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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

85 e final. 'Doutrina e Prática do Espiritismo'





85


             Não sem motivo, a primeira denominação que esta parte do continente americano recebeu de seus eventuais descobridores foi a de Terra da Santa Cruz.

            Dir-se-ia que, inspirando por seus mensageiros esse título, a Providência, que com tão opulentos dons se esmerara em favorecer este país, desde a benignidade do clima e os esplendores de uma natureza incomparável à escolha dos espíritos que haviam de, sobrepujadas as primeiras transitórias, mas inevitáveis convulsões que acidentaram a sua formação étnica, vir a constituir mais tarde a sua nacionalidade, quis desde o começo indicar que os destinos da nova terra se achavam associados ao ideal de abnegação e altruísmo que o símbolo cristão, engastado em seu próprio céu meridional, luminosamente representa.

            Houve sem dúvida quem, com um certo travo de injustiça, pretendesse que "neste país, em que tudo é grande, só o homem é pequeno," Essa opinião, entretanto, fundando-se no contraste entre a exuberância dos dons naturais que a terra brasileira ostenta, representados nos prodigiosos tesouros acumulados no seu solo, como nas entranhas do seu inesgotável subsolo, e a ausência de iniciativa e de sistematizada atividade, que os tem deixado permanecer, durante quase um século de existência autônoma, em estado pouco menos que latente, assim parecendo incapaz de os possuir quem tão pouco resolvido se mostra a explora-los e deles extrair todos os elementos de prosperidade e de grandeza que são chamados a proporcionar, essa opinião - dizemos - de si mesma se invalida, por não apreender do fenômeno mais que o seu aspecto exterior, sem ponderar os seus múltiplos fatores justificativos, entre os quais avulta uma razão, que nos permitimos considerar de ordem providencial e que adiante aduziremos.

            Importa antes de tudo considerar que a lei do menor esforço tem aqui, como por toda parte, a sua aplicação. A necessidade é o estimulante por excelência da atividade não somente do homem, senão de todos os seres, na luta pela vida, Ora, se ao indivíduo, para obter o necessário à própria subsistência, basta um esforço mínimo, é logico, é natural e humano que se abstenha de supérfluas fadigas. É o caso das populações rurais e sertanejas, cujas modestas ambições, determinadas pela própria simplicidade do viver, distanciado dos grandes centros de civilização e, por esse motivo, isento das exigências que a mesma civilização suscita, não ultrapassam tais limites, E se acrescentarmos que a indiferença dos governantes, divorciados do seu dever primordial, que é instruir o povo e promover o seu bem-estar, tem deixado essas populações não somente privadas de instrução mas do preparo técnico para a cultura inteligente do solo, compreenderemos porque, assim desamparadas de um precioso estímulo de engrandecimento ,e de progresso, se tem elas até certo ponto desintegrado, pela ignorância, das superiores, posto que ainda latentes, ou vagamente apenas esboçadas, aspirações da nacionalidade, às quais se conservam de alguma sorte estranhas. Para isso não pouco tem contribuído a vastidão do território, abrangendo uma área de quase nove milhões de quilômetros quadrados, em que a deficiência das vias de comunicação impede o contato e a assídua permuta de toda espécie de valores entre os núcleos de população dispersos nessa esmagadora imensidade.

            Já na capital e nas metrópoles estaduais, como nas cidades litorâneas, em que a frequência das comunicações com o exterior e a maior densidade das populações,
gerando novas necessidades, tem concorrido para intensificar o ritmo da vida, a apregoada "Indolência nacional," sem ser, ainda em virtude da apontada lei do menor esforço, inteiramente banida dos costumes, em que se manifesta sob a forma de um certo comodismo dilatório até nas mais prementes deliberações, recebe em todo caso satisfatório desmentido. A este respeito não é inteiramente destituída de fundamento a opinião, um tanto generalizada, de que os brasileiros, por uma espécie de instinto atávico da raça, confiam mais na ação da Providência para encaminhar os seus destinos, que na eficácia de sua própria iniciativa.

            Será contudo um mal, ou um bem, não ainda convenientemente ponderado, que o progresso material do Brasil, tolhido pela inércia no desenvolvimento de suas capacidades econômicas, de que imediata e visceralmente depende, tenha caminhado com tamanha lentidão?

            Se considerarmos que a felicidade e grandeza de um povo, do mesmo modo que o objetivo da vida para o homem, não consistem na maior soma de gozos e vantagens materiais que a riqueza proporciona, mas acima de tudo no grau de cultura moral de que resulte o liberalismo de suas instituições, na austeridade dos costumes, na retidão de consciência em suma, traduzida na prática das virtudes heroicas ou singelas, a opção pela segunda hipótese já não parecerá decerto estranha. Porque, como o observou com justeza de apreciação critica um ilustre historiógrafo e filósofo, "esquecem constantemente os homens que nada há tão esterilizador como a opulência, e que só são ricos os povos trabalhadores e pobres. A opulência é um vicio que enfraquece o caráter do que a goza e o enche de um ignóbil orgulho, ao passo que azeda e perverte o caráter do pobre com o fermento da inveja e
cobiça que faz Ievedar. A opulência das nações é o ocaso da sua vida. Só há riqueza onde existe saude moral, e com esta não se compadece a adoração do bezerro de ouro, fonte da miséria e das revoluções dos famintos (1).”

            (1) Oliveira Martins, O HELENISMO E A CIVILIZAÇÃO CRISTÃ, págs. 154.

            Não é que se deva abominar a prosperidade em si mesma, "que há de sempre representar, quando sobretudo equitativamente repartida, o fruto da atividade laboriosa e inteligente: mas cumpre não perder de vista um inconveniente de que anda raramente desacompanhada e vem a ser que, incutindo o sentimento de uma falsa grandeza exterior, pode ocasionar e frequentemente ocasiona, de par com a intensificação dos prazeres dos sentidos e a ostentação do luxo, o desenvolvimento do egoísmo e de uma arrogante superioridade, a que só uma sólida educação moral, fundada nos princípios de simplicidade e desprendimento do Evangelho, é capaz de opor um eficaz preservativo .

            Ora, ao povo brasileiro, ou por melhor dizer, à colônia de espíritos que foram providencialmente encaminhados a esta terra de Santa Cruz, para testemunhar nos atos de sua vida, pública ou privada, como em suas relações internacionais, a excelência dos preceitos evangélicos, não convinha que, antes de os ter positiva e definitivamente incorporado nos costumes, uma prematura opulência, resultante da expansão de todas as suas forças econômicas, o expusesse aos riscos de, cedendo a pendores subalternos,  comuns à natureza inferior do homem, se extraviar da missão exemplificadora a que o impele a diretriz dos seus destinos.

            É por isso que as administrações que se tem sucedido, no Império como na República, aparentemente por deficiência de visão dos homens, mas de fato pela razão de natureza providencial a que aludimos, ora absorvidas na solução de problemas político-sociais, desde a Independência à abolição da escravatura, ora preocupadas em conter as paixões efervescentes e consolidar o novo regime quando não divorciadas de sua função tutelar por incapacidade transitória, foram sempre claudicantes ou omissas em face do problema econômico, abandonado quase exclusivamente às eventualidades da iniciativa particular, de si mesma entibiada pela carência de amparo e de coordenadora direção.

            O Império, sob a chefia suprema de um verdadeiro missionário, teve antes de tudo por missão preparar, com a unidade e coesão politica, os fundamentos morais da nacionalidade, já seja favorecendo, pelo exercício, o sentimento inato de uma liberdade que não encontra paralelo em nenhum outro país, já seja estimulando pelo exemplo, e assegurando-a pela vigilante fiscalização, a mais escrupulosa austeridade dos costumes públicos, a que o esmero nas virtudes domésticas, exemplificadas pelas matronas brasileiras, imprimia um singular relevo. Era também o tempo em que a velha religião, satisfazendo as necessidades de crer do maior número, ainda exercia um suficiente prestígio sobre as almas e contribuía não pouco para incutir nas consciências o sentimento dos deveres, fortalecendo os laços de solidariedade moral entre os membros da grande família brasileira.

            Com a implantação do novo regime e a subversão, portanto, do velho edifício político, necessitado, sem dúvida de uma vigorosa remodelação que ampliasse as conquistas democráticas, pela abolição de todo privilegio, se os progressos materiais ganharam novo surto, por outro lado uma certa anarquia, inseparável de toda brusca mudança de instituições, gerando a indisciplina e a confusão dos valores sociais e trazendo à tona os fermentos de desmoralização, indubitavelmente até então contidos pela austeridade do Imperante, veio a produzir o que se tem denominado "a crise do caráter" e que, entretanto - importa assinalar - longe de ser um fenômeno local, ou peculiarmente brasileiro, não é mais que um particularizado sintoma do mal de que, nesta hora de convulsionada transição, vinham padecendo, quase todas as sociedades humanas, em vésperas felizmente de uma transformação profunda e salutar.

            Essa transformação contudo não virá, como pensam alguns, nem para o Brasil nem para o mundo, da simples e transitória exaltação dos entusiasmos cívicos e guerreiros, despertados pela improvisação de exércitos chamados de toda parte a se empenhar nesse gigantesco duelo que ensanguenta a Europa, travado contra as alucinadas ambições do cesarismo pela coligação dos povos liberais. Desse conflito, derradeira explosão da rebeldia à lei do Cristo, cujo reinado, prestes a se implantar no mundo pela difusão do Espírito Divino que começara a se operar, pretenderam os seus insufladores invisíveis obstar ou pelo menos protrair, hão de certamente resultar consideráveis, posto que dolorosos, benefícios. Passada, porém, a
tormenta, colhidas mais uma vez as amargas experiências do falso rumo em que, por tantos séculos, se têm obstinadamente aventurado os homens, restituídos os povos, restituído o nosso Brasil aos seus, pacíficos labores, nem por isso estará resolvido o problema da regeneração e da felicidade humanas.

            Estas só podem vir, e só virão, do conhecimento positivo, para os homens, de sua verdadeira natureza, de seu papel no mundo e de seus destinos imortais, realizáveis através de sucessivas e solidárias existências, como principalmente - insistiremos em nosso ponto de vista - da perfeita assimilação e prática da lei cristã, em seus mais amplos, e luminosos desenvolvimentos, tal como a vem restabelecer o Espiritismo, com todo o seu poder de persuasão e de evidencia.

            Ora, nenhum povo apresenta melhores capacidades e predisposições para a realização desse ideal que o brasileiro.

            Não o dizemos por espírito de vaidade ou de lisonja, sempre condenável, senão antes para acentuar as responsabilidades que sobre ele pesam, consoante a sentença do Evangelho: "mais se pedirá a quem mais se tiver dado." E o povo brasileiro não tem somente a seu cargo aformosear esta abençoada região da terra, convertendo-a na prometida Canaã em que, com ele, todos os forasteiros venham saborear os frutos da abundância, transformadas em utilidades, por um trabalho diligente e indefesso, as suas exuberâncias naturais. Cumpre-lhe acima de tudo, para corresponder aos intuitos da Providência, que de tão singulares dons o fez depositário, colocar o. nível de sua existência moral à altura dos compromissos que tem implicitamente contraído, resultantes da preeminência que revela já haver alcançado na senda evolutiva.

            Queremos dizer - e é neste sentido que entendamos a aplicação da máxima evangélica - que, sendo o povo brasileiro composto, numa considerável proporção, de espíritos apreciavelmente evoluídos, tanto no sentido intelectual como no moral, tem mais que qualquer outro o dever de patentear, por uma severa disciplina e obediência aos mais altos preceitos do Evangelho, que lhe vem ser de novo recordado, os frutos de seu aproveitamento, eliminados os defeitos e corrigidas as imperfeições de que uma deficiente educação moral e religiosa não lhe permitiu ainda libertar-se.

            Que os brasileiros são espíritos intelectualmente evoluídos, prova-o a vivacidade, surpreendente aos olhos do estrangeiro, de sua apreensão mental em todos os ramos de conhecimentos humanos, a sua rapidez de assimilação, a sua capacidade de cultura, prejudicada embora por uma certa descontinuidade na aplicação estudiosa, que o faz perder em extensão e generalidade o que poderia adquirir e consolidar em profundeza . É por isso que, entre nós, são raros os doutos e mais raro ainda é o verdadeiro sábio. Mas essas aptidões intelectuais disseminadas nas diferentes camadas sociais - e até entre os sertanejos, sobretudo nas regiões do norte, quantas inteligências vivazes, posto que incultas, se observam! - que querem dizer senão que se trata de espíritos amadurecidos por uma longa, anterior peregrinação terrestre?

            No ponto de vista moral, o adiantamento dos espíritos encaminhados a povoar a terra brasileira se manifesta por um conjunto de qualidades que imprimem à civilização, que vieram aqui fundar, um cunho próprio e inconfundível. É certo que, se a atenção do observador, limitada no tempo e no lugar, se demora, na planície em que as paixões fervilham, a escrutar os pequeninos defeitos individuais e restringe o seu exame a uma época, por exemplo, de transição como a presente, há de por força verificar a mesma inquieta frivolidade e a mesma penúria de ideal que o materialismo dissolvente inoculara no organismo das velhas sociedades europeias. Dilatando, porém, o seu raio de observação e elevando-se às culminâncias da história, verá surgirem, ao lado dos mais nobres e altruísticos feitos que podem, ilustrando-o, recomendar um povo, as grandes figuras dos heróis que, na guerra ou na paz, os consumaram.

            Na órbita da politica internacional, as suas relações com os povos limítrofes e irmãos se afirmam sempre pela generosidade cavalheiresca, expressa em lances de solidariedade libertadora de opressões e tiranias (1), como as suas transformações internas, operadas sem violentas convulsões (2), atestam a índole pacifica do povo e a sua capacidade de adaptação às mais adiantadas conquistas da civilização e do progresso.

            (1) Exemplo: as campanhas levadas a efeito pelo Império, com o desinteressado fim, demonstrado em seus vitoriosos desenlaces, de libertar a Argentina da ditadura de Rosas e o Paraguai da ele Solano Lopez, terminada esta com a emancipação dos escravos, e ainda recentemente o condomínio da Lagoa Mirim, altruística e espontaneamente cedido pelo governo republicano ao Uruguai, pondo-se assim o mais honroso termo a um litígio secular, o que representa uma página de política internacional única na história de todos os povos e que só o Brasil soube ter a nobreza de escrever.        

            (2) Tais foram, para não remontar mais longe, a abolição da escravatura em 1888, realizada entre júbilos e festas populares, e no ano seguinte a proclamação da República, uma e outra sem provocar, como em alguns países, sanguinolentas reações, nem prolongadas discórdias civis, antes, como uma necessária e prevista evolução, passando ao domínio dos factos consumados e de boamente aceitos mesmo pelos que mais diretamente foram atingidos pelos seus transtornos econômicos ou políticos.

            Como, porém, ser de outro modo, se, fiel ao instinto de liberdade que dos aborígenes herdou, liberdade que constitui, por assim dizer, o ambiente vital do Novo Mundo, em que todas as ideias generosas encontram desembaraçado curso, isento do aferro a tradições, que nem tiveram tempo de firmar-se, o povo brasileiro, ao contato da majestosa natureza que o rodeia e representa uma perpetua sugestão de liberalidade e de grandeza, havia e há de necessariamente refletir, em maior ou menor grau, os esplendores ambientes mas afirmações de sua existência coletiva?

            Mais do que, todavia, nas favoráveis condições geográficas ou climatéricas, meramente exteriores,  mais ainda que na influência do idealismo vinculado a sua filiação étnica ou assimilado por uma educação literária preponderantemente latina, é nas inatas predisposições dos espíritos que o constituem, fruto, como o dissemos, de uma evolução anterior, que se há de encontrar a razão determinante da fisionomia moral deste povo, singularmente apto às mais formosas realizações cristãs.

            Se, com efeito, abstraindo-nos dos pequeninos defeitos individuais a que aludimos e que de alguma sorte constituem um fundo comum à natureza humana demasiadamente ainda escravizada à influencia da matéria e dos sentidos, observamos este povo nos hábitos de sua vida social, verificaremos antes de tudo - como o têm feito ilustres visitantes - que o sentimento de igualdade, o que importa dizer, a ausência de preconceitos de raças e de castas, ainda subsistentes no seio dos povos que mais civilizados se acreditam, preside às suas relações. É assim que brancos, pretos e mestiços não somente fraternizam, sem o menor constrangimento, no trato comum ou em reuniões públicas de toda natureza (1), mas gozam de idênticos direitos e concorrem desassombradamente aos mesmos postos de evidencia e de atividade social.

            (1) Discorrendo sobre "a fraternidade universal," numa de suas conferências realizadas nesta capital em 1910, o notável teósofo Dr. Mario Roso de Luna, teve ocasião de se congratular com o auditório por essa mescla de raças que ali observava, e o assinalou como um evidente e lisonjeiro sintoma de que o Brasil se mostrava assim afortunadamente apto à realização daquele magnífico ideal, que é um dos objetivos da Sociedade Teosófica.

            Como um desdobramento desses hábitos de fraternidade igualitária, o povo brasileiro se caracteriza por uma afabilidade acolhedora e carinhosa, que não é das menos gratas impressões recebidas pelos forasteiros que o visitam. Acrescente-se a isso a doçura dos costumes, em que a indulgência, isto é, o perdão e o esquecimento das ofensas, até mesmo dos mais graves atentados políticos e civis, ocupam uma larga parte, ao ponto de com razão se asseverar que "no Brasil tudo se esquece e minguem se inutiliza para sempre;" observe-se, ainda que o brasileiro, perdulário como nenhum outro, pratica o desprendimento, o desprezo dos bens materiais, de tal modo que nas próprias classes proletárias é quase desconhecida a noção de economia, como a dar testemunho de confiança naquela Providencia que - Jesus o disse -alimenta os pássaros do céu e veste de galas os lírios dos campos, quanto mais aos que, consciente ou intuitivamente, a sua desvelada solicitude se abandonem; veja-se por fim como, alheio a orgulhosas presunções, no dizer de alguns, por desapreço ao que é seu e cujo valor, em sua nativa ignorância, desconhece, mas não errará quem o atribuir a um sentimento de imparcialidade, senão de humildade, que de modo algum o desabona, o brasileiro se inclina, sem mesquinhas invejas nem desrespeitos, em mostras de admirativo entusiasmo por tudo o que aos seus olhos representa a superioridade de outros povos mais adiantados, ou apenas mais velhos, em civilização; reúnam-se todas essas manifestações denunciadoras de uma índole espontaneamente afetuosa e doce, a que não falta contudo a bravura nas horas de perigo, e poder-se-á perguntar, como o fazemos, que é o que falta a este povo para ser o primeiro em toda a Terra e para exemplificar, como lhe cumpre, a vida cristã em toda a sua pureza e esplendor.

            Simplesmente uma coisa: que de incultas e dispersas que se têm conservado, em consequência mesmo de se encontrar ele ainda no período preparatório de sua formação étnica, aquelas excelentes qualidades se convertam em virtudes conscientes, reflexivas e disciplinadas. Falta-lhe, numa palavra, a sólida preparação moral, de que a educação cívica, em que parece repousarem as esperanças de quantos entre nós se preocupam com os assuntos de ética social, não é mais que o seu desdobramento necessário. Sem aquela base, em que unicamente podem com segurança repousar as construções políticas ou de qualquer outra natureza, e sem a infiltração da cultura às mais profundas  camadas populares, todas as tentativas de melhoramento e de reformas, como de resto o tem a experiência demonstrado, hão de ser sempre ilusórias na concepção e frustrantes em seus resultados.

            O problema, de fato, abrange dois aspectos: instrução popular que, reduzindo ao mínimo, quando não anulando por completo, a fabulosa e entristecedora percentagem de analfabetos que as estatísticas registram, descerre para todos os filhos desta pátria o conhecimento de sua história e a antevisão de seus magníficos destinos, integrando-os efetiva e conscientemente na comunhão nacional: educação moral e religiosa que, começada no lar, onde se forjam as primeiras interiores armaduras do caráter, e prosseguida metodicamente em todas as idades como um adestramento indispensável do espírito, venha a refletir na vida pública de todos os cidadãos, dos mais elevados aos mais humildes e obscuros, os seus insubstituíveis benefícios.

            A primeira é a tarefa dos dirigentes (1), isto é, dos que nos ramos superiores da administração pública desempenham o mandato, verdadeiramente providencial, posto que em sua maioria o desconheçam e deturpem, de guias e servidores do povo. Para imprimir à segunda um cunho nobilitante e exemplar, isento de hipocrisias formalísticas, pela supressão das ilusórias exterioridades suntuárias, é que surge o Espiritismo a anunciar o Evangelho aos homens, restabelecendo-o em sua pureza e espiritualidade originária  - feição que, já o dissemos, reveste e, como se vê, não podia deixar de revestir, particularmente, no Brasil.

            (1) O que de modo algum deve excluir a colaboração que à iniciativa individual pode caber na solução do magno problema, como o tem brilhantemente praticado a "Liga contra o analfabetismo" e como ás associações espíritas regularmente organizadas cumpre igualmente fazer, incluindo em seu programa de beneficência, consoante os moldes que indicamos na segunda parte, a instrução gratuita e popular.

            Instrução, portanto, e educação: disciplina da inteligência, disciplina da consciência e do sentimento, eis o que falta a este povo para que, suprimidos os hiatos de irreverência e de insubordinação que não raro apresenta em sua fisionomia coletiva, e iniciado, por outro lado, na obediência às injunções austeras do dever, se mostre à altura, não somente das responsabilidades que traz do seu longo passado evolutivo, mas da missão que é chamado a desempenhar, na era de renovação espiritualista que alvorece.

            "Estamos no momento supremo da história do mundo" -- disse-o num memorável documento o chefe de um grande povo, que se tem revelado ao mesmo tempo um eminente pensador e um homem profundamente religioso (1). E, com efeito, jamais como nestes dias tormentosos o eterno conflito entre o bem e o mal, também classificados a virtude e o vicio, a verdade e o erro, ou, como no atual momento, a civilização e a barbaria, revestira tão acentuadas, resolutas e devastadoras proporções. Dir-se-ia que os homens foram acometidos do delírio de destruição.

            (1) Wodrow Wilson, final de sua mensagem ao Congresso Legislativo Norte-Americano, em 5 de dezembro de 1917.

            Mas dessa prova culminante, a que foi submetida a raça humana, o que vai resultar não é, como se afigura aos visionários do passado, a falência dos ideais de fraternidade e de paz universal que haviam, nos últimos anos, começado a abrir caminho nas inteligências e conquistado os mais nobres e generosos corações em todos os países. Aos horrores -da conflagração internacional é possível, senão talvez provável, que venham ainda  a suceder - a menos que a clarividência dos estadistas os aconselhe a antecipar-se no reconhecimento e na satisfação dos direitos, das aspirações, e das necessidades populares - tumultuárias agitações interiores, tendentes a fazer vingar as reivindicações dias classes oprimidas; porque é preciso que do mundo velho, argamassado de preconceitos, de iniquidades e injustiças, não fique pedra sobre pedra. Encerrado, porém,  o doloroso ciclo, o que desse caos tremendo, em que estão ameaçadas de se debater por muitos anos as velhas sociedades europeias, há de por último surgir é um mundo novo, edificado na justiça, na paz e na fraternidade. 

            Até lá, e na intercorrência das calamidades que - é lícito prever - atormentarão a existência dos povos que, pela acumulação dos erros de um longo passado, as houverem atraído, provocando - quem sabe? - o êxodo de populações espavoridas, importa e urge que deste lado do Atlântico, braços, coração e território amplamente aberto para receber os foragidos de toda parte, o povo brasileiro, tornado eco do Evangelho do Amor que deve ser para ele mais que nunca a Lei das leis, faça bem alto ouvir a sua voz, numa acolhedora saudação:

            - Sede bem vindos, irmãos de todas as latitudes! Recolhei-vos a esta hospitaleira terra, em que há lugar para todos os de boa vontade, fartura para todos os diligentes, liberdade para todos os oprimidos, piedade e amor para os repudiados de toda sorte, uma pátria em suma para os proscritos de todo o mundo. Recebei o ósculo de paz. Vinde, conosco, abrigar-vos à sombra do Cruzeiro e, sob as bênçãos de Deus e do seu Cristo, preparemos aqui a sua Jerusalém celeste, enquanto não soa a hora, que não pode estar distante, de ser, para felicidade do gênero humano, estabelecida em toda a terra.


                                                           Natal de 1917.


Fim



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