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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

1. 'Apreciando a Paulo'



I
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


“Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar,
segundo a sua boa vontade.
Fazei todas as coisas sem murmurações e contendas.
Para que sejais irrepreensíveis e sinceros,
filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração
corrompida e perversa, entre a qual resplandecia como astros do mundos”.
 Filipenses, 2:13 a 15.


            Paulo, o iluminado apóstolo dos gentios, é o maior vulgarizador do Cristianismo. Perduram suas palavras, cheias de ensinamentos, sistematizando a doutrina do meigo Nazareno, transmitindo-a, em seus vários aspectos, à Humanidade sofredora e imperfeita.

            Antes de tudo, precisamos compreender que Deus é quem opera na vida, e tudo o que se realiza é por Sua vontade, apesar de sermos relativamente livres, dentro do determinismo divino. O mal vive a serviço do bem, mesmo inconscientemente, para que a lei se cumpra. Assim, até o escândalo é necessário, embora desgraçado seja aquele que cansa o escândalo. (Mat., 18:7.) No tumultuar dos interesses, no entrechoque das preocupações diuturnas, o homem é livre de escolher entre os fatores determinantes da conduta. Mas o Cristo ensina, aconselha e recomenda que procuremos ser bons, regenerados, tolerantes uns com os outros, na família e na sociedade.

            Todavia, Deus é quem opera a diretriz suprema dos fatos. Se formos corretos, cumpriremos com o dever, mas é a Ele que cabe a direção de nossos destinos. Os acontecimentos desenrolam-se dentro da lei, de forma que a cada um será dado “segundo as suas obras”. (Mat., 16:27.) Todavia, como as vidas são sucessivas dentro da eternidade, pois que existe a reencarnação, o presente está ligado ao passado e determina o futuro. Portanto, sofremos às vezes os imprevistos, mas aquilo que à primeira vista nos parece injustiça é a consequência de velhos erros, de passadas culpas, de que estamos sendo redimidos pelo fogo do sofrimento, que purifica e eleva o Espírito, mesmo porque este mundo é planeta de provas e expiações.

            Mas se a regra geral é a expiação das culpas, como acima descrevemos, há sofrimentos também que são meras provações, para que fique patenteada a sinceridade da fé ou a firmeza nos propósitos de regeneração. Daí o valor da tentação, que é verdadeiro exame a que o Espírito se submete, razão por que o Cristo aconselhava a necessidade de orar e de vigiar, pois somos seres falíveis.

            A felicidade real não existe na Terra, e aqui não a devemos buscar, nem insistirmos na tola vaidade de a conseguirmos, pois é na vida eterna que a poderemos encontrar, quando nos transformaremos, pela purificação, em seres divinos, já que somos filhos de Deus ou deuses em potência. (João, 1:12; Deut., 14:1; Romanos, 8:14.)

            Contudo, não sejamos pessimistas, nem murmuradores, como recomenda o apóstolo, mas convém vivermos alegres e conformados com a vontade do Pai, sem que isto impeça de nos esforçarmos, o mais possível, para que nossa vida melhore, sob todos os aspectos.

            Não nos é dado buscar o sofrimento, voluntariamente, com o pretexto de evoluirmos moralmente, pois Deus é quem sabe o que nos convém e Ele é o supremo Senhor da vida.

            Assim, os ciliciadores, os que impõem o sofrimento a si mesmos, estão errados, por fanatismo ou por vaidade de conseguir o reino dos céus, que não é violentado, mas adquirido pelo amor. Nosso Senhor mesmo declarou: “Misericórdia quero e não sacrifício.” (Mat., 9:13)              

            As contendas, as discussões violentas, mesmo sinceras e em prol da verdade, também são condenáveis, porque estéreis, irritantes e contraproducentes, de vez que mais visam impor do que convencer, e não se pode e nem se deve forçar o entendimento alheio, já que “tudo tem o seu tempo prescrito”, como diz o Eclesiastes.

            Se há oportunidade de esclarecer, que o façamos; mas, se há resistências mentais e contrariedades, mude-se o assunto, espere-se momento oportuno e adequado. Se não aparecer, é porque a terra que se pretendia lavrar era improdutiva ou ainda não preparada pela estação apropriada. Porém, se alguém nos pede uma orientação ou toca no assunto religioso, então a ocasião é propícia para lançarmos a semente da verdade maior, que é o Espiritismo. Mas tenhamos o cuidado de fazê-lo com brandura, usando expressões delicadas para não ferir suscetibilidades. A franqueza rude pode ofender e afastar o neófito, que sempre tem lá os seus preconceitos. Mas discutir não adianta, porque há corações rochosos, impermeáveis à luz da verdade; alguns existem que se comprazem no erro e, quais morcegos, temem a luz de que se afastam até com pavor. Outros não estão espiritual ou mentalmente preparados e a verdade os aborrece; há também os que tratam do assunto só por diletantismo e, geralmente, para demonstrar cultura em assuntos religiosos. Finalmente, são muitos os que não desejam mudar de vida; entraram pela porta larga a que o Cristo se referiu, e que conduz à perdição, embora cheia de alegrias falsas, e não querem retroceder, pois amam os seus erros e são escravos do pecado, como dizem as Escrituras. (João, 8:34.)

            Todavia, se não devemos discutir, por outro lado, como ninguém tem letreiro na testa, indicando o seu estado de receptividade, a gente não perde por ir lançando a semente, embora com as devidas cautelas, para suceder não a joguemos aos porcos, descuidadamente. Foi o que disse Jesus (Mat., 7:6), que recomendou a prudência (Mat., 10:16), mesmo porque todo exagero é fanatismo.

            Lembremo-nos de que, entre os encarnados, há Espíritos de diversas idades, e que alguns se comprazem ainda em uma crença singela, primitiva, onde predomina o temor e não o amor a Deus, e onde os sacerdotes dirigem as almas, dominando-as a seu bel prazer. São Espíritos infantis em matéria religiosa, por demais preocupados com o diabo (crença falsa que lhes incutiram, na interpretação da Bíblia, ao pé da letra) e incapazes de aceitar ainda uma parcela maior da verdade, que liberta a mente de certos preconceitos atrasados, como afirmou Jesus (João, 8:32). Mas, um dia soará a hora da libertação dessas criaturas, quando tiverem melhor entendimento, a fim de se afastarem da letra que mata para se harmonizarem com o espírito que vivifica. Portanto, não há necessidade de angústias ou de preocupações a respeito delas, porque todos temos a eternidade na frente. “E toda carne verá a salvação de Deus.” (Lucas, 3:6). Contudo, felizes dos que têm olhos para ver e coração para sentir, desde logo, a verdade maior!

            Devemos, isto sim, como ensina Paulo, proceder irrepreensivelmente e com sinceridade, porque Deus conhece os corações e ama os regenerados.

            Nada de maledicência em torno da vida de nossos irmãos, por piores que nos pareçam. Somos responsáveis pelos nossos atos e não pelos deles; não nos compete julgar e as aparências também enganam. Dar curso a juízo temerário ou precipitado é ser conivente com a injúria ou com a difamação. Trate cada qual de fazer o bem e de cumprir com o seu dever, não vendo o argueiro no olho de seu vizinho, pois há, às vezes, uma trave no seu, embora a suponha não existente. Com efeito, o grande erro da Humanidade é cada um julgar-se bom, quando todos temos muito ainda que evoluir, por mais puros que nos julguemos.

            A base da ascese ou da evolução espiritual é o conhecimento de si mesmo, na imortal lição de Sócrates, aliado ao propósito sincero de regeneração. Mas como é difícil à criatura ver todos os seus erros! Geralmente, persistimos em alguns deles, supondo ingenuamente estar agindo com muito acerto. E um dos mais comuns é a tirania doméstica, exercitada não somente pelos homens, mas até por algumas mulheres, que entendem de mandar no lar, discricionariamente, esquecidas também dos conselhos de Paulo (Ef., 5:22 a 24.) Mas, a este propósito, cabe aqui, como síntese, a lição de I Cor., 7:3: “o marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido.”

            Temos ouvido pessoas inteligentes dizerem: se cumpro com os meus deveres, não me é preciso preocupar com religião. Em primeiro lugar, o homem que só por si se dirige, sem o favor do Cristo, não pode agir com tanta correção como o seu orgulho supõe. Está constantemente cevando o egoísmo, mesmo nas pequenas coisas, e ainda achando que é um justo. Mas digamos que ele vá bem, espiritualmente falando. Mesmo assim, deve fechar-se no círculo de seus interesses e esquecer seus irmãos? Se é inteligente e culto, deveria dar um pouco mais de seu saber à causa da Verdade, a fim de melhor difundir o bem. Fechar-se qual ostra na concha de suas conveniências, sob pretexto de que já é perfeito, constitui, inegavelmente, uma demonstração de egoísmo ou mesmo de comodismo estéril e improdutivo.

            Precisamos meditar que somos responsáveis perante Deus, não somente pelo mal que fazemos, mas também pelo bem que deixamos de fazer. “A quem muito se deu, muito se pedirá.

            Se a geração é corrompida e perversa, sejamos inculpáveis e operosos, consoante o ensinamento de Paulo, a fim de que nossas obras possam resplandecer. Os perversos e corrompidos são nossos irmãos e é o material de que dispomos para a obra do bem comum, que é a de Deus. Assim, não devemos ter asco da sociedade, mas procuremos servir na medida de nossos esforços, de nossa humildade e de nosso exemplo, à causa do Senhor, que também é a nossa, porque somos cristãos.



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