de sentimentos de superioridade e, sobretudo, nada de julgar o próximo, supondo-o inferior, pois, se estivéssemos em seu lugar, talvez procedêssemos pior. Suas atitudes também não podem ser julgadas, de vez que, às vezes, o que nos parece errado, tem uma razão de ser. Além disto, cumpre-nos sempre ter tolerância, que é amor.

            Os motivos que determinam a conduta escapam, geralmente, à percepção de quem não está atento. Daí porque é preciso vigiar, não se deixando o homem arrastar pelos impulsos. As aparências enganam, e um ato, mesmo virtuoso, de quem encobre falta alheia para não acusar, pode ser tomado em sentido rigoroso e injusto.

            Sócrates já recomendava o conhece-te a ti mesmo, que é o começo e a base da perfeição. Devemos estudar nossa índole, nossos pendores e examinar se certas atitudes não são, porventura, frutos de sentimentos inferiores, que decorrem do egoísmo, imperfeição comum a todos os homens.

            Temos sempre o propósito de desculpar nossas faltas. As pessoas sempre se justificam de seus erros, dando uma razão para eles. Mas os Espíritos do Senhor recomendam que sejamos rigorosos conosco e tolerantes para com o próximo.

            Os defeitos individuais, mesmo pequenos, merecem corrigidos. Se não tivermos força para combater os pequenos erros, como nos poderemos livrar dos grandes?

            O Espiritismo vai nos melhorando através dos séculos, contanto que sejamos leais aos seus ensinamentos, os quais são os de Jesus e de seus apóstolos, interpretados “em espírito e verdade”, isto é, com simplicidade e pureza, sem preocupações dogmáticas ou da prática de ritos, que são coisas dispensáveis, já que o principal é a transformação moral e a prática do bem ou da caridade.

            Nada de discussões que não edificam e que o apóstolo Paulo também condenava. “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.” (Ef., 4:18) Aquele que já se sente capaz, pode esclarecer seu irmão, máxime se ele o pedir. Mas não queira impor sua vontade “a ferro e a fogo”, nem ficar agastado, se não for ouvido. Cada um tem seu livre arbítrio e é responsável pelos seus próprios atos. Quem erra conscientemente, pratica o pecado contra o Espírito-Santo, comete o a que Jesus se referiu, dizendo que não tem perdão (Marcos, 3:29), isto é, te-lo-á de pagar “até o último ceitil”.

            O apóstolo Paulo nos adverte; neste versículo de sua Epístola aos Colossenses, que nos devemos precatar, a fim de que ninguém nos domine, seja homem ou Espírito.

            Os homens são falhos e muitos Espíritos estão sujeitos ao erro. “O Senhor nosso Deus é o único Senhor.” (Deut., 6:4; Marcos, 12:29) Obrigar a mente a quaisquer imposições alheias, admirar alguém com exagero, é sujeitar-se a ter decepções. Amar um Espírito ou uma pessoa demais, é paixão, sentimento tido como condenável pela própria Psicologia, que é a ciência que estuda a alma humana e os seus processos fenomênicos.

            Paixão - ela nos ensina - é um sentimento exagerado. Qualquer que seja, pela pátria, por alguém, por algum Espírito, ou mesmo pela própria mãe ou pelos filhos, torna-se reprovável, porque excessivo ou patológico.

            O verdadeiro amor é sereno e controlado. Não deve ir ao ponto de concordar com os erros; precisamos ter a energia moral bastante de discordar, mesmo com doçura. Somos responsáveis perante Deus pelas criaturas que nos foram entregues ou que estão sob nossa guarda.

            Acreditar na infalibilidade alheia é tolice. As mistificações servem de lições proveitosas para não cairmos nesses excessos e nem no fanatismo.

            Tudo deve ser passado pelo crivo da razão, eis o ensino dos Mensageiros do Senhor, que não devemos cansar de repetir.

            Daí porque - homens livres e cristãos conscientes - não podemos aceitar os dogmas religiosos, que têm de ser admitidos como artigos de fé, sem quaisquer exames. Acredita-se ou não nos dogmas, dizem os teólogos, mas não se tem o direito de investigar, de duvidar ou de querer penetrar em sua essência. É a escravidão mental contrária ao roteiro traçado por São Paulo, quando recomenda: “Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo. Retende o bem.” (1 Tess., 5:19 a 21)

            Porque essa subjugação intelectual a conclusões de teólogos, decorrentes de concílios de que só participaram homens falíveis? Não será extinguir o Espírito, negar o direito ao raciocínio alheio, à liberdade de investigar? - É a fé cega, primária, instintiva, irracional, que pode conduzir ao erro, com pouca possibilidade de retroceder.

Pitágoras

XX b
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


            É também deixar-se dominar “a bel-prazer”, como diz Paulo, “com pretexto de humildade ou de culto aos anjos, metendo-se em coisas que não viu” ou sobre as quais não quer refletir, com medo de enfrentar a verdade, que é acessível a todo homem estudioso e
sincero.

            Dizem, para impressionar, que aqueles concílios contavam sempre com a presença do Espírito-Santo. Mas, quem o provou? Basta tal afirmativa para que logo se creia neles, sem mais exames!

            Duvidam de nossas sessões espíritas - e têm essa faculdade, porque não investigam -, mas acham que devemos crer, cegamente, nas conclusões de seus concílios, alguns feitos há séculos, de cujas discussões nem temos notícia!

            Defendem o direito de criar dogmas, através de seus doutores, mas negam a própria doutrina de Jesus, que é simplicidade e amor, pois ele mesmo disse:

            “Nada há de encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.” (Mateus, 10:26; Lucas, 12:2.)

            Se o dogma é “mistério”, mas se esse “mistério” religioso não existe na doutrina de Jesus, conforme suas próprias palavras, aceitá-lo é discordar dessas palavras para ficar com os ensinos dos homens, que não têm o poder de revogá-las.

            Já temos acentuado que o mistério só existe como fruto de nossa ignorância. À medida que vamos evoluindo em conhecimento, os mistérios vão desaparecendo. Não podemos aceitar algo como mistério, sem o direito de investigar. Isto seria tolher nossa liberdade intelectual, e a liberdade do homem é direito sagrado, que Deus concedeu, e que ninguém, nem em Seu nome, tem a faculdade de violentar, seja lá por que pretexto... E como afirmou São Paulo, no versículo ora comentado, ninguém nos deve dominar, porque somos criaturas livres, responsáveis pelos nossos atos e que precisamos evoluir pelas nossas próprias experiências. Nosso supremo roteiro é o Novo Testamento, que ele nos legou com seus apóstolos. Tirar daí conclusões que ofendam a essência de sua doutrina generosa e liberal, é desmenti-lo, com propósitos de dominação, como geralmente sucede.

            O Cristianismo puro, que decorre dos Evangelhos, não tem complexidade dogmática; foi criado, antes desses concílios, pelo Divino Mestre e por seus apóstolos. A estes e não aos dogmas devemos seguir, espontaneamente, procurando ser humildes e regenerados, seguindo apenas os mandamentos divinos, e não os enxertos feitos na doutrina do Senhor, com o propósito de escravizar consciências. Cristianismo, que o Espírito-Santo ora procura restaurar na Terra, em toda a sua pureza primitiva, consiste apenas no amor - a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. “Destes dois mandamentos” (que se fundam no amor), “depende toda a lei e os profetas.” (Mateus, 22:40.) Os dogmas são, por consequência, criações de certos cristãos e não do Mestre Excelso. São interpretações humanas dos textos bíblicos, que os Espíritos Superiores (a verdadeira falange do Espírito-Santo, que já se comunica com as pessoas de boa vontade) condenam e desautorizam.

            Os concílios de homens sujeitos ao erro, cuja infalibilidade pessoal eles mesmos decretaram, desviaram o Cristianismo de seu verdadeiro sentido e de seu terreno exato, proporcionando até a cobrança de espórtulas por sacramentos, taxados a preço fixo, num comércio abominável com as coisas santas, como se com dinheiro, e não com virtudes, pudesse ser conquistado o reino de Deus.

            Todavia, não devemos ter aversão por tais religiosos - muitos dos quais procedem também como cristãos, porque são regenerados e fazem o bem -, mas apenas nos cumpre evitar a comunhão com seus erros e com suas fraquezas, tornando-nos libertos desses preconceitos multisseculares, que tanto fanatismo têm gerado e que tantos males têm causado à Humanidade, porque o crente dogmático quase sempre é intolerante, achando que somente ele está de posse da verdade, e que os outros trilham a senda da impostura, sem salvação.

            Os Mensageiros do Senhor, que são as vozes dos Céus, ensinam-nos ainda que a crença nos dogmas serve de entrave ao nosso progresso espiritual, pois que, comumente, gera o medo, que é um sério obstáculo à evolução do Espírito. É este sentimento, incutido pela crença nos dogmas, que nos faz ter dúvidas e receios, quando começamos a investigar sobre o Espiritismo. Travando contato com os bons Espíritos, tendo confiança neles, nosso medo vai desaparecendo, para nosso próprio bem, pois então estaremos libertos dos tabus e dos preconceitos. E nosso Espírito estará apto a prosseguir na trilha evolutiva do conhecimento, que liberta, como disse Jesus:

            “Se permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos;
            “E conhecereis a verdade, E A VERDADE VOS LIBERTARÁ” (João, 8:31 e 32)

            Sabemos que Jesus é universal. É de todos os homens e pertencente a todas as religiões, mesmo àquelas que não o admitem, mas que em parte o adotam, porque proclamam certos princípios que pertencem à sua filosofia. Sabemos também que o principal é a prática do bem e não o rótulo religioso. Mas podemos afirmar que o Espiritismo é a cúpula do Cristianismo, a Terceira Revelação de Deus, que veio libertar os homens de seus erros e de seus preconceitos, incutidos quase sempre por criaturas que têm procurado servir-se dos ensinamentos de Jesus para os seus propósitos de dominação temporal, esquecidas da lição fundamental do meigo Rabi: “Dai de graça o que de graça recebestes.” (Mateus, 10:8, in fine.)

            Sendo indivíduos cultos, bem podiam viver de lecionar ou no exercício de outras profissões honestas, deixando de explorar os homens em nome de Deus, como chegam a fazer.

            Muitos desses, repetimos, são bem intencionados; acreditam em sua Igreja com sinceridade - exatamente porque não investigaram ou porque não têm liberdade para fazê-lo - e pensam estar a serviço da verdade. Chegam a realizar algum bem, embora deturpando com seus dogmas a singeleza do Cristianismo. Praticam e ensinam uma espécie de curso primário - ou de jardim da infância - em matéria de religião, e como abundam os ignorantes, os que se não querem dar ao trabalho de estudar o assunto, seus processos dão para estes algum resultado, motivo pelo qual não devem ser condenados, pois têm alguma utilidade de ordem moral. Além disso, se há Espíritos encarnados de diversas categorias e de diferentes graus de entendimento, não se pode exigir que todos pensem de igual maneira ou que sigam a mesma religião. Eis porque, embora discordando de nossos irmãos de outros credos, devemos ter tolerância para com eles, sentimento de compreensão e alta dose de amor.

            Os espíritas que têm raiva de padres e que vivem a combatê-los sistematicamente, em qualquer ocasião (felizmente, são poucos), ainda estão longe de ser cristãos, ainda não sabem ser espíritas, porque temos a obrigação de demonstrar tolerância e amor com todos, mesmo para com os ateus.

            Há pontos lindos do Evangelho que podemos abordar em nossas reuniões (e Allan Kardec bem os condensou em “O Evangelho segundo o Espiritismo”), sem necessidade de descermos às competições religiosas.

            Pregando a doutrina do Cristo sem ataques pessoais e sem insultos, convenceremos com mais facilidade do que irritando ou chocando a compreensão dos que nos ouvem ainda com algumas reservas mentais ou com certas dúvidas, próprias de quem começa...

            Sejamos prudentes como o Senhor Jesus recomendou.

            Tenhamos liberdade de consciência, convicção do que afirmamos, mas sem querer dominar nosso semelhante, nem ferir o seu livre arbítrio, o que é também faltar com a caridade.

            Quando tivermos de versar esses delicados assuntos, façamo-lo sem ofensas, mas com o propósito leal de servir à Verdade, escolhendo as palavras, combatendo os erros e não os homens, porque estes são nossos irmãos e, às vezes, moralmente estão acima de nós. Há também cristãos entre outras crenças e nós não monopolizamos a Jesus.

            Grau de entendimento é sabedoria - aspecto da evolução. Mas tem sempre de ser acrisolada pelo amor, pedra de toque ou sinal do verdadeiro espírita-cristão.

            O Espiritismo também não se impõe. E nem todos estão à altura de compreender que ele é a Terceira Revelação de Deus e a expressão maior da verdade dada aos homens de boa vontade, exatamente porque não é doutrina de seres humanos, mas dos Mensageiros do Senhor. E quem duvidar, que investigue, a fim de ter esta convicção que, graças a Deus, já possuímos. Nossa fé não é cega, mas raciocinada, fruto de anos de dúvidas, de incertezas, de investigações, até que se arraigou em nosso Espírito, inabalavelmente.

            E felizes dos que creem na imortalidade da alma, nas vidas sucessivas e na Justiça de Deus, sabendo que a cada um será dado, não só pela sua fé, “mas segundo as suas obras”, como disse Jesus, reafirmando o que está escrito no Velho Testamento. (Mateus, 16:27 e I Sam., 2:3)

            Nossa existência atual tem um encadeamento lógico com o passado e plantamos agora o que havemos de colher no futuro, confiados sempre na misericórdia divina. Temos a convicção profunda de que Deus é bom, como afirmou o Divino Mestre, nosso irmão maior, o protetor e governador de nosso planeta. E apreciemos a Paulo porque ele foi o “vaso escolhido” para vulgarizar seus ensinamentos entre os homens, dando-nos também lições
imortais, que nos servirão por toda a eternidade!

  

 Péricles


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