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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

36. 37. 38. 39 (Final) 'Rimas do Além Túmulo'


36
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

Apêndice

Críticas e Réplicas

            Tendo sido divulgada na imprensa, a título de reportagem, a composição BENÇÃO DO  PAPA, alguns dias depois veio o cônego Andrade Pinheiro, figura de destaque no clero paraense, comentar, pelas colunas de órgão católico, aqueles versos com as seguintes palavras:

            “A Benção do Papa e o Espiritismo

            Se há neste mundo e entre os homens, na vida humana, na família e nas nações bem como nas sociedades polidas, coisa que mais mereça respeito, consideração, acatamento, veneração é a bênção dos pais. Despreza-la fora injustiça, fora loucura, fora falta de senso, fora queda da razão, fora a mais nojenta descortesia, fora a negação de um dos mais nobres sentimentos do coração humano, que é a gratidão, A bênção de um pai, de um amigo, de um protetor, de um dos nossos avós, de um padrinho, de um ancião carregado de anos a um jovem na primavera da vida tem um não sei que de profundamente sagrado e de elevado, que a ela nos curvamos, e lhe prestamos as homenagens que merece. Se, pois, tão santa e tão respeitável é uma benção, seja de um grande da Terra, seja de um pequeno deste mundo, e se é ela objeto de apreço, reconhecimento e respeito, qual não ha de ser o mal em contrário que é a maldição; nas Sagradas Letras temos e admiramos as efeitos das bênçãos dos servos de Deus, dos profetas, dos patriarcas e do próprio Jesus Cristo, Salvador do mundo. Por igual vemos e ficamos estupefatos e aterrorizados com os efeitos das maldições! Ditoso do filho que todos os dias recebe o grande benefício da bênção de seus pais; ou presente ou ausente um filho bem criado recebe a bênção de seus progenitores como uma proteção e um grande beneficio do céu. Oh! como é doce, como é sublime, como é alvissareira a benção de uma boa e carinhosa mãe! Como é salutar, animadora e admirável a bênção de um pai estremecido!

            Estas ideias nos correram á mente quando ao depararmos os assuntos da imprensa diária, nela lemos as blasfêmias contra a benção do Papa, o maior vulto da humanidade, o pai por excelência dos fieis católicos, esparsos por todo o mundo universo. Ninguém tão pai como ele, ninguém tão amigo fiel e carinhoso como ele ! Nemo tam pater (ninguém é pai),  como Ele! O que dizia Santo Agostinho de Deus, podemos com toda razão dizer do PAPA, INCARNAÇÃO VIVA DE DEUS NA TERRA (1). Vigário de Jesus Cristo na Igreja universal. Blasfemar da bênção do Papa, benção tão desejada, tão sagrada, tão digna, tão amorosa e tão cheia das mercês do céu e das graças de Deus, é coisa inaudita, é coisa que todo o homem de senso e de dignidade deve calcar aos pés e repelir para bem longe de si, de seu lar e dos seus entes queridos.      

            (1) Os grifos correm à conta da transcrição.

            Pois, meu caro leitor, esta foi a blasfêmia ou estas foram as blasfêmias que a seita espiritista ou espiritada mandara publicar nestes últimos dias na imprensa para edificação dos incréus, dos ímpios, e para a reprovação e execração dos católicos! A poesia blasfemadora ou blasfematória diziam que é da pena do finado poeta luzo Guerra Junqueiro.

            Mas convém saber que este grande poeta morrera contrito e arrependido dos seus imensos pecados; renegou seus erros e impiedades, e mandou que inutilizassem os seus maus livros e os queimassem, declarando ainda que foram eles os desvarios de sua mocidade e de grande parte de seus adiantados anos. Logo, foi o espiritismo cavar nos arquivos do poeta luzo, condenados por ele próprio, para deles tirar aquela peça (2) que se não pode ler sem asco e sem horror. Quando o espiritismo se arrisca a tanto é porque está cavando cada vez o buraco, onde se há de enterrar. Quando o espiritismo atira tão asquerosas injúrias contra a bênção do Santo Padre, é porque tal seita está completamente DESMORALIZADA, e perdida no conceito publico. Não se pode compreender como é que uma seita, que anda tanto com o nome de Jesus na boca se atreva a tamanhos insultos e desatinos! Não, o espiritismo não é religião, não é nada disto, está composto de um bando de DESEQUILIBRADOS e blasfemos inauditos! E com isto vai perdendo terreno na opinião, e no pensar dos homens sérios e criteriosos. Quando o espiritismo diz tudo aquilo que mandou dizer pela imprensa contra a sagrada bênção papal, é porque o espiritismo está no desespero e é capaz de todas as ousadias indecorosas.

            (2) Afora o falso testemunho de afirmar que tenhamos recorrido ao arquivo deixado por Guerra Junqueiro, o que equivale dizer que esses papeis vieram para o Brasil, - convém acentuar que a poesia em causa (veja-se página79) se refere ao recente acordo assinado entre Pio Xl e Mussolini, e que o grande Bardo desencarnou há mais de um lustro, em 1923.
            A verdade e a lógica do reverendo cônego...

            Falar mal da bênção do Papa e tentar menoscabar dela, enxovalha-la em público, cobrindo-a de injúrias e baldões (contratempo, desventura), é cair na mais deslavada protervia (ausência de prudência; imprudência ou insolência) e no mais assentado descrédito. Até um advogado, que se diz letrado, quis também dar seu par de meias no injuriar a bênção do Santo Padre. Esse moço bacharel, com certeza, ainda não estudou e não sabe o que é a Igreja, o que é o Papa e o que é a bênção do Santo Padre: Ignorância! Aí ficam estes conceitos, bem próprios a convencer aos amigos do bem, da religião católica e da verdade, qual ódio e a mendacidade (hipocrisia, falsidade) que lavram nos arraiais espíritas contra o Sumo Pontífice, Chefe da Igreja de Jesus Cristo.
14-3-929.
Andrade Pinheiro
                                                                                   *           

            O Espírito de Guerra Junqueiro, em uma das sessões imediatas, replicou. E embora reconheçamos que esses versos não se destinavam à publicidade, pois eram apenas o reflexo do carinho espiritual seu para com os do Grupo Espírita ROUSTAING, dirigentes e frequentadores, julgamos dignos de figurar aqui (o que decerto nos perdoará o magnânimo e querido Amigo.

            Eis a réplica:

            Ao Andrade Pinheiro

            Pinheiro, a Igreja está bem desmoralizada, embora que a aparência encubra esta verdade. Quem te fala não é uma alma aprisionada à Matéria, mas um ser já em liberdade, livre das convenções, livre das pequeninas coisas que ao Espirito fazem vacilar: meu irmão, eu contemplo luzes diamantinas que na existência nunca pude lobrigar. No fim da minha vida, a perda da memória me fez também perder a luz da Inspiração; para mim, nada valem títulos de glória da Terra: só desejo chegar á Perfeição. Já não pode atingir-me sanha dos “ministros”, estou liberto do invólucro material; podem dar expansão aos ódios seus, sinistros: não causa mais terror a excomunhão papal!

            Tu me tens tanto ódio, e eu te estimo tanto! e lamento quereres tu, na atualidade, esconder, sob a treva do enganoso manto do Absurdo, o clarão imenso da VERDADE.

            Não me admiro, não, do teu espalhafato: o clero luta contra a própria EVOLUÇÃO, e, compreendendo que o Espiritismo é um fato e que o mundo atual não teme a excomunhão, limita-se vãmente a espalhar pela imprensa um punhado de asneiras à “vil heresia”, tentando inutilmente implantar a descrença e os humanos cegar a pó de sacristia...

            Continuo a afirmar que o abuso e a mentira são males que merecem guerrear cerrado: eu enfrento com calma o fogo da tua ira, embora me intitules - desequilibrado.

            Mas... não diz que o “papa é a encarnação de Deus”, quando ele é apenas um grande industrial que já fez dizimar inúmeros ateus - por terem descoberto a farsa clerical.

            E como era costume o papa, antigamente, do alto - do seu trono abençoar o mundo, agora Pio XI, audaciosamente, reaver de novo quis esse poder profundo na época atual. Mas isto já é cúmulo da audácia, pois afianço: dos dogmas a fúria não pode sufocar as vozes do Além Túmulo; Espíritos não temem protestos da Cúria!

            O clero, por astúcia, tem o atrevimento de insultar a doutrina que prega a VERDADE, e no tumultuar do seu desvairamento busca sempre enganar a pobre Humanidade.

            Toda essa multidão de homens de batina, que tenta acorrentar a consciência humana, não poderá manchar a sagrada doutrina que os humanos conduz à senda soberana.

            Ninguém pode fugir à real evidencia, embora os clericais pretendam reduzir a cinza estes ensinos que na consciência humana esclarecer vem um novo porvir.

            Eu bem que te compreendo, ó Andrade Pinheiro! O meu olhar arguto penetra a tua alma: o Espiritismo, vês, se espalha ao mundo inteiro, - eis o motivo que te faz perder a calma!

            Engolindo Jesus, na “hóstia consagrada”, e bebendo o seu sangue em vinho preferido, os padres bem compreendem que isso é uma farsa, mas apregoam que no - JESUS DIGERIDO - está “santo mistério”, uma coisa extraordinária - que cristãos nao devem buscar analisar, pois merece castigo a alma salafrária que indagar por que o CRISTO SERVE DE MANJAR! Isto seria escandaloso para os homens honestos que trincam, fervorosos, hóstias diariamente: provocaria grandes e ríspidos protestos no seio virtuoso da piedosa gente! Mas como o Espiritismo é medonho invento do sábio Satanás (que é um clérigo ilustrado), conseguiu acender no humano pensamento a luz que ao clero faz tombar, desnorteado; - a Igreja, que simula ter toda a verdade e há séculos tem lançado anátemas às seitas, já não pode fugir à dura realidade, agarrada aos destroços de ilusões desfeitas...

            E eis que vê surgir da fria sepultura um bardo que pensou pra sempre adormecido, e qual gigante de uma incrível estatura, brandindo enorme lança,- ataca destemido o clero, o cru algoz de ideias progressistas, que, lépido, procura com habilidade insuflar ódios contra os espiritualistas e encher de fanatismo a tola cristandade.

            Mas não conseguirá eclipsar o sol que brilhou para o bem do Espírito Moderno, fazendo-o despertar para um novo arrebol, para a eterna paz, para o sossego eterno. 

            Meu caro: o Espiritismo é seita “diabólica”, pois tem como alicerce a luz da CARIDADE e não pratica o BEM como a igreja católica - que vende os “sacramentos - com toda a piedade... 

            Amedrontando as almas com ir pro Inferno, a igreja conseguiu encerrar em prisão a fraca Humanidade que, em pavor eterno, gemia na pesada e “santa” escravidão; mas, hoje, meu amigo, as coisas estão mudadas, tudo remodelado pela EVOLUÇÃO, e o Inferno, repleto de almas condenadas, desfez-se, fulminado ao sopro da RAZÃO!.. (Peço, meu caro, que te acalmes, não te irrites; o ódio prejudica a alma e a saude; um abalo maior é preciso que evites; Jesus aconselhou a paz, mansuetude.)

            E, para terminar, ó Andrade Pinheiro, embora me fulmine a tua maldição e me batizes mesmo de ímpio, aventureiro, - eu te rogo que aceites o ósculo do irmão.

Guerra Junqueiro





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‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

*

            Outras “criticas” houve, algumas das quais o Poeta se referiu; mas não julgamos merecedoras de especial menção. Nos versos abaixo, já publicados e precedidos das palavras que a reportagem jornalística lhe ajuntou, pensamos estar a resposta a todos: aos doutos, aos bonzos, aos incrédulos e aos espíritas meia-tigela.

            Foi esta a publicação feita na FOLHA DO NORTE, em sua edição de 19 de Maio de 1929:


“Nos Domínios do ESPIRITISMO
Uma sessão no Grupo Espírita ROUSTAING”

            Muito Interessante, sob certo ponto de vista, a sessão doutrinaria realizada quinta-feira última por esse núcleo de propaganda espírita e a qual assistiram cerca de quinhentas pessoas.

            Depois da prece inicial, de rigor nessas reuniões, e lido o ponto de estudo, que foi o Sermão da Montanha (vers. 1 a 12 do Evangelho de Mateus, cap. V, a continuar), reapresentou-se o Espírito que dá o nome de Guerra Junqueiro, declamando, incorporado na médium, senhorinha América Delgado, os versos que damos a seguir.

            Um curioso detalhe é que, depois de recitados, o Espírito os dá por audiência, à médium e esta os escreve, enquanto um orador, a seu lado, explana o assumpto do ponto em estudo.

            Na sessão a que nos referimos, o orador se ocupou largamente, em correlação doutrinaria, da Família, referindo-se à obediência das filhas - que tem nas mães a melhor e inexcedível amiga. Ao que parece, em consequência dessa explanação, que foi, como dissemos, ampla, manifestou-se, no final da sessão, o Espírito da infortunada atriz portuguesa Maria Alves, assassinada há cerca de dois anos pelo conhecido empresário teatral Augusto Gomes.

            Incorporada na médium, comovidíssima, chorando mesmo, Maria Alves dirigiu súplice apelo a todas as filhas, lembrando o seu caso, pois desprezara os conselhos maternos, abandonara o lar, fascinada pelos brilhos do inundo, causando à sua pobre mãe - que a amava com verdadeiro fanatismo - as maiores dores, o mais inconsolável pranto.

            Tanto esta manifestação, quanto à atribuída a Guerra Junqueiro, causaram intensa emotividade, provocando lágrimas em quase toda a assistência.

            São dignos de desapaixonado estudo os trabalhos de Grupo Espírita Roustaing, e ali já se notam elementos de destaque social e muitos intelectuais da ciência, da literatura e da religião, entre a vultosa assistência.

            Eis os versos supra referidos:

                                               Aos Doutos e aos Bonzos

            Fazeis questão do estilo e metrificação... que pena! Eu, que perdi a antiga ilustração, hoje sou pequenino, analfabeto mesmo; envolto num burel, ando a rimar a esmo; como um proscrito, sigo animado ao bordão da Fé, que faz nascer a viva inspiração, que vem de Deus. Incréus, atirai ironias; é conveniente, em suma, a estas heresias que escrevo, e é de ver como a revolta surda explode com furor contra a “verve” absurda de um poeta falido que não saúda a Egreja pelos crentes que faz (é moda, e a moda, seja exótica ou perfeita, é mister ser seguida por aqueles que têm um bom nome na vida) .... Que lhes importa a Lei? A Lei é muito dura. O obreiro que se verga ao peso da amargura, por amor à Justiça, e não cai, é mal visto. Os doutos falam bem, amam a Jesus Cristo, e as vaidades da Terra, e está muito direito... Para ser homem bom, trabalhador perfeito, não é justo padecer; o gozo, a alegria são acordes que arrancam a alma à nostalgia monótona da vida, e quem diz o contrario é tido como um doble pária refratário ao progresso atual que provoca o delírio.... É muito bom subir as escada do Empíreo (o lugar mais alto do céu) ornado de veludo e finas pedrarias, e, lá cima, encontrar, entre mil sinfonias, num trono de ouro fino, como que engastado, um velho, de olhar flâmeo, calvo, desdentado, que gosta de atender às súplicas dos entes, cumpridores da Lei, que olham os mais crentes com o orgulho formal dos que não têm pecado, pois ao Altar dão mimo (e enxotam o chagado que tem a petulância de lhes ir á porta!). Vaidade! Exibição!.. o resto pouco importa. Mas, quando depararam olhos dos papistas as rimas que alvejavam bonzos com modistas, os doutos exclamaram: É anomalia, um Junqueiro que ataca o Erro, a Hipocrisia! É falso, e não pode jamais ser verdadeiro! Fora esse bardo coxo, esse Guerra Junqueiro fingido que compõe versos de tal jaez, na linguagem brutal de quem o português não sabe! Para baixo o poeta macanjo (velhaco, tratante), que não usa batina, sem resplendor de anjo! Mas, se fosse um Junqueiro açucarado, fino, embora que, em verdade, bardo clandestino, ou aedo (poeta) senil que tecesse epifalâmios (?) à Igreja e ao Mundo, esses noivos de flâmeos topetes gloriosos, já divorciados por serem desunidos, serem mal casados; e que viesse enfeitar com uma áurea capela o vício aristocrata que almas esfacela, com a desfaçatez de cônego cevado -o lucro embolsando ao fazer o batizado, o povo conclamava, É ele, é o Junqueiro! Oh! que verve admirável, estro (inspiração) sobranceiro! Um prodígio! Quem ousa dizer que é mentira? É o vate lusitano a dedilhar a lira, no mesmo entusiasmo! Oh! estilo profundo: ELE AFFIRMA QUE A IGREJA HÁ DE ENGULIR O MUNDO! Si fosse assim, ó Deus, os lacaios do Altar sem a mínima dúvida haviam de achar nestas rimas aquele mesmo sentimento que possui na vida em rijo pensamento e que ainda perdura... Agora renasci. Se vacilei outrora, já fortaleci. Apreciais no verso o fogo do artifício!.. Por Deus, não aumenteis o meu atroz suplício: como posso formar lindas frases brilhantes? O meu talento se foi, alou-se às distantes regiões siderais do Evo (eterno) sitibundo (sequioso). Eu baixo, a meditar, em torno deste mundo, perscruto a alma humana, esse louco batel que vaga sobre um rio de lágrimas e fel. Também eu verto prantos e, por ela, aflito, oro essa Prece que através vai do Infinito, arroja-se no Espaço, e milagrosa faz, em vibrações sutis de esplendorosa paz, o servo pequenino alar-se ao Pai clemente por uma dútil, mas indômita corrente. Ó doutos, ante vós, de rótulas no chão, prosterno-me, humilhado, em genuflexão... Que vos há de dizer pobre vate decrépito? Se vos escandaliza o vergonhoso estrépito que estas rimas provocam em torno aos sabidos, prendei num calabouço esses intrometidos Espíritos que vêm, de lá da Eternidade, ideias perturbar da tola Humanidade; e que são, para vós, nocivos elementos, pois vêm esclarecer os turvos pensamentos dos humanos. Mostrai, então, vosso poder; a Verdade esmagai, fazei prevalecer o regime das eras em que a Igreja tinha neste mundo o valor de fúnebre rainha. Mas cautela! pois, bem inesperadamente, o luzeiro que ainda há de vir, resplandecente, libertar Prometeu da sórdida opressão - há de lançar por terra essa maquinação que vos faz desvairar. Ouvi-me, ò insensatos, não podeis destroçar a lógica dos fatos!..

            (Louvai sempre ao Senhor pelas inúmeras graças que alcançais).

Guerra Junqueiro



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‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

            A MUSA DE GUERRA JUNQUEIRO NO ESPIRITISMO

            Sob o título acima publicou a “FOLHA DO NORTE” em edição de 23-9-929, o seguinte: -

            “Circunstância fortuita colocou um de nossos colaboradores em roda amiga, constituída por três pessoas, na occasião da leitura de uma carta a ser enviada para fora desta capital, tratando das poesias ultimamente divulgadas sob o nome do finado poeta lusitano Guerra Junqueiro.

            Embora com alguma dificuldade, o nosso colaborador conseguiu cópia do principal trecho dessa missiva, que julgamos interessante oferecer aos nossos leitores:

......................................


            “Peço licença para destacar daquela sua missiva os reparos feitos a propósito dos versos mediúnicos do nosso mui amigo e querido Guerra Junqueiro.

            Comecemos pela grafia da palavra Igreja. Não sei se Junqueiro escrevia assim, tal qual v. confessa ignorar. Afirmo, porém, para não alongar citações, que no artigo “Sacre coeur”, (“Prosas dispersas”), ed. Chardron, 3ª, I926, pág., 8 e 9) está aquela grafia. Se o certo é Egreja - e ali se encontra “errado”, com I, é de crer que o “erro” represente um ato de respeito à ortografia do então já finado autor. Não lhe parece? Tenho, além disso, edições portuguesas de obras do poeta com idêntico feitio ortográfico.

            Talvez não fosse de todo absurdo chamar a sua atenção para as regras de um sr. d. Uso, que tem legalizado certas formas de grafia; mas, não o faço, porque não sei latim e não posso, por isso, avaliar si v. tem razão quando diz que a nossa brasileiríssima Igreja vem do latim - Ecclesia. Jayme de Seguier, por exemplo (“Dicc. Pratico Ilustrado”, ed. Chardron, 2ª, 1928, pag. 581, 1ª col.), manda escrever com I, e diz que a origem é do português antigo - Eigreja. Modos de pensar, como vê, meu caro...

            Muito mais interessantes são as aparas que v. faz na métrica dos versos - “Clama, ne cessas”, oferecidos a v., e as outras, que cita, referentes à poesia – “Aos Ministros da Igreja”.

            Respeitando todas as opiniões, não teria eu despertada a curiosidade, no seu caso, se v. não houvesse frisado - com delicadeza, mas peremptoriamente - que “desde os primeiros albores da inteligência lê, conhece e admira Guerra Junqueiro - seu - mestre”, ficando implícita a familiaridade com as respectivas produções poéticas, todas.

            E, diante da sua critica de agora aos versos “Aos Ministros da Igreja”, sou levado às pontas do dilema: ou v. há muito tempo não lê Guerra Junqueiro, ou a sua memória está falhando. E isto porque o Junqueiro, mediúnico, que tanto está escandalizando os “fariseus  da crítica”, segundo sua bela frase, é o mesmíssimo de outros tempos.

            Não sei si v. conhece o proibido estudo de Tomás da Fonseca, discípulo e amigo intimo, - "Guerra Junqueiro- Como ele escrevia”. Conforme se aprende nesse opúsculo, Junqueiro jamais rascunhava suas poesias. Imaginava-as, durante o percurso de longas caminhadas, e depois as transmitia, em forma definitiva, ao papel. Desses verdadeiros e geniais improvisos nos diz o próprio bardo: “Mergulhado, absorvido, assim, por esse esforço mental, realizo, às vezes, longas caminhadas, marcha de léguas. Voltando à casa, sento-me à banca de trabalho e, SEM UMA HESITAÇÃO, SEM UMA EMENDA, CONFIO AO PAPEL TODA A COMPOSIÇÃO. NA SUA FORMA DEFINITIVA. NUNCA PUDE COMPOR DE OUTRA MANEIRA. (Ed. Coimbra Editora Lim., 1924, pago 9).

            Ora, se na vida material o feitio da sua musa foi SEMPRE o da improvisação, não é possível exigir que, em Espírito, ele minute previamente os versos que nos diz e esteja, de papelucho em punho, embora invisível, a ler bem medidinhas rimas. E v. concordara em que, no improviso de uma centena de versos (“0 Ladrão” se compõe de 227), é impossível saírem – todos - certos, perfeitos.

            E por que do improviso resulte a imperfeição, Junqueira, em vida na Terra, escreveu e publicou muitos versos defeituosos, que a revisão nem sempre corrigiu. Se isso não mareou a glória do poeta, foi porque a sua genialidade não permitia reparar na FORMA: a beleza
inexcedível da frase, da tese, empolgava, arrebatava e permanecia vibrando no pensamento do leitor. Eu o tenho por maior, exatamente porque, não sendo PERFEITO, lMPECÁVEL na métrica. excedeu e deixou muito longe os “cinzeladores da forma”, os aplaudidos autores de versos impecáveis, porém marmóreos artifícios de técnica, mas vazios de sentimento.
 


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‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina


            Reconheço- e que isto fique bem entendido - a boa e pura intenção dos seus reparos, mas há injustiça em alguns. V. se atira a estes versos, para notar lhes a falta de hemistíquio (cada uma das duas partes de um verso dividido em dois) alexandrino:

e que amparava a infância com divino amor
que celebrais a missa- pela caridade
Eu bem sei que existiram alguns missionários
da Igreja que cumpriram grandiosas missões:
mas, estes, não passaram nunca de operários,
os mártires cobertos de sedas e rendas...

            Mas v., nem mesmo empunhando a lanterna de Diógenes, será capaz de descobrir onde estão as censuras alexandrinas destes seguintes versos, que Junqueiro publicou aos 46 anos de idade, em tempo de saber o que são hemistíquios ALEXANDRINOS:

As tremendas calamidades da nação
telepatias, bruxarias, judiarias
pesa de mais para profeta ou visionário
o mal-estar... desassossego... uma aventura...
no entretanto, parada feita: jogo ao rei
de maneira que apenas eu, sublime idiota,
se emigrando me vejo livre de tal peste,
fico por lá... não torno mais... fico de vez...
Incrível! No momento grave em que a nação
e assim vamos alegremente, que loucura!
Já não é tempo ... As lavaredas da fogueira
que as vítimas seremos nós, infelizmente!
Não abalemos, galhofando, assim à toa         
segundo ronde a ventania lá por fora
Trinta e nove gran cruzes, hã! no mesmo peito...
E o povo gosta deixe lá... De mais a mais
Não precisamos outras leis... Há leis à farta!
Cumpram as leis..! Dentro da Carta realmente.
Desvairamentos. .. circunstâncias europeias...
derem de si em conclusão regime novo...

            Sabe v. onde se encontram esses VINTE versos sem hemistíquio alexandrino? Todos na primeira cena da “Pátria” (note bem, só na primeira), livro que é, sem embargo, maior do que todos os elogios que lhe fizeram. Posso citar outros tantos, se v. quiser...

            Contra este v. investe por verificar que, além de estar sem urdidura (?), tem 13 sílabas:

            por única resposta, sorriam com brandura.

            Parecerá um cúmulo que se atribua ao IMPECÁVEL Guerra Junqueiro tal absurdo poético, ao “poeta de raça”, ao mestre da rima, etc., etc...

            Entretanto, peço a v. que pergunte aos “críticos” (a quem v. alude) quantas sílabas se contam nestes que Junqueiro escreveu e reviu em vida na Terra:

            Para estabelecer na luz as curvas sensuais

            do Introito da “Morte de D. João” (para encurtar citações), 8ª ed., da Livraria Editora Jacintho, Rio, 1902, pag. 12;

            A retalho. É de graça: o quilo a meio tostão

            da “Velhice do Padre Eterno”, nova ed. da Empresa Literária, Lisboa, pág. 153;

            Era a Esperança, meu Deus, que eu tinha imaginado

            da “Musa em Férias” 7ª ed., Parceria Pereira, 1923;

            Eiras de sonho, grutas de gênios e de fadas

            da “Pátria”, edição citada, pag. 58.

            E olhe que não lhe cito coisa idêntica em “Os Simples” só porque nesse livro não há composições no metro de 12 sílabas ; mas, ainda assim, entre os 16 únicos alexandrinos que figuram na poesia “Canção perdida”,    eu não juro que este o campo, Anoitecendo e adormecendo, exala 

            tenha A RIGOR, l2 sílabas, segando nós outros, os leigos, contamos...

            Mas, onda foi v. mais injusto? Foi quando, apontando este verso quando a crença é robusta, nada a destrói ou abala do “Aos Ministros da Igreja”, escreveu que isso era “IRONlA JAMAIS PRATICADA PELO GUERRA!”

            Ora, meu caro, tal opinião, naturalíssima num “fariseu da crítica”, não assenta em espírito, qual o seu, habituado a, “desde os primeiros albores da Inteligência”, ter trato com o grande poeta. Escandalizou-se v. com as 14 sílabas? Pois vamos ver, nas edições citadas, estes versos:

Ai ao relento, ai ao relento, sonham cavadores!
Sono de arminho... colchão de terra, lençol de flores!

            estribilho que se repete, no mesmo metro de 14 sílabas, na poesia “Campo Santo”, de “Os Simples”, págs. 109 a 112;

A lua morta boia nas nuvens toda amarela...
Corvos marinhos, corvos daninhos, pousam sobre ela...

            versos que, seguidos de mais 6 do mesmo ritmo, v. encontrará à pág. 77 da “Pátria”, sendo inúmeros outros, de 14 e de  16 sílabas, encontrados em várias páginas. Não os aponto para evitar os bocejos da enfadonha leitura destes despretensiosos comentários.

            Quanto a v. estranhar a presença de dois versos (o 96º e o 97º) com 10 e 11 sílabas, em vez de 12, atribuo a lapso de memória, pois sabe que o grande Junqueiro costumava interromper a monotonia do ritmo de suas poesias, intercalando outras medidas, verdadeiras pausas de leitura, de real efeito. Ha composições e trechos em que estão empregados quatro e cinco ritmos diferentes.

            Em resumo, meu caro, nós precisamos mostrar, com os livros do nosso excelso e fiel amigo, que o Junqueiro mediúnico é o mesmo e idêntico Junqueiro que emocionou e comove ainda a todos que lhe sentem a magia dos versos, ou antes, dos ensinamentos empolgantes.

            Não julgue v. que por aqui faltasse a crítica dos “admiradores” que, das obras de Junqueiro, conhecem... “O Fiel”, “O Melro” e a “Caridade e Justiça”. Houve; mas, por junto, o Espírito deu a merecida resposta – “AOS DOUTOS E AOS BONZOS”, que vai inclusa. Nesses versos encontrará alusão aos que, dizendo-se espíritas, suspeitaram de apócrifas as poesias, pois é curioso assinalar isto: dos que vieram a público, para reivindicar as glórias do IMPECÁVEL bardo”, apenas um, o cônego Andrade Pinheiro, admitiu que fossem autênticas, atribuindo que tivessem sido exumadas do arquivo-espólio do vate. Apenas ele, um corifeu da Igreja, parece incrível!

            O mal, v. deve saber, está na falta de leitura, de estudo, na mania de repetir de oitiva o que outros vão dizendo mais ou menos a esmo. Não será disto frisante exemplo chamar-se a um homem virtuoso e austero - Catão? Entretanto, Catão, o antigo, o censor, foi usurário, avarento (e v. sabe que a avarícia (o mesmo que avareza)  é um dos maiores cancros da alma, cruel para os seus escravos, bêbedo e, na velhice, devasso. E... “cosi va il mondo”. Mas, nós outros, os espiritas, precisamos estar sempre na estacada, prontos a defender a Verdade, dispostos e expostos ante aqueles que investem contra as conquistas do nosso modesto porém sincero trabalho de adeptos da Terceira Revelação.

            E, no caso do nosso mui querido e amigo Guerra .Junqueiro, precisamos desfazer a balela de “impecável” com a qual se pretende amesquinhar, desmoralizar as manifestações desse Espírito iluminado e bom. Digamos, afirmemos, sem timidez ou receios injustificados, que ele não foi um fetichista das regras da métrica, das clássicas pausas tônicas dos versos choramingas; mas, apesar disso, foi o mais formidável poeta-filósofo em seu tempo e tão grandioso quanto o foi seu mestre Victor Hugo.

            Agora resta que v. perdoe estes desalinhavos, escritos com o intuito de prevenir sua atenção no sentido de ser, aí, um defensor das “RIMAS DO ALEM-TÚMULO”, já no prelo. Guerra Junqueiro aquiesceu, generosamente, em auxiliar o respectivo trabalho; as falhas que v. notar serão devidas à imperfeição dos instrumentos de que o Espirito teve de servir-se, pois bem sabemos todos quanto somos ainda canhestros no serviço dos Espíritos, evoluídos ou não.

            No prólogo do livro há alguns outros detalhes interessantes sobre o versejar de Junqueiro, pormenores que omito aqui por parecer-me demasiada já a dose de... ópio “literário” propinado à sua paciência e delicadeza. Demais, eu, para estas coisas de epístolas e “críticas”, nunca tive feitio e jeito e engenho e arte.

            Abraços cordiais e votos de saude, paz e prosperidade do seu sempre muito grato e admirador.
A. Martins de Castro

FIM


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