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domingo, 21 de julho de 2013

25 et 36. Rimas do Além Túmulo - Benção do Papa



25
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina



A Bênção do Papa

Esquecido de que o mundo atualmente
é herege demais e um pouco independente,
quis o papa reaver
a soberania que, em eras recuadas,
fazia o Santo Padre ter almas agrilhoadas
ao seu santo poder.

Ó vigário de Deus, ó pai da Humanidade,
a tua pretensão de ter autoridade
por sobre as criaturas
é tanta que tu sobes a alpendre, enfeitado
com tiaras e insígnias, e, meio atordoado,
espalhas das alturas,
não a benção, mas gesto incrível do histrião
            que contempla de longe a tola multidão,
na ironia mordaz,
e coberto de pompa em glória passageira,
agrada, ao mesmo tempo (ingênua brincadeira!)
Jesus e Satanás.

Já não podes erguer, meu caro, a tua mão,
Nem para dar a bênção, nem a maldição,
meu pobre soberano;
não tem valor algum o poder temporal,
e o vento da Descrença é rijo vendaval
que ameaça o Vaticano.

E como está grassando a forte epidemia,
ao espiritismo, ó papa (sem leve ironia)
ergue a mão benfazeja,
por sobre os que perderam de todo o seu juízo
e, abraçando a Verdade, dão sério prejuízo
a santa madre Igreja.

Queria o santo padre estender sobre o mundo
 o véu do seu pudor, como o pálio profundo
- mas isso é impossível.
pois já muito país, herético, sem fé,
atira sobre o papa e sobre a santa sé
o escárnio inflexível.

Afrontando o esplendor viril da Evolução,
ousadia tiveste de erguer tua mão
para abençoar o mundo...
Meu pobre general, esse ato de bravura,
em face do Progresso, é gesto de loucura
ao clero moribundo.

Bem queria reaver a Igreja esse domínio
perdido, e continuar a obra de extermínio
que a História registrou;
mas deve desfazer essa infantil quimera.
Para os débeis cativos brilhou, da Nova Era,
o sol que os libertou.

Outrora, a Humanidade era um magro rafeiro (indivíduo impertinente)
que beijava a sandália a mortal altaneiro,
senhor e soberano,
que tentou sepultar em Erro, eternamente,
como um cego réptil na lama deprimente,
todo o gênero humano.  

Nesse tempo, a Consciência estava encarcerada
na jaula do Terror, e, sempre amedrontada,
obedecia a algoz...
E o santo padre orava em frente do sacrário,
jurando encher, encher o seu profundo erário,
com ambição feroz.

Falar na Evolução, falar em Liberdade
era um crime fatal de lesa majestade
que a justiça punia,
e era o Fanatismo um mal contagioso,
que prostrou muito tempo o mundo temeroso
aos pés da Sacristia.
Curvava-se o Direito, agachava a Justiça
ao látego inclemente e rijo da Cobiça
do cero vitorioso,
e, sob o jugo atroz do vil clericalismo,
os homens resvalavam a profundo abismo,
horrível, tenebroso.

A crença - que fazia as almas, piamente,
viverem sob os pés de um santo intransigente
mais tarde enfraqueceu;
embora esse edifício queira inda ser forte,
lançando um desafio ao vendaval da sorte,
- mas a base tremeu.

Às vezes, o Oceano, em cólera espumante,
atira contra a praia, inerte e confiante,
os grossos vagalhões,
e, no redemoinho da água revoltada,
a trêmula barquinha soçobra quebrada
à fúria dos tufões.

E quem pode aplacar a fúria do Oceano?
Tem bem a semelhança o pensamento humano,
nessas lutas titânicas,
quando ele, revoltado, busca a Liberdade,
derruba os empecilhos frente à atrocidade
das borrascas satânicas!

Lançar a bênção sobre o mundo, atualmente,
é o mesmo que lançar um pingo de água ardente
num rio caudaloso:
o efeito, procurai que não haveis de achar.
O clero não tem força pra retrogradar
um mundo esperançoso...

O papa, não repitas essa ideal tolice!
Eu sei que é ingenuidade, eu sei que é caduquice:
mas peço, meu irmão,
em vez de abençoar os homens, pede a Deus
que te abençoe a ti e mais a todos teus
irmãos de profissão!

E, posso afiançar-te, Deus bondosamente
volverá sobre ti o facho complacente
da luz do Seu olhar;
            Ele é o Pai Divino que acolhe o arrependido
e levanta do chão o mísero caído,
com Bondade sem par.

E ao Cristo, que é o Pastor de toda a Humanidade
- a quem legou o fruto da Verdade
para a fortalecer,
tu deves implorar, ò pretenso pastor,
que te conceda Ele o seu divino Amor
e te alumie o ser!


Para a Alma que vai cambaleante, aflita,
através do furor insano da Desdita,
só existe uma Luz,
um único fanal, uma única esperança
que a pode conduzir à Bem aventurança:
- a bênção de Jesus!

28 de fevereiro de 1929


36
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina

Apêndice

Críticas e Réplicas

            Tendo sido divulgada na imprensa, a título de reportagem, a composição BENÇÃO DO  PAPA, alguns dias depois veio o cônego Andrade Pinheiro, figura de destaque no clero paraense, comentar, pelas colunas de órgão católico, aqueles versos com as seguintes palavras:

            “A Benção do Papa e o Espiritismo

            Se há neste mundo e entre os homens, na vida humana, na família e nas nações bem como nas sociedades polidas, coisa que mais mereça respeito, consideração, acatamento, veneração é a bênção dos pais. Despreza-la fora injustiça, fora loucura, fora falta de senso, fora queda da razão, fora a mais nojenta descortesia, fora a negação de um dos mais nobres sentimentos do coração humano, que é a gratidão, A bênção de um pai, de um amigo, de um protetor, de um dos nossos avós, de um padrinho, de um ancião carregado de anos a um jovem na primavera da vida tem um não sei que de profundamente sagrado e de elevado, que a ela nos curvamos, e lhe prestamos as homenagens que merece. Se, pois, tão santa e tão respeitável é uma benção, seja de um grande da Terra, seja de um pequeno deste mundo, e se é ela objeto de apreço, reconhecimento e respeito, qual não ha de ser o mal em contrário que é a maldição; nas Sagradas Letras temos e admiramos as efeitos das bênçãos dos servos de Deus, dos profetas, dos patriarcas e do próprio Jesus Cristo, Salvador do mundo. Por igual vemos e ficamos estupefatos e aterrorizados com os efeitos das maldições! Ditoso do filho que todos os dias recebe o grande benefício da bênção de seus pais; ou presente ou ausente um filho bem criado recebe a bênção de seus progenitores como uma proteção e um grande beneficio do céu. Oh! como é doce, como é sublime, como é alvissareira a benção de uma boa e carinhosa mãe! Como é salutar, animadora e admirável a bênção de um pai estremecido!

            Estas ideias nos correram á mente quando ao depararmos os assuntos da imprensa diária, nela lemos as blasfêmias contra a benção do Papa, o maior vulto da humanidade, o pai por excelência dos fieis católicos, esparsos por todo o mundo universo. Ninguém tão pai como ele, ninguém tão amigo fiel e carinhoso como ele ! Nemo tam pater (ninguém é pai),  como Ele! O que dizia Santo Agostinho de Deus, podemos com toda razão dizer do PAPA, ENCARNAÇÃO VIVA DE DEUS NA TERRA (1). Vigário de Jesus Cristo na Igreja universal. Blasfemar da bênção do Papa, benção tão desejada, tão sagrada, tão digna, tão amorosa e tão cheia das mercês do céu e das graças de Deus, é coisa inaudita, é coisa que todo o homem de senso e de dignidade deve calcar aos pés e repelir para bem longe de si, de seu lar e dos seus entes queridos.      

            (1) Os grifos correm à conta da transcrição.

            Pois, meu caro leitor, esta foi a blasfêmia ou estas foram as blasfêmias que a seita espiritista ou espiritada mandara publicar nestes últimos dias na imprensa para edificação dos incréus, dos ímpios, e para a reprovação e execração dos católicos! A poesia blasfemadora ou blasfematória diziam que é da pena do finado poeta luzo Guerra Junqueiro.

            Mas convém saber que este grande poeta morrera contrito e arrependido dos seus imensos pecados; renegou seus erros e impiedades, e mandou que inutilizassem os seus maus livros e os queimassem, declarando ainda que foram eles os desvarios de sua mocidade e de grande parte de seus adiantados anos. Logo, foi o espiritismo cavar nos arquivos do poeta luzo, condenados por ele próprio, para deles tirar aquela peça (2) que se não pode ler sem asco e sem horror. Quando o espiritismo se arrisca a tanto é porque está cavando cada vez o buraco, onde se há de enterrar. Quando o espiritismo atira tão asquerosas injúrias contra a bênção do Santo Padre, é porque tal seita está completamente DESMORALIZADA, e perdida no conceito publico. Não se pode compreender como é que uma seita, que anda tanto com o nome de Jesus na boca se atreva a tamanhos insultos e desatinos! Não, o espiritismo não é religião, não é nada disto, está composto de um bando de DESEQUILIBRADOS e blasfemos inauditos! E com isto vai perdendo terreno na opinião, e no pensar dos homens sérios e criteriosos. Quando o espiritismo diz tudo aquilo que mandou dizer pela imprensa contra a sagrada bênção papal, é porque o espiritismo está no desespero e é capaz de todas as ousadias indecorosas.

            (2) Afora o falso testemunho de afirmar que tenhamos recorrido ao arquivo deixado por Guerra Junqueiro, o que equivale dizer que esses papeis vieram para o Brasil, - convém acentuar que a poesia em causa (veja-se página79) se refere ao recente acordo assinado entre Pio Xl e Mussolini, e que o grande Bardo desencarnou há mais de um lustro, em 1923.
            A verdade e a lógica do reverendo cônego...

            Falar mal da bênção do Papa e tentar menoscabar dela, enxovalha-la em público, cobrindo-a de injúrias e baldões (contratempo, desventura), é cair na mais deslavada protervia (ausência de prudência; imprudência ou insolência) e no mais assentado descrédito. Até um advogado, que se diz letrado, quis também dar seu par de meias no injuriar a bênção do Santo Padre. Esse moço bacharel, com certeza, ainda não estudou e não sabe o que é a Igreja, o que é o Papa e o que é a bênção do Santo Padre: Ignorância! Aí ficam estes conceitos, bem próprios a convencer aos amigos do bem, da religião católica e da verdade, qual ódio e a mendacidade (hipocrisia, falsidade) que lavram nos arraiais espíritas contra o Sumo Pontífice, Chefe da Igreja de Jesus Cristo.
14-3-929.
Andrade Pinheiro
                                                                                   *           

            O Espírito de Guerra Junqueiro, em uma das sessões imediatas, replicou. E embora reconheçamos que esses versos não se destinavam à publicidade, pois eram apenas o reflexo do carinho espiritual seu para com os do Grupo Espírita ROUSTAING, dirigentes e frequentadores, julgamos dignos de figurar aqui (o que decerto nos perdoará o magnânimo e querido Amigo.

            Eis a réplica:

            Ao Andrade Pinheiro

            Pinheiro, a Igreja está bem desmoralizada, embora que a aparência encubra esta verdade. Quem te fala não é uma alma aprisionada à Matéria, mas um ser já em liberdade, livre das convenções, livre das pequeninas coisas que ao Espirito fazem vacilar: meu irmão, eu contemplo luzes diamantinas que na existência nunca pude lobrigar. No fim da minha vida, a perda da memória me fez também perder a luz da Inspiração; para mim, nada valem títulos de glória da Terra: só desejo chegar á Perfeição. Já não pode atingir-me sanha dos “ministros”, estou liberto do invólucro material; podem dar expansão aos ódios seus, sinistros: não causa mais terror a excomunhão papal!

            Tu me tens tanto ódio, e eu te estimo tanto! e lamento quereres tu, na atualidade, esconder, sob a treva do enganoso manto do Absurdo, o clarão imenso da VERDADE.

            Não me admiro, não, do teu espalhafato: o clero luta contra a própria EVOLUÇÃO, e, compreendendo que o Espiritismo é um fato e que o mundo atual não teme a excomunhão, limita-se vãmente a espalhar pela imprensa um punhado de asneiras à “vil heresia”, tentando inutilmente implantar a descrença e os humanos cegar a pó de sacristia...

            Continuo a afirmar que o abuso e a mentira são males que merecem guerrear cerrado: eu enfrento com calma o fogo da tua ira, embora me intitules - desequilibrado.

            Mas... não diz que o “papa é a encarnação de Deus”, quando ele é apenas um grande industrial que já fez dizimar inúmeros ateus - por terem descoberto a farsa clerical.

            E como era costume o papa, antigamente, do alto - do seu trono abençoar o mundo, agora Pio XI, audaciosamente, reaver de novo quis esse poder profundo na época atual. Mas isto já é cúmulo da audácia, pois afianço: dos dogmas a fúria não pode sufocar as vozes do Além Túmulo; Espíritos não temem protestos da Cúria!

            O clero, por astúcia, tem o atrevimento de insultar a doutrina que prega a VERDADE, e no tumultuar do seu desvairamento busca sempre enganar a pobre Humanidade.

            Toda essa multidão de homens de batina, que tenta acorrentar a consciência humana, não poderá manchar a sagrada doutrina que os humanos conduz à senda soberana.

            Ninguém pode fugir à real evidencia, embora os clericais pretendam reduzir a cinza estes ensinos que na consciência humana esclarecer vem um novo porvir.

            Eu bem que te compreendo, ó Andrade Pinheiro! O meu olhar arguto penetra a tua alma: o Espiritismo, vês, se espalha ao mundo inteiro, - eis o motivo que te faz perder a calma!

            Engolindo Jesus, na “hóstia consagrada”, e bebendo o seu sangue em vinho preferido, os padres bem compreendem que isso é uma farsa, mas apregoam que no - JESUS DIGERIDO - está “santo mistério”, uma coisa extraordinária - que cristãos nao devem buscar analisar, pois merece castigo a alma salafrária que indagar por que o CRISTO SERVE DE MANJAR! Isto seria escandaloso para os homens honestos que trincam, fervorosos, hóstias diariamente: provocaria grandes e ríspidos protestos no seio virtuoso da piedosa gente! Mas como o Espiritismo é medonho invento do sábio Satanás (que é um clérigo ilustrado), conseguiu acender no humano pensamento a luz que ao clero faz tombar, desnorteado; - a Igreja, que simula ter toda a verdade e há séculos tem lançado anátemas às seitas, já não pode fugir à dura realidade, agarrada aos destroços de ilusões desfeitas...

            E eis que vê surgir da fria sepultura um bardo que pensou pra sempre adormecido, e qual gigante de uma incrível estatura, brandindo enorme lança,- ataca destemido o clero, o cru algoz de ideias progressistas, que, lépido, procura com habilidade insuflar ódios contra os espiritualistas e encher de fanatismo a tola cristandade.

            Mas não conseguirá eclipsar o sol que brilhou para o bem do Espírito Moderno, fazendo-o despertar para um novo arrebol, para a eterna paz, para o sossego eterno. 

            Meu caro: o Espiritismo é seita “diabólica”, pois tem como alicerce a luz da CARIDADE e não pratica o BEM como a igreja católica - que vende os “sacramentos - com toda a piedade... 

            Amedrontando as almas com ir pro Inferno, a igreja conseguiu encerrar em prisão a fraca Humanidade que, em pavor eterno, gemia na pesada e “santa” escravidão; mas, hoje, meu amigo, as coisas estão mudadas, tudo remodelado pela EVOLUÇÃO, e o Inferno, repleto de almas condenadas, desfez-se, fulminado ao sopro da RAZÃO!.. (Peço, meu caro, que te acalmes, não te irrites; o ódio prejudica a alma e a saude; um abalo maior é preciso que evites; Jesus aconselhou a paz, mansuetude.)

            E, para terminar, ò Andrade Pinheiro, embora me fulmine a tua maldição e me batizes mesmo de ímpio, aventureiro, - eu te rogo que aceites o ósculo do irmão


Guerra Junqueiro



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