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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

2a 2b 'Regressão de Memória'


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2a. "Regressão de Memória"
por Hermínio C. Miranda
in Reformador (FEB) Julho 1972



            Em artigo anterior, ficou a promessa de prosseguirmos no estudo do fascinante problema da regressão de memória apoiado nas pesquisas do engenheiro e coronel francês Albert De Rochas que, sem aderir aos postulados do Espiritismo, deixou impressionante relato de suas experiências de magnetização.

            De Rochas era homem de profunda cultura e variados interesses. Os livros que escreveu abordam com extraordinária lucidez os assuntos mais diversos. Muitos deles foram premiados com medalhas de ouro, prata e "vermeil", como "Poliorcétique des Grecs" (história militar), "Le Patois du Queyras" (linguística), "Principes de Ia Fortification Antique" (arqueologia), "Les Vallées Vaudois" (geografia) e "La Campagne de 1692 dans le Haut-Dauphiné" (história). Essas obras se esgotavam rapidamente e não poucas, já em vida do autor, haviam sido traduzidas para o alemão, sueco, espanhol e russo. A despeito de toda essa atividade, ainda era ele professor da Faculdade de Engenharia.

            É, pois, autor altamente qualificado para as tarefas que realizou, pela sua objetividade, cultura e espírito científico, tanto quanto pela sua absoluta insuspeição, dado que jamais se filiou ao movimento espírita, que na sua época já alcançara notável desenvolvimento e atraíra sábios e pensadores de grande projeção.

            Esse é o homem. Agora, vejamos um pouco da sua obra. Ficaremos limitados, nesta oportunidade, ao exame do seu magnífico estudo intitulado "Les Vies Successives" ("As Vidas Sucessivas"), do qual possuo um exemplar da primeira edição de 1911, da Bibliothèque Chacornac.

            O livro é iniciado com a declaração de que a imortalidade da alma tem ocupado através dos tempos a atenção dos filósofos, mas o problema das vidas sucessivas não tem merecido a mesma atenção, a despeito da sua extraordinária importância na definição de "condições mais justas para recompensar ou punir, no contexto da eternidade, as boas ou más ações cometidas durante o lapso de tempo infinitamente curto que é a vida terrena". O autor parte, assim, de uma especulação filosófica para a qual as religiões ortodoxas nada têm a oferecer, a não ser a incongruente doutrina do céu e do inferno. Que acontece com a pessoa que praticou crimes inomináveis? Vai para um inferno eterno, sem mais uma única "chance" de recuperação pelos erros praticados no curtíssimo espaço de uma existência terrena? E, no reverso da medalha, será que a criatura humana toma o "céu" de assalto pelos simples méritos de uma só vida e lá se instala entre os espíritos perfeitos por todo o resto dos tempos eternos? Não, não deve ser assim, e realmente não é.
  
            Procurando expor primeiro os aspectos históricos e filosóficos da questão, De Rochas resume o pensamento de antigos e modernos, dando notícia do que achavam egípcios, caldeus, hindus e gauleses, tanto quanto Platão, Jâmblico, Cícero e Virgílio, este nos versos imortais da "Eneida":

"Meu filho, disse o velho, tu vês aqui aparecerem
Aqueles que em outros corpos devem um dia
renascer
Mas que antes doutra vida, doutros trabalhos
duros,
Buscam as águas impassíveis do Letes
E no longo sono das paixões humanas
Bebem felizes o esquecimento de antigas penas..."

            São mencionados, a seguir, os textos evangélicos que narram a indagação acerca da identidade de Elias e João Batista, bem como as dúvidas de Nicodemos. Quanto aos pais da Igreja, ou seja, os seus primeiros teólogos, muitos dos mais eminentes tinham o princípio da reencarnação como pacífico e nele não viam nenhum conflito com a doutrina do Cristo. No entanto, os dogmas posteriores e alguns artigos de fé entraram em choque com a doutrina das vidas sucessivas e, no Concílio de Constantinopla, em 553, essa e outras questões ficaram liquidadas em favor da rigidez cadavérica da fé cega, das penas eternas; da predestinação e do julgamento inapelável.

            Entre os mais modernos, Pezzani, Lavater, Voltaire, Reynaud, Victor Hugo, François Coppée, Tolstoi e outros também admitiram, sem dificuldade, o princípio de que o ser humano vive muitas existências na Terra. Lavater, por exemplo, em carta de 1º de agosto de 1798 à Imperatriz Maria Feodorovna, da Rússia, escrevia o seguinte: "A alma se aperfeiçoa a si mesma, vivendo na Terra as qualidades do corpo espiritual, veículo através do qual ela continuará a existir depois da morte do corpo material e que lhe servirá de órgão para conceber, sentir e agir na sua nova existência."

            E o verso tão belo de François Coppée, sob o título de "La Vie Antérieure"? Contemplando a figura da amada, diz o poeta:

"Tu deves vir, criança, desse país de luz
Ao qual minhalma há pouco devia pertencer.
Porque tu me trazes a vaga recordação,
Porque ao te contemplar, loura donzela ingênua,
Gemi como se te houvera reconhecido...
E assim que meu olhar mergulhou no fundo
[do teu
Senti que no passado já nos amamos..."

* * *




2b. "Regressão de Memória"
por Hermínio C. Miranda
in Reformador (FEB) Julho 1972


            Tudo isso, porém, são apenas crenças, especulações e a maravilhosa intuição dos poetas, dos místicos, dos sonhadores. Mas, e a verdade dos fatos, qual é? Será que o homem vive realmente muitas vidas sobre a Terra? Como pesquisar? A esse trabalho se propôs o engenheiro AIbert De Rochas e o seu livro dá conta de seus estudos e de suas conclusões, em 504 páginas compactas.

            O autor empregava a técnica da magnetização do paciente por meio de passes longitudinais, combinados com a imposição da mão direita sobre a cabeça, estando o paciente sentado confortavelmente diante dele. Às vezes tomava o sensitivo pelos polegares e o encarava fixamente nos olhos, para provocar um adormecimento preliminar. Observou logo, no decorrer de suas experimentações, que o paciente atravessava estados característicos e sucessivos, sempre na mesma ordem, sempre separados por uma curta fase de letargia. Disso extraiu uma classificação que apresenta da seguinte forma:

            1º estado: Vigília.

            I fase de letargia

            2º estado: Sonambulismo - o paciente parece acordado, encontra-se na posse de seus sentidos, mas é muito suscetível à sugestão e apresenta o fenômeno da insensibilidade cutânea, que persiste durante os estados seguintes. A memória é normal. 

            II fase de letargia

            3º estado: "Rapport" (Afinidade) - o paciente somente percebe a presença do
magnetizador e das pessoas que este colocar em contato com ele. Notável sensação de bem-estar. Diminuição da memória normal e da sugestibilidade. Diz De Rochas que neste ponto começa a se "exteriorizar a sensibilidade". Diríamos nós que se inicia o desprendimento do perispírito. De Rochas comprovou que a sensibilidade à picada de agulha fica a cerca de 35 milímetros da pele do paciente. Nesse estado, o paciente vê "os eflúvios exteriores dos corpos organizados e dos cristais", isto é, a chamada aura dos seres e dos corpos inanimados.

            III fase de letargia
           
            4º estado: Simpatia ao contato - a sensibilidade (perispírito) continua a se exteriorizar, podendo ser encontrada uma segunda camada sensível a 6 ou 7 cm da primeira de 35 milímetros. O paciente experimenta as mesmas sensações que o operador, quando este se põe em contato com ele. A sensibilidade cutânea desaparece e também a memória dos fatos. Esta não retorna nos estados subsequentes, mas a memória da linguagem permanece, dado que o paciente é capaz de conversar com o magnetizador.

            IV fase de letargia

            5º estado: Simpatia à distância - o paciente percebe todas as sensações do
magnetizador, mesmo sem contato, desde que a distância não seja grande. Não vê mais a aura, mas é capaz de ver os órgãos internos dos seres vivos. Não está mais sujeito à sugestibilidade e esquece-se por completo de sua existência atual. Não conhece senão duas pessoas: seu magnetizador e ele próprio, mas nem os nomes sabe repetir. A partir desse momento, um pouco mais ou um pouco menos, conforme o paciente, a sensibilidade (perispírito), que até então se exteriorizava em camadas concêntricas, na periferia do corpo, se condensa para formar, a cerca de um metro à direita, uma coluna nebulosa de cor azul e um pouco atrás, e depois à esquerda, uma coluna análoga de cor vermelha. Em alguns pacientes - esclarece De Rochas em rodapé - essa formação é em ordem inversa. Ao cabo de algum tempo, as duas colunas se fundem numa só, que vai se definindo até constituir o "fantasma" do paciente, ou seja seu perispírito. Essa figura fluídica permanece ligada ao corpo físico por um fio luminoso e sensível, como um cordão umbilical. (1) A figura desprendida se eleva acima do corpo e o paciente fica em tal estado de euforia que, com frequência, detesta a ideia de retornar ao corpo físico.

            (1) Já tive oportunidade de ver fotografias notavelmente nítidas desse fenômeno, algumas das quais estão reproduzidas aqui.

            É nesse estado último que o paciente penetra com maior ou menor segurança - dependendo da sua posição evolutiva e de suas condições espirituais - nos vastos domínios da lembrança de vidas anteriores. Albert De Rochas prosseguia daí em diante com os passes longitudinais, recuando o paciente no tempo, de vida em vida, aprofundando-se no passado remoto. Nessas condições, o sensitivo parecia  reviver todas as cenas de dor e alegria, plenamente entregue às antiquíssimas e esquecidas sensações que a elas se ligavam. Se a experiência era repetida em outra oportunidade, o paciente repassava pelos mesmos pontos, pelas mesma sensações, na mesma sequência, sem enganos, sem contradições, sem hesitações.
           
            Para despertá-lo, o coronel dava passos transversais, enquanto o paciente voltava pelos mesmos caminhos percorridos, repassando, em sentido contrário e em maior velocidade, suas dores e alegrias.

            As experiências de De Rochas começaram em 1893 e foram até 1910. Durante esses anos testou 19pacientes, homens e mulheres de diversas idades, ocupações e tendências. Confessa que ao começar ignorava o trabalho de outros magnetizadores, mas que verificou depois que as conclusões a que chegaram eram análogas às que ele próprio alcançou.

            Diz que foi por acaso que deu com o fenômeno, na pessoa de Laurent, jovem de 20 anos de idade, paciente precioso porque, dono de alguma instrução, era não somente sensível à magnetização, mas também de “viva curiosidade científica e de acurado espírito de análise”. Além disso, dispunha da faculdade de observar as suas próprias reações, em condições de relatá-las posteriormente com toda a clareza.

            Ao escrever seu primeiro depoimento, em 21 de julho de 1893, Laurent confessa um “vago sentimento de temor”. “A ideia de um sono durante o qual minha vontade seria anulada me fazia quase recusar-me à experiência, se o receio de me acreditarem medroso não se opusesse. Sentimento muito complexo: pavor do desconhecido, respeito humano, no fundo muito banal e – o que predomina de repente – confiança encorajadora no experimentador. No entanto, é com vivíssima emoção que me entrego às mãos do senhor De Rochas, sem esperança de que eu seja suscetível de adormecer.”

            Este relato é aqui reproduzido porque, com ligeiras variações pessoais, o comportamento do paciente se assemelha notavelmente a todas as experiências até hoje realizadas: o temor, a confiança, a euforia, a verificação de que à medida que se aprofunda o estado de desprendimento o paciente vai ficando menos suscetível à sugestão e, portanto, mais seguro de si mesmo. Esta última impressão, no entanto, é falsa. Somente em estado de completa alienação mental, disparado por um de fuga e autodefesa, o espírito perde consciência de si mesmo. O que acontece nos estudos avançados de desprendimento do períspirito é que a memória espiritual não está mais na dependência do cérebro físico, ou seja, o estado de consciência vai com o espírito desprendido, tanto que este continua a conversar  - e com extraordinária segurança e equilíbrio – com seu operador. Só que ao despertar, regressando ao amortecimento do corpo físico, não se lembra do que se passou e do que disse enquanto esteve exteriorizado, para usar a terminologia de De Rochas.

            Esse foi o caso número 1, ou seja, o do jovem Laurent. Até então, as experiências foram apenas tateantes e totalmente limitadas aos procedimentos da existência atual do paciente.

            Somente em 1904, o ilustre engenheiro retomaria suas pesquisas, desta vez com Joséphine, uma jovem de 18 anos. Adormeceu-as por meio de passes longitudinais, “para saber que fenômenos ela apresentaria e fiquei surpreendido ao verificar que, sem nenhuma sugestão, eu a fazia percorrer em sentido inverso o curso de sua vida, tal como Laurent, coisa que eu não observava desde 1893.” O grifo é meu, porque, em casos de meu conhecimento pessoal, também observei a desnecessidade de dar sugestão para reconduzir o paciente ao passado. Logo que desprendido, parece ele na plena posse de sua memória integral e, com algum treinamento, em condições de discorrer sobre qualquer uma de suas existências, apenas com o reforço de mais alguns passes, de vez em quando.

            Joséphine recuava com facilidade à infância. “Ei-la aos sete anos” – diz De Rochas. “Pergunto-lhe o que faz – Vou à escola – Você sabe escrever? – Sim, estou começando.”

            Note o leitor o tempo do verbo: estou começando, como se o paciente estivesse novamente na sua infância, a responder a uma pessoa que lhe perguntava coisas. De Rochas põe lhe uma pena na mão e ela escreve algo a seu pedido; duas sílabas apenas: pa-pa.

            “Após algumas sessões destinadas a treiná-la  e a diminuir o tempo necessário a leva-la ao estado de sua primeira infância, a responder a uma pessoa ao estado de sua primeira infância, tive a ideia de prosseguir com os passes longitudinais. Interrogada, Joséphine respondeu por sinais às minhas perguntas; e foi assim que ele me comunicou, pouco a pouco, em diferentes sessões, que não havia ainda nascido, que o corpo no qual deveria encarnar-se estava ainda no ventre de sua mãe, em torno de quem ela permanecia, mas cujas sensações tinham pouca influência sobre ela.”

            Com o aprofundamento do sono, manifestou-se uma nova personalidade, “com a qual experimentei, de início, alguma dificuldade em determinar sua natureza". É que a pessoa que ali falava agora não queria se revelar, dizendo quem era e onde se encontrava. Respondia com voz de homem, desconfiado, e que estava ali presente, pois que falava; quanto ao mais, nada via, estava no escuro.

            Foi assim, confessa o autor, em extensa nota de rodapé, que se viu lançado "numa ordem de pesquisa que estava longe de suspeitar" e na qual tinha de prosseguir ele próprio, aprendendo com as reações e informações dos seus pacientes.

            Por fim, Joséphine, adormecida, ao cabo de muita tergiversação, começou a responder às perguntas do seu magnetizador. Chamava-se Jean-Claude Bourdon, vivia num lugarejo por nome Champvent, na comunidade de Polliat. Esclareceu que havia dois lugares com esse nome; o dele ficava perto de Nézériat, e que ele costumava ir sempre a St. Julien sur Reyssouse. Com essas informações, foi possível ao coronel De Rochas localizar o vilarejo de Champvent, no Departamento de Ain.

            Foi difícil vencer a sua resistência, captar sua confiança e sacar-lhe os pormenores da sua história. O experimentador usou de um artifício: "envelhecia" o paciente, a despeito dele próprio, para puni-lo da resistência; e o "rejuvenescia", fazendo-o recuar no tempo, para recompensá-lo e estimulá-lo nas respostas. A biografia de Jean-Claude era modesta. Nascera em 1812, frequentou a escola até aos 18 anos, porque "não aprendia grande coisa", serviu no 7º Batalhão de Artilharia, em Besançon. Para testar esta informação, o coronel apurou que o 7º realmente esteve sediado em Besançon de 1832 a 1837, fato que Joséphine não tinha meios de saber, pois era de instrução primária. O comportamento de Jean-Claude com as mulheres não foi muito correto; em vez de desposar a antiga namorada, que deixara quando foi servir ao exército, tomou-a por amante. Envelheceu solitário e morreu aos 62 anos de idade, ao cabo de longa enfermidade. Não acreditava na sobrevivência do ser. Ao reviver para De Rochas os últimos instantes, recusou a sugestão de chamar o padre. Na sua opinião, quem morria ficava morto, e pronto. Em seguida, sente-se preso ao seu corpo físico, e, flutuando em torno dele, assiste ao seu próprio enterro. Ouvia vagamente alguns comentários dos circunstantes. Durante a cerimônia religiosa na igreja, antes do enterro, observou que, quando o padre deu uma volta em torno do seu caixão, formou-se uma parede algo luminosa que impedia que "os maus espíritos" se precipitassem sobre ele. As preces do sacerdote infundiram-lhe calma, mas tudo isso foi de pouca duração. No cemitério, ficou nas proximidades do corpo e o sentia decompor-se, com o que muito sofria. Passou a viver mergulhado em penosa escuridão, mas suportável, porque não tinha grandes crimes a lhe pesarem na consciência - nunca roubou nem matou. A morte não é, pois, o que ele julgava que fosse. Ao cabo de indefinível espaço de tempo, tem a inspiração de renascer num corpo feminino, para expiar as faltas que cometeu contra as mulheres. Aproxima-se de uma senhora que será sua mãe e aos poucos tem a sensação de ir-se apossando do corpo da criança. Até aos 7 anos percebia em torno de si uma espécie de cerração, na qual via muitas coisas que não conseguiu rever mais tarde.

            Reconstituída a história de Jean-Claude, De Rochas recomeçou os passes longitudinais, provocando, durante três quartos de hora, uma prolongada magnetização. Nova personalidade. Desta vez é uma mulher "três méchante" - muito perversa. Língua ferina, divertia-se em praticar o mal. Tinha dores horríveis e às vezes se contorcia no sofrimento revivido. Ao morrer, sente-se envolvida em trevas, à mercê de Espíritos terríveis que a atormentam e aos quais ela acaba por se misturar para, por sua vez, atormentar os encarnados. Chama-se Philomène Carteron. Nasceu em 1702 como Philomène... Charpigny; seu avô materno era um certo Pierre Machon e morava em Ozan. Casou-se em 1732, em Chevreux e teve dois filhos que morreram. Antes dessa, viveu uma existência em que foi um homem violento que matou e roubou, um verdadeiro bandido. Por isso, sofria nas trevas, nos intervalos de suas vidas.

            A experiência não pôde ser aprofundada porque a magnetização durava já três horas, a paciente dava sinais de cansaço e ainda era preciso fazê-la percorrer o caminho de volta. por meio de passes transversais, a fim de despertá-la. No entanto, numa das experiências subsequentes, pressionando com o dedo um ponto no meio da testa, ordenou-lhe o magnetizador que regressasse mais longe ao passado. "Ela me disse, então - escreve De Rochas -, com hesitação e girando a cabeça com um ar confuso, que havia sido um macaco, um grande macaco quase parecido com o homem. Diria mais tarde, em outra experiência, que entre a vida como macaco e a que vivera como bandido havia tido muitas encarnações: lembrava-se de ter vivido nos bosques matando lobos - e ao dizer isso assumia um aspecto feroz."

            Foi com esse mesmo paciente que De Rochas tentou, pela primeira vez, reverter o processo e em vez de penetrar no passado, incursionar pelo futuro, por meio de passes transversais de dispersão, mas as experiências não foram conclusivas. As predições a curto prazo não se realizaram e as que se projetaram a prazo mais longo não foram verificadas, porque depois que a moça deixou Paris nunca mais o experimentador teve notícias dela. Há um pormenor curioso, porém. Numa das sessões, ela diz que já se encontra no futuro e se reencarnara como uma menina chamada Marie. Seu pai é um negociante de calçados em Saint-Germain-du-Mont-d'Or e se chama Edmond Baudin. Sua mãe chama-se Rosalie. Marie declara estar com 12 anos de idade, mas recusa-se a responder qual o ano em que se encontra, alegando que seu pai não gosta de folhinhas. Aos dezesseis anos informa, afinal, que está no ano de 1970 e escreve seu nome. É uma sexta--feira, mas ela não sabe dizer de que mês. O regime político é republicano. Que tal se tentássemos localizar agora, em 1972, a jovem Marie Baudin, em Saint-Germain-du-Mont-d'Or, aos 18 anos?

            Há outra experiência interessante com Joséphine e que confirma observação que também tive oportunidade de fazer. Uma vez alcançado o estado de desprendimento, o paciente pode viajar quase que à vontade no tempo, sem necessidade de magnetização contínua. De Rochas deixou a jovem entregue a si mesma e de vez em quando "conferia" o tempo, fazendo-lhe perguntas. À uma e trinta da tarde, depois de magnetizada, Joséphine é abandonada aos seus próprios recursos, numa fase de suas recordações em que conta 15 anos de idade. Dez minutos depois, perguntada, responde que tem 10 anos. Não vê o experimentador, mas ouve a sua voz. Encontra-se em companhia de outras criança, que não ouvem a voz do coronel e dizem que ela, Joséphine, está louca. A sensibilidade - ou seja, o perispírito - está exteriorizada. Às duas e dez tem 5 anos, às duas e vinte e cinco não sabe da idade. Parece sugar o seio materno. Às duas e trinta e cinco agita-se e parece sofrer. Está passando pelo episódio da morte de Jean-Claude. O coronel dá-lhe passes longitudinais e novamente a deixa só, a partir do momento em que a paciente alcança os dois anos de idade, em sua vida atual. Em suma, Joséphine precisa de uma hora e quarenta e cinco minutos para percorrer 14 anos (dos 4 aos 18) e deverá acordar naturalmente às quatro e meia; mas, de certo ponto em diante, há uma aceleração no processo e ela desperta espontaneamente às quatro horas e oito minutos.

            Para fazê-la recordar-se do que se passou com ela, o coronel faz-lhe uma pressão no meio da testa.

            Seria impraticável reproduzir, num breve trabalho como este, experiências e comentários de um livro de mais de 500 páginas. Tomemos algumas características dominantes e que se reproduzem, de uma forma ou de outra, em outros pacientes. Eugénie (caso nº 3) vê ao seu lado, depois de desprendida, os Espíritos de sua avó e de uma de suas tias. Com esta paciente, são bem sucedidas as experiências de progressão. De Rochas tenta chegar a acontecimentos futuros por meio de passes transversais. A paciente tem 35 anos de idade na vida presente. Ao chegar aos 37, levada pela magnetização, manifesta os sinais do parto e sente-se envergonhada por não ser casada. Isto deveria passar-se no futuro ano de 1906. Alguns meses depois, apresenta sintomas de afogamento e De Rochas leva-a dois anos à frente. Novos sintomas de parto. O experimentador lhe pergunta onde se encontra naquele momento.

            - Em cima d'água, diz ela.

            A resposta pareceu estapafúrdia e ele concluiu que a moça divagava. Em seguida, despertou-a. Não obstante, tudo quanto ela predisse realizou-se. Em 1906 teve um filho de um amante. Pouco depois, desesperada, atirou-se ao rio Isère e foi salva. Enfim, em janeiro de 1909, novamente grávida, sentiu as dores do parto quando se achava exatamente em cima d'água, numa ponte do rio Isère...

Platão


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