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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

'Cérebro e Coração'



Cérebro e coração
Porto Carreiro Neto
Reformador Outubro 1947

            Em que pese às seitas que se dizem cristãs, a Doutrina Espírita vai passo a passo penetrando em todos os recantos da Terra. Posto que interpretados diversamente, aqui e ali, os ensinos dos nossos Maiores tocam os corações, abrindo-os à luz que lhes bate à porta; alcançam, destarte, o órgão sensível do homem, o que muito mais é do que lhe falar diretamente à razão. O Mestre de Nazaré não tinha outro objetivo, seja praticando a caridade no que tinha esta de mais perfeito, seja usando com a turba de parábolas que fugiam ao entendimento de pessoas de apoucada cultura. É que o coração compreende primeiro que o cérebro e "tem razões que a razão desconhece". Penso que, por isto mesmo, o "Evangelho segundo o Espiritismo", do insigne Codificador, é a obra espírita mais procurada nesta "Pátria do Evangelho"; é que esta é, outrossim, o "Coração do Mundo".

            É essa chapa fotográfica - o órgão motor da circulação do fluido sanguíneo - que, indutada de matéria especial, é sensível aos fluidos invisíveis, qual sucede à gelatina impressionada pelas emanações dos espectros imperceptíveis aos olhos humanos. O que importa, sobretudo, é impressionar a película. Se na fotografia comum, o espectro aí se acha tão evidente quanto qualquer indivíduo de nosso mundo tangível, receba o coração esses eflúvios, que se transformem, não em inexpressivas imagens, mas em figuras vivas, que nos acompanhem nesse precioso escrínio que nos pulsa no peito.

            Em certas rodas de curiosos, a perquirição, por assim dizer, material de fenômenos causados por forças que parecem estranhas ao nosso planeta se inclina a enquadrar esses fenômenos insólitos entre os nossos fatos terreais. Poderíamos, na mesma ordem de ideias, imaginar que os habitantes de outros astros procederiam de modo semelhante, vendo cada qual mínima parte do todo e, além disto, interpretando essa infinitésima parte através de prisma deficiente, compatível com a organização do indivíduo e com a estrutura do meio ambiente.

            Quando, por conseguinte, começam as "assimilações" e entra na lide o "raciocínio", a criatura pode estar próxima, tanto do erro, quanto da verdade; sustentar obstinadamente um juízo, baseado em tão precário método, é tão desaconselhável quanto digno de objurgatória é o negar-se evidente verdade ou o afirmar-se erro patente. Entre a verdade e o erro - limites infinitamente afastados - perde-se o homem num dédalo de conjeturas, para sair do qual lhe cumpriria, guiar-se por novo fio de Ariadne; mas fabrica-o por suas próprias mãos, dispensando-se de ajuda, correndo, assim, o risco de ser vendido pelo Minotauro, que ele não cuida, primeiro, de eliminar de si mesmo.          

            A pesquisa é, sem dúvida, um dos métodos de chegarmos ao conhecimento de coisas e de fatos, de atingirmos o "saber"; dissemo-lo poder ser, entretanto, método falho, “desvio” que não "caminho", que seria o termo, conforme o étimo grego (1) e tanto mais claudicante e inconclusivo quanto de maior transcendência é o assunto em apreço. Por isto mesmo, creio, as religiões se enclausuram na Teologia, da qual só os iniciados podem lobrigar certa dose, penetrando em "mistérios" que se fazem "pontos de fé" e "dogmas". Vaidosas - e em extremo vaidosas - por ter vislumbrado (ou pretendido vislumbrar) estreitíssima nesga da grande Verdade Universal, presumem ter esta em plena e exclusiva posse; tudo o que afirmem - ainda fora do âmbito da Teologia, do que existem inúmeros exemplos na História – há de forçosamente ser verdadeiro; e tanto maior é seu orgulho, e tanto mais negra é sua impiedade, quanto blasfemam, afirmando achar-se em contato íntimo, direto e contínuo com o próprio Supremo Senhor da Criação.  

            (1) Método. Do grego meta + hodos = caminho puro. - A Redação.

            Não lhes aprazendo tais processos absolutistas, nem possuindo veia de turibulários, muitos se lançam a desvendar os chamados "mistérios" e a interpretar os pseudo milagres; e o que se vê é o reduzirem todos os fatos a um denominador comum, que é a sua minguada ciência terrena, tão falaz como as faculdades humanas de apreensão do mundo exterior. Esses descambam, portanto, para o extremo oposto, chegando, quase por absurdo, a idênticos dogmas e pontos de fé!

            Se a ciência ilustra, isto é, se ilumina o Espírito, varando as trevas que abrigavam o terror do ignoto, por outro lado proporciona ao pesquisador uma audácia que lhe pode ser fatal, por desconhecer a essência mesma da nova região em que se aventura, e por demasiado confiar em suas próprias forças, que lhe não foram doadas para ultrapassar definidos limites. Essa ousadia leva o cientista a assimilar o "além" ao "aquém", deformando aquele à força de pretender enformá-lo ao jeito deste; o resultado é uma luz falsa que traz não mais do que uma ilusão de ótica, é uma luz externa que, se percute, não é, contudo, percuciente. E o que é mais grave: o que produz essa pesquisa puramente humana em terreno essencialmente extra-humano é o acanhamento do Espírito dentro de suas próprias fronteiras, é a esterilização da alma, que a si mesma se condena, como a figueira sem frutos, por nada tirar de si, que seja útil, nem ao homem, nem a outros homens.

            Eternos, obtusos ensaiadores, cuja pertinácia merecera melhor sorte, ficam em vãs experiências, cujos bastidores teimam em não querer afastar sequer um pouco; extasiam-se com a cena, cujas personagens lhes são meros objetos de curiosidade; contentam-se com o pouco - modestos e pedantes! - e aí se lhes detém a ânsia de saber... Que consequências lhes trarão essas experiências - não lhes importa; que força move aquelas personagens - supõem-na conhecida: quem sejam mesmo esses entes estranhos - serão "duplos", "alucinações"...

            Que nos adiantam, pois, esclarecimentos que tais? Vemos-lhes os resultados negativos nos meios em que abundam pesquisas e falta a meditação; em que fulge o orgulho, sem sombra de humildade: em que trabalha o cérebro, tendo o coração por simples espectador; em que o Espírito procura na Terra o segredo do Céu. O grande Espírito, que em sua última passagem pelo nosso mundo tomou o nome de Lázaro Luiz Zamenhof e que nos veio com a missão de criar um instrumento de compreensão linguística entre os homens, para aproximar-lhes os corações, declarou ao 2º Congresso Universal de Esperanto, reunido em Genebra, em 1906: "Com tal Esperanto, que deva servir exclusivamente a fins comerciais e ao utilitarismo, não queremos ter coisa alguma!" É que alguns adeptos desse admirável traço de união diziam ser o Esperanto apenas uma língua, evitando-se ligar o Esperantismo com qualquer ideia (a famosa "ideia interna", que é o fanal dos cultivadores dessa sublime causa). Assim também, diremos: "Com tal Espiritismo, que se limite a experiências científicas sem consequências de ordem moral, não queiramos ter o menor contato!"

            A Doutrina Espírita possui e cultiva também sua "ideia interna", e essa é a maior de todas, que é Deus! Ora, de passagem assinalemos que a "ideia interna" do Esperanto é o cultivo da intercompreensão dos corações, mais do que a dos cérebros; isto equivale ao próprio amor, uma vez que este é fruto opimo da compreensão. Quem diria, pois, que as duas causas fossem tão afins?

            Louvemos o Senhor por ter-nos concedido, aos infusórios da Ciência humana em nossa Pátria, a compreensão que a Ele nos conduz, antes que as profundezas dessa mesma ciência, onde modorram seres de maior porte, a ruminar indigestos alimentos da Terra, sem forças sequer para dirigir o olhar às regiões da Luz.

            Cultivemos o Evangelho na "Pátria do Evangelho" e abramos o "Coração do Mundo" aos ensinamentos dos nossos Maiores, que, a par da ciência, nos inspiram o amor. Com esses fios de luz sairemos do tenebroso labirinto de nossa alma atribulada, após abater o Minotauro de nossa enorme imperfeição.




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