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quinta-feira, 13 de junho de 2013

3. 'Rimas do Além Túmulo'



3
‘Rimas do Além Túmulo’
Versos Mediúnicos de
 Guerra Junqueiro

Grupo Espírita Roustaing
Belém do Pará 1929

Casa Editora Guajarina




            Agora, algumas palavras aos de boa fé, aos que reverenciam a glória imarcescível do Poeta, aos críticos de asseio intelectual e que respeitam todo o esforço alheio -sincero- e buscam, antes de tudo, o elogiável, sem o afã de denegrir.

            Mesmo os não iniciados nas doutrinas do Espiritismo, que impróprio seria esboçar aqui, devem compreender que a personalidade de Guerra Junqueiro não pode surgir neste livro com as mesmas flagrantes características de quando habitou a Terra.

            Desprendido das influências do Corpo material, cujos cinco sentidos veiculavam para o seu Espírito as impressões do ambiente; liberto do jugo dos preconceitos e convenções terrestres, inclusive dos apaixonados e parcialíssimos problemas e assuntos em que tomou parte; natural é que as exteriorizações do seu Espírito (Pensamento-Personalidade) se ressintam desse novo estado, da maneira nova de encarar os homens e as coisas do mundo terráqueo.

            Apreendendo toda a extensão e importância dessa Verdade, que é a sobrevivência consciente, individualizada do Espírito, Guerra Junqueiro, apóstolo que foi de um cristianismo mal definido talvez, porem vivido nos seus versos imortais, voltou as energias da sua vontade para pregoar esse princípio máximo, básico de toda a Ciência da Vida subjetiva, e ei-lo dizendo das certezas do Espiritismo, não, quiçá, do Espiritismo ainda impreciso - em alguns pontos de nossos dias, mas da - doutrina que afirma e estuda a comunicação dos desencarnados com os humanos.

            É mister não esquecer que, um ano antes de desencarnar, Guerra Junqueiro proferiu a eminente literato, seu amigo, estas palavras: “Dizem por aí que eu estou católico. A nota publicada nas minhas PROSAS DISPERSAS, ao artigo - Sacre Coeur, tem sido mal compreendida... O catolicismo é grande pelo que nele se mantém do cristianismo. Sou um crente; creio em Deus, mas não abdico do meu raciocínio, e o meu raciocínio combate os erros da Igreja, que foram muitos e graves. Não sou católico em sentido vulgar do termo. Não pratico. Sou, porém, cristão, e sempre o fui" (1)

            (1) - João de Barros. DE PORTUGAL- Ouvindo Guerra Junqueiro. ‘Gazeta de Noticias’, do Rio de Janeiro, de 16 de Março de 1922.

            E se nas improvisações que formam estas RIMAS DO ALÉM TUMULO ainda ressurge o instigador da igreja romana, isso é prova de que o ingresso no mundo espiritual não equivaleu uma gavage da estrutura intelectiva, a uma varrição das ideias e crenças que orientavam a sua inteligência, razão, raciocínio, consciência, ou que melhor nome se adote para o Espirito.

            E também quer assim decerto assegurar o lídimo espírito e verdade dos ensinamentos do Cristo, cujo fiel sentido, velado na letra do Evangelho, só agora nos chega com o advento desse Espírito Consolador (Espírito Santo, Paracleto) que foi prometido, bem diferente das interpretações dadas pelas diversas subseitas em que se multipartiu a primitiva igreja cristã.

            E porque a crítica, sem duvida, ira fixar-se nos leves defeitos de alguns versos, convém acentuar- formalmente - não ter sido Guerra Junqueiro, jamais, um fetichista do rigorismo na métrica dos versos, porque nunca sacrificou um belo pensamento, uma feliz comparação, uma formosa imagem literária, um lema filosófico, um preceito doutrinário, rimados, às nugas de todas as pausas tônicas de um metro poético qualquer. Entendia, e acho que muito bem, destacar a espontaneidade da frase, da ideia, com prejuízo da ortodoxia rítmica, desde que tal não constitui-se atentado clamoroso.

            Já pensava e dizia o nosso consagrado Euclides da Cunha:

... Eu nunca li Castilho.

Detesto francamente estes mestres crueis,
que atropelam a Ideia entre «quebrados pés»
e vestem com um soneto esplendido, sem erro,
um pensamento torto, encarquilhado e perro,
como um correto fraque às costas de um corcunda;
porque, quando a paixão o nosso ser inunda,
e vibra-nos na artéria, e canta-nos no peito
(como dos ribeirões no acachante leito
parar- e sublevar)
medir - é deformar. (2)

               (2)  POR PROTESTO E ADORAÇÃO, ed. do Grêmio Euclides da Cunha, Rio, 1919, pag. 230.

            Guerra Junqueiro foi um improvisador genial. As suas produções não sofriam a elaboração torturada a que os “cinzeladores da forma”, encerrados em gabinetes, costumam submeter os versos que produzem.

            Arcabouçadas na imaginação, passavam ao papel vertiginosas, na mesma avalanche com que haviam sido concebidas no cérebro do Poeta, vibrantes, impulsivas, desde a origem, mediúnica talvez.

            Depois de longas caminhadas, durante as quais, em contato com a Natura, compunha os versos, di-lo o próprio Guerra Junqueiro: “Voltando a casa, sento-me à banca de trabalho e, sem uma hesitação, SEM UMA EMENDA, confio ao papel toda a composição, na sua forma definitiva. Nunca pude compor de outra maneira. A minha imaginação, para poder criar, é como certas aves: precisa ser livre, ter horizontes e ter luz. Céu amplo e terra ampla: a Natureza em frente”.

            Thomaz da Fonseca, seu amigo verdadeiro, admirador sincero, em um insuspeito e douto estudo sobre o manuscrito de OS SIMPLES (uma das mais probidosas criticas que já os meus olhos leram), faz curiosíssimas revelações sobre lapsos do grande Vate, documentadas com a reprodução zincográfica de uma página autógrafa. (3)

            (3) Thomaz da Fonseca. GUERRA JUNQUEIRO - Como ele escrevia, ed. Coimbra Editora Limitada, 1924, passim.

            Não há injustiça, nem irreverência em dizer que muitos defeitos se encontram nos livros de Guerra Junqueira. Mas quantas, inexcedíveis belezas!

            Sem transpor os limites destas breves palavras, nem alongar o campo de pesquisas, basta restringirmo-nos ao Introito da MORTE DE D. JOÃO.

            Nesse estupendo prólogo do livro, que viverá enquanto existir o idioma português no mundo, há, entre inúmeros senões, estes versos (na medida de 12 sílabas):

Que andas como rei Lear, pálido, desgrenhado
A tua juba, ó monstro? Ah! ideal, ideal
Para estabelecer na luz as curvas sensuais
É uma ideia que cai do alto de seis mil anos
O boi, o rijo operário, esse animal antigo
E disse-nos: Jesus, Sócrates, Platão
Desde o abismo dos céus aos pélagos profundos
Que hão de surgir em breve, atléticas, radiantes
No entanto ainda existe o inferno social
Forçados, histriões, vadios, concubinas
A vítima é juiz; pena de Talião
O carcereiro infame, o hipócrita Luiz onze

            Mas, esses versos nem de longe turvam a formosa concepção das 39 paginas do Introito onde há sínteses esplendidas que outros bardos não escreveram melhor:

A aurora é um anjo bom, antípoda do mal
Que a treva inunde a escola e a honra empenhe a blusa
Onde a razão acaba, a crença principia (4)

               (4) 8ª ed. da Livraria Editora Jacintho Ribeiro dos Santos, Rio, 1901.

            e dezenas de muitos outros plenos de ensinamentos e encantos de fundo e forma. A heterodoxia da métrica em Guerra Junqueiro era a consequência da improvisação. Raramente terá rascunhado: arquitetava os versos na imaginação e os escrevia depois, de uma assentada, “na forma definitiva, sem hesitações, sem uma emenda.” Fora desses momentos em que estava junto da mesa de trabalho no lar, não escrevia: ditava, olhos acompanhando a caprichosa espiral da fumaça do charuto.

            Certa ocasião de notívago passeio, em trio boêmio, acedendo em positivar uma blague pregada a Gomes Leal, por sugestão de Guilherme de Azevedo, e já em hora alta dessa noite de boemia, em uma das mesas do Café Central, de Lisboa, tendo por escrivão Henrique das Neves, Guerra Junqueiro improvisou, entre outras, esta quadra:

Eu sou a alma agreste e enorme do rochedo;
eu sou o evangelista erguido na montanha,
que conserva no peito o trágico segredo,
que prende a via láctea ao fio d'uma aranha

            cujo último verso ninguém afirmará seja modelo de correção... (5)

               (5)-Henrique das Neves (General) ESBOCETOS INDIVIDUAES. ed. Parceria Pereira, Lisboa, 1911, pago 27, lº vol.

            De outra vez, colaborando na celebre charge que apareceu n' A PROVINCIA (orgão político de Oliveira Martins), na segunda-feira de Carnaval, 21 de Fevereiro de 1887, e feita por aquele, Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, que servia de escriba, coube a Guerra Junqueiro ditar a parte que inticava com a escola poética de Thomaz Ribeiro. Depois de ditar, a improviso e por entre as gargalhadas que encheram horas da noite desse memorável domingo carnavalesco portuense, depois de ditar estas duas chistosas e corretas quadras:

Sou par do reino, bacharel formado,
Iírio nevado, trovador cristão.
Brisas do Tejo que passais balsâmicas,
epitalâmicas, tará, tan, tão...

Trazei, pousai-me nesta fronte bela,
pura e singela; divinal, gentil,
os beijos castos que as meninas Peres
dão aos alferes, sob o céu d’Abril!

            mandou escrever esta:

Trazei-me os sonhos perfumados, ledos,
almos segredos que, escutando bem,
à meia noite Julieta arrulha,
quando a patrulha vai passando além!

            cujo terceiro verso não é do mesmo quilate dos anteriores, nem da cadência dos que se seguiram. (6)

               (6) EÇA DE QUEIROZ-IN MEMORIAM, ed. Parceria Pereira, 1922, pags. 260.

            Como que a confirmar a sua emancipação da ortodoxia de métrica inquisitorial, e em resposta a apreciações injustas, céticas e incompetentes, disse, certa vez, em uma das sessões públicas do Grupo Espirita ROUSTAING, ante centenas de pessoas, estas palavras: “Quando improviso, não conto sílabas a versos; isso é rasteira convenção da Terra. Para os Espíritos, o -sentimento- é tudo !”

            Aliás, Guerra Junqueiro, como se vê, falava quase prosa rimada, e daí provavelmente escapar-lhe uma que outra nuga de metrificação.

            O nosso talentoso Paulo Barreto (João do Rio), reproduzindo palavras que ouviu ao Poeta, escreveu períodos que, feitas ligeiras alterações, são versos perfeitos. Nessas frases, há orações assim: “Deus criou o santo, o assassino, o hipócrita. São formas que se não combinam.” Não se dispende esforço para ver aí dois versos impecáveis, um de onze, outro de oito sílabas. (7)

               (7) ASPECTOS DE ALGUNS PAIZES, ed. Villas Boas, Rio, 1919, pag. 32.

            Mas, aceito por todos ou repelido por alguns, é fora de controvérsia que o erudito Vate exerceu grande influência no seu tempo, irradiou prestígio literário e foi mestre de bons poetas brasileiros. (8)

               (8) -Martins Junior. A POESIA SCIENTlFICA, ed. Imprensa Industrial, Recife, 1914, pag. 10.  

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