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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

77. "Doutrina e Prática do Espiritismo"



77

            XI  Existência e imanência de Deus no universo. Possibilidade cognitiva de seus atributos. Porque vivemos. Como se há de no homem desenvolver a natureza divina. Lei universal do sofrimento. A criação é um ato de amor e também de sacrifício.


            Poderíamos, seguindo o método expositivo, no LIVRO DOS ESPIRITOS adotado por Allan Kardec, ter feito deste assunto - a existência de Deus e sua ação no universo  o objeto constitutivo do capitulo primeiro da presente obra. Na ordem das cogitações que desafiam  e superiormente atraem as mais nobres operações do entendimento humano, ocupa esta sem dúvida o primeiro lugar, é o tema por excelência, mais que isso, é o alvo supremo a que se encaminham todas as nossas aspirações e em que as mais altas necessidades da nossa natureza encontram a sua exuberante, final satisfação. Essa mesma circunstância, porém, de constituir o Ser Supremo a culminância de todas as indagações filosóficas e religiosas é que, na conformidade do plano gradual que preferimos adotar nestes estudos, nos aconselhou a abordar esse assunto, não no começo, mas somente ao fim da conveniente exposição teórica destinada a fornecer multiplicados subsídios para a sua melhor compreensão.

            E dizemos propositadamente compreensão, e não demonstração. Porque a ideia de Deus de tal modo se impõe, com irrefragável evidência, ao nosso espírito que, a menos de concedermos legitimidade, sequer a título discutível, à desvairada aberração em que consiste o ateísmo - funesta e blasfematória insurgência do mísero ser a sua Causa - injúria seria ao senso mais rudimentar entender necessário demonstrar o que não requer demonstração, por isso que se acha visceralmente associado às mais intimas, às mais profundas certezas do nosso próprio Eu. Necessitasse porventura de algum raciocínio, para enfeixar-se numa fórmula, esta certeza máxima, nenhum outro melhor encontraríamos que este, cuja autoria nos escapa: "Existo, porque existis; e se eu existo, existis Vós."

            Ainda uma observação. Propondo-nos remontar à cogitação da Divindade, em seus atributos e em sua ação no universo, estamos certamente longe de o pretender de um modo eficiente ou positivo, isto é, relativamente ao que em si mesma seja, mas unicamente na medida do que é possível concebermos, com o minguado concurso de nossas relativas faculdades. Por outros termos: não pretendemos e insensato seria todo arrojo em tal sentido - definir o que seja nem como essencialmente seja a ação de Deus na criação; por feliz nos reputaremos em exprimir como ao nosso mesquinho entendimento se apresenta Ele em relação com a sua Obra.

            Dissemos numa das primeiras páginas deste livro, e mais não fizemos, de resto, que repetir uma noção corrente, que o homem é um microcosmo, isto é, uma representação infinitamente reduzida do macrocosmo, que é o universo.

            De que elementos se compõe o homem? A partir do mais grosseiro, temos: o corpo físico, o corpo astral, que é o seu modelo oculto e invisível, o fluido vital, elemento intermediário, o corpo espiritual, ainda mais etéreo, ou perispírito, que, no estado de encarnação, não forma com o corpo astral mais que um mesmo envoltório fluídico, e, finalmente, o espirito. Se ponderarmos esses elementos em seus respectivos componentes e em suas mútuas relações, reconheceremos que o corpo, munido de órgãos ajustados às suas funções peculiares e instrumento de ação no meio físico exterior, é um aglomerado de inumeráveis células obedientes a fenômenos vitais: nascimento, nutrição, reprodução e morte, isto é, eliminação ou transferência do meio individual para o meio cósmico, onde se vão regenerar, para novas e incessantes recomposições. Porque o fenômeno chamado morte jamais se deve entender no sentido de extinção, aniquilamento, redução a nada, finalidade inexistente, imaginada apenas pelo homem, na incapacidade em que está de apreender as sucessivas evoluções da matéria e da energia no infinito do espaço e na eternidade do tempo - mas no sentido de transformação, ou de passagem de um a outro modo de ser, assim no que se refere à personalidade como ao menor dos elementos que a compõem.

            O corpo astral, em que reside o desenho ideal de todo ser que nasce, é formado-de substância muito menos densa que a do corpo físico, mesmo suficientemente etérea para se caracterizar pela invisibilidade, mas composta de átomos, reunidos em moléculas, dotadas de um movimento vibratório normalmente muito mais rápido que o da matéria constitutiva do corpo físico, no estado de encarnação porém adaptado até certo ponto a sua mesma tonalidade. Modelo permanente que é da forma física, serve o corpo astral para mantê-la em meio do incessante fluxo e refluxo das substancias que o organismo assimila e desassimila em suas operações durante a vida. O elemento intermediário, ou fluido vital, que satura todas as partes do organismo e é, como as moléculas, parcialmente renovado à medida que vai sendo consumido, constitui o seu principio vitalizador por excelência, ao mesmo tempo que é o veículo por que se transmitem ao sistema nervoso os movimentos e vibrações de outro fator mais importante, que é o perispírito.

            O corpo espiritual - assim também chamado, como vimos - é por sua vez o veículo das volições e manifestações do espírito no homem. Formado, já não diremos de matéria, pela ideia de ponderabilidade que a esta se acha associada, mas de substância tão extremamente rarefeita que se nos afigura inconcebível, o perispírito - se é possível definir o que, mesmo pelo pensamento, escapa a todos os meios de apreciação - pode ser ainda assim conjeturado como um composto de átomos, íamos dizer, suficientemente espiritualizados para constituir o envoltório permanente do espírito, parte de alguma sorte integrante da sua natureza, mas em todo caso guardando com a tonalidade vibratória do corpo astral a conveniente proximidade que lhe permite associar-se-lhe no período e para os fins da encarnação terrestre.

            Chegamos finalmente ao espírito, não já composto, mas unidade fundamental, simples e indecomponível, sem limitação nem forma, ser abstrato em suma, que não pode ser definido pelo homem, porque, sujeito e objeto de si mesmo, transcende as suas mais eminentes percepções e faculdades. Sim, espírito embora, mas amortalhado nas obscuridades da matéria, não podemos conceber o espírito em si mesmo, em sua essência e natureza, por exíguo consolo nos restando aprecia-lo nas manifestações de seus a atributos: pensamento e razão, sentimento e vontade.

            Remontemos agora do microcosmo ao macrocosmo e iremos aí encontrar, analogicamente pelo menos, os mesmos elementos: um aspecto físico, que é o universo visível, composto de mundos e sistemas de mundos, que são como as células vivas desse imenso organismo da criação universal; um modelo etéreo e ideal sobre que devemos supor necessariamente plasmada essa criação objetiva, semelhantemente ao que sucede com o desdobramento do corpo astral no corpo físico, sendo assim - já o assinalamos - a formação de um mundo ou de um sistema planetário, como todas as criações materiais, precedida de um desenho ou representação mental, de que vem a ser, obediente às suas linhas estruturais, a objetivação; ao fluido vital corresponderá o fluido cósmico universal, oceano de vida e de renovação de vida, ao mesmo tempo que veículo de comunicação entre o todo e cada uma de suas partes entre si; para o perispírito, elemento intermediário sutilíssimo, composto de átomos suficientemente espiritualizados para corresponder, de um lado, com o elemento fluídico e do outro com a inteligência diretora, não nos repugna encontrar analogia no conjunto dos espíritos em grau de pureza compatível com a transmissão das volições divinas ao seu objeto realizado - a criação; o princípio, finalmente, que paira sobre todos esses elementos, sem com eles se confundir, mas que os vivifica, organiza e dirige, esse princípio, transcendente e abstrato, que é o espirito no homem, não será também o Espírito de Deus na criação?

            É assim pelo menos que ao nosso entendimento se apresenta, em sua esotérica significação, aquela palavra de remontada, e perturbadora profundeza que no GÊNESE se encontra: "Criou Deus o homem à Sua semelhança." Isto é: composto de elementos, não porventura idênticos, mas análogos ou semelhantes.

            E para que fosse completa a analogia, não será ocioso recordar, quanto às relações entre o Principio e os seus efeitos, que também no homem o espírito não comunica nem atua diretamente sobre o corpo, senão por intermédio dos seus veículos sucessivos: as operações mentais em toda a sua variadíssima trama de pensamentos, sentimentos e atos, da concepção à execução, se transmitem pelo perispírito ao corpo astral e deste, por intermédio do fluido vital, aos centros nervosos que, por sua vez, acionando toda a rede do sistema orgânico e muscular, executam as determinações do alto recebidas. Como derradeiro sinal de analogia recordemos ainda que, não sendo cada um desses veículos um Iodo sem descontinuidade, mas ao contrário composto de átomos, que vão dos mais aos menos rápidos em suas vibrações, até às células do organismo físico, todos subordinados à direção do princípio superior que os centraliza, a mesma representação se nos afigura no universo, em que é sempre por intermédio dos espíritos, dos mais aos menos puros e numa infinita escala, que o Criador opera sobre a Criação. Ainda mais: do mesmo modo que o espírito atua mais diretamente sobre o que se pode considerar a parte nobre do homem, do cérebro ao tórax (admitido, mesmo convencional ou simbolicamente, o coração como a sede das emoções, pelo menos como a região em que mais vivamente repercutem), não somente utilizando o cérebro, como órgão próprio, e a palavra para a expressão e a exteriorização de suas operações mentais, mas achando-se, consoante o testemunho dos videntes, mais particularmente ligado pelo perispírito àquela parte nobre (1), ao passo que os membros inferiores, não recebendo mais que uma ação reflexa, apenas são utilizados em subalternas funções, assim também o Ser Supremo opera mais direta e intimamente sobre a parte mais nobre, mais elevada e pura da criação isto é, sobre os espíritos que se lhe aproximam em pureza, ou ainda sobre as esferas fluídicas, aqueles mundos etéreos de que falamos precedentemente, moradas felizes de seres consideravelmente evoluídos, não estando os mundos materiais decerto privados de sua ação, mas recebendo-a atenuada, em virtude da própria inferioridade e destinação transitoriamente subalterna.

            (1) Nos casos de desdobramento, ou mesmo no fenômeno comum da exteriorização, o espírito é visto afastado do corpo, mas ligado por um cordão, mais propriamente, por um feixe fluídico à região que os oculistas denominam plexus solar, entre o tórax e o epigastro. Em alguns indivíduos a ligação perispirital parece inserir-se, ao menos aparentemente, no encéfalo.

            Estabelecido, entre a ação, por assim dizer, mecânica dos elementos do homem e do universo, este paralelo, que - será necessário porventura advertir? - nenhuma irreverência envolve e menos ainda o intuito de amesquinhar o Criador, mas unicamente o de induzir o homem à consideração da grandeza divina de que procede, que nele se reflete e com a qual é chamado a se identificar um dia, pela completa espiritualização de suas faculdades e do seu próprio ser, detenhamos agora o pensamento na contemplação da Obra que a inteligência nos fita da inescrutável sabedoria e do poder do seu Autor.



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