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sábado, 24 de novembro de 2012

5. 'À Luz da Razão' por Fran Muniz


5
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924

ESPÍRITO SANTO


            Catolicamente considerado, o Espírito Santo é o Deus n.º 3, ou um terço do Deus n.º 1. se prevalecer o mistério das três pessoas distintas numa só verdadeira.

            Não comentemos se os deuses enquanto tripartidos, serão falsos ou enganosos, apenas lamentamos a ingenuidade dos sucessores de Pedro em considerarem Deus pessoa, quando eles mesmos ensinam que Deus é espirito. Será que o espírito seja pessoa, ou Deus tenha a forma ou seja realmente humano? Isto seria uma descoberta digna de uma coroa de louros a cada um dos gênios inventivos do catolicismo.

            É que eles só concebem a inteligência atuando em corpos humanos e, portanto, os deuses sendo inteligências, são a seu ver indubitavelmente pessoas. Assim, há pessoa pai, pessoa filho, pessoa espirito em forma de pomba, pessoa soprada sobre os Apóstolos, pelo Cristo pessoa.

            Como se vê, o Deus da Religião de Roma é composto de um verdadeiro pessoal caótico.

            Mas, não é tudo: Se há entre os três deuses um que é espirito santo, pergunta-se: Que qualidade de espírito será os dos outros dois, mormente o do que é Espirito e Verdade?

            O problema não é fácil de resolver porque se os demais são igualmente espíritos santos, devem ser também iguais em tudo: no pensamento, no poder, na vontade, na inteligência, ele. Ora, qualquer sacristão neófito veria nisso uma superfluidade de deuses para misteres que podem perfeitamente ser desempenhados por um só.

            Se há, porém, algum Deus que seja espírito santíssimo, forçosamente é superior aos demais, logo (a lógica é teimosa!) aos dois restantes, falece competência para serem deuses, visto que só consideramos Deus o ser que não tem superiores.

            Não obstante, porém, tal raciocínio, opõe-se a igreja formalmente ao cálculo da matemática e assegura, com assombro dos conscientes, que 1 + 1 + 1 é igual a 1, assim como 1 +3 é também igual a 1. Ora, se todos os fiéis católicos usassem essa aritmética do autor “Mistério”, os prepostos de Cristo ver-se-iam seriamente prejudicados, porque em cada grupo de três missas para salvação de três almas, ou de três batismos para remissão de três pecados originais, teriam de embolsar, somente, a remuneração equivalente a uma só caridade, visto que, na sua tabuada, 3=1.

            Se, de outra feita, os padres de três igrejas de “Bons Jesus”, por exemplo (e não sabemos se os há maus) recebessem por pagamento de alguma promessa um menino Jesus grande, de ouro, para dividir entre elas, como se conciliariam com a tal aritmética, sabendo-se que um dividido por três dá um para quociente?

            Deixemos aos fiéis a liberdade de provarem o impossível, sem recorrer ao mistério, e, por nossa parte, adiantaremos que isso acarretaria a bancarrota prematura ao Catolicismo: mas seus interessados sabem perfeitamente aplicar a sua teoria de acordo com as oportunidades.

            E, enquanto resolvem o problema, tratemos de travar conhecimento com o Espírito Santo, um dos deuses, que tantas voltas tem dado ao miolo dos supersticiosos.

            Convém prevenir aos ingênuos que nos Evangelhos escritos em grego, é encontrada a palavra “espírito” sempre isolada. O bispo S. Jerônimo, parece, foi quem lhe acrescentou o qualificativo “santo”. Desse modo todas as traduções evangélicas se referem a “espírito santo”. Ora, isto é já um ponto que põe em dúvida o dogma apresentado como provérbio.

            Vejamos agora, de que modo a igreja descobriu essa unidade ou fração de Deus no Espirito Santo:

            Ao ser batizado o Nazareno pelo filho de Isabel foi visto um espírito (ou seja o espírito santo) em forma de pomba que, baixando sobre eles, pronunciou: “- Este é meu o filho amado em quem tenho posto toda a minha complacência.”

            Foi o bastante para que a igreja tomasse o recado no sopé da escada e fizesse dele uma realidade, transmitindo-o às massas para provar que o Espirito Santo é Deus.

            Contudo, quem raciocinar com prudência, verá que sendo Deus imutável e imaterial, não é admissível que se tivesse modificado, tornando-se matéria para ser visto em forma de pomba.

            Naquela época, essa crença foi aceita, porque a ciência era desconhecida por completo: hoje, porém, que ele aí está nos convidando ao progresso pelo estudo, sabemos que o que desceu sobre o Nazareno foi um espírito luminoso, enviado pelo Criador  e que, por um fenômeno muito comum, embora, infelizmente ignorado pelos inimigos do estudo, pronunciou aquela recomendação.

            A esse espírito deram uma forma (outro fenômeno também desconhecido pelos católicos) para que calasse fundo nas inteligências rudes de então, a ideia nítida de alguma coisa presente, sem o que, o espírito invisível, como só ser o seu estado real  às nossas vistas, não seria apreciável aos sentidos dos leigos e, portanto, nada sendo visto, daria em resultado, um motivo de dúvidas ou controvérsias.

            A forma da pomba foi a preferida pelo espírito, porque os antigos consideravam essa ave o símbolo da pureza, da mesma forma que vários animais simbolizavam outras virtudes ou vícios, como não desconhece que já leu a Mitologia.

            A presença do espírito teve lugar quando Jesus orava, para demonstrar que a prece feita de coração atrai a influência de Deus sobre seus filhos limpos de coração, por intermédio dos espíritos protetores.

            Mais corroborou a errônea interpretação dos doutores católicos, o fato de Jesus ter aparecido em espírito aos seus discípulos, alguns dias depois de sua ascensão e ter dito, soprando sobre eles:

            “Recebei o espírito” (ou espírito santo, se quiserem). Então, supuseram, ser esse o Espírito de Verdade prometido pelo Mestre, para explicar as coisas que não podiam ser compreendidas então.

            Ora, elucidemos: Cristo alguns dias antes de sua morte aparente, prometera mandar, mais tarde o Espírito de Verdade para ensinar as coisas que, naquele tempo a humanidade não podia compreender. Será, porventura, crível que alguns dias depois, o povo tivesse progredido intelectualmente de forma a receber aqueles ensinamentos? Não decerto, porque ainda hoje, depois de decorridos dois mil anos, a humanidade está tão cega e atrasada, que chega a confundir espíritos criados com o próprio Deus criador.

            Estas palavras “Recebei o espírito” seguidas do sopro do Mestre sobre os seus apóstolos significam a sua própria influência comunicada a eles, visto se acharem já preparados e aptos a receber a inspiração dos espíritos que haviam de assistir e cooperar ocultamente na sua missão. O seu sopro divino foi, apenas, um sinal visível pelo qual os apóstolos pudessem compreender alguma coisa real do que acabavam de receber.

            Os tradutores dessa época, não alcançando, porém, esse sentido exato, entenderam que os apóstolos receberam Deus. Isso, afinal não admira, porque ainda hoje, qualquer católico recebe Deus a todo o momento. É questão de pedir ao padre uma hóstia e saber degluti-la.

            Mas deixemos essa extravagância e perguntemos ainda:

            Qual a necessidade de criar um Deus para desempenhar uma incumbência tão restrita como a que é atribuída ao Espírito Santo?

            Sabemos que o Deus nº 1 criou o Céu, a Terra e tudo quanto existe, o que é realmente peculiar a um Deus; o Cristo, Deus nº 2, foi criado com atribuições limitadas, devido a diminuição de poderes que lhe foram outorgados, todavia prestou relevantes serviços à humanidade. Ensinou todos os deveres inerentes à vida, sofreu os ultrajes dos sacerdotes e seus asseclas: exemplificou os ensinos da lei; deu plenos poderes à igreja e, até hoje, ainda engorda os padres com o alimento de seu corpo e do seu sangue.

            Posto que tal missão não deva ser desempenhada pelo próprio Deus, toleremo-la para sermos agradáveis à igreja romana. Com respeito, porém, ao Espírito Santo, que missão extraordinária desempenha para que se fizesse dele um terceiro Deus?

            Será para assistir aos concílios e inspirar os santos padres na organização dos seus dogmas? Mas, isso seria supérfluo visto o Deus nº 2- 0 Cristo - já haver dado plena autoridade aos seus ministros para resolverem as coisas humanas. Ora, tão importante missão só deve ser confiada a propagandistas esclarecidos, retos e competentes que não necessitem de conselhos ou ensinamentos alheios. Assim a assistência do Espirito Santo-Deus, ou é nula ou exprime uma fiscalização aos atos dos secretários divinos e, nesse caso, essa vigilância patenteia falta de confiança no Cristo que deu toda a sua autoridade a tais missionários.

            Decorre daí que os deuses personificados dos apostólicos romanos vivem, ao que parece, desconfiados uns dos outros.     

            Se, ainda, os intuitos do Espírito Santo consistem em divinizar os homens merecedores de tal proteção isso poderia ser efetivado pelo Deus verdadeiro nº 1 que tem em si todos os predicados. Demais, se o Espírito Santo foi enviado, é logico, que é inferior ao Deus que o enviou, por consequência e se quisermos levar isso a sério, não podemos compreender um Deus que não seja absoluto em tudo, o que não vemos nesse 3º  Deus que obedece a um segundo - Cristo - que, por sua vez, se submete ao 1º consoante ele mesmo confessou.

            Se a persuasão desse trio católico teve origem em cérebros fracos e acanhados dos tempos medievais, não é razoável que ele persevere no erro quando já a luz irradia por toda a parte e só não a vêm os que desprezam a consciência pelo orgulho ou pelo interesse.             

            Assim, lembramos aos que abominam a mentira e desejam a elevação intelectual, que Deus é um só, Único; não tem sócios nem substitutos embora contra a vontade do papa, de seus auxiliares e de quem quer que seja.

            Deixemos essa trindade misteriosa flamular no topo da religião católica, até que o vendaval da inteligência, um dia, em plena liberdade, a leve de roldão a sepulta-la para sempre no abismo da ignorância. Até lá, porém, permita se nos a satisfação de explicar aos bem intencionados, o que se deve entender por Espirito Santo.

            O Espírito Santo não deve ser considerado Deus, nem mesmo um espírito especial. É um nome figurado que representa a totalidade dos espíritos puros, bons, superiores, falange luminosa, sagrada, que por ordem hierárquica de elevação moral e intelectual, recebe de Deus as inspirações e vontades para transmiti-las aos seres na ordem física, moral e intelectual segundo as leis gerais, imutáveis e eternas para a organização da Vida, Harmonia e Progresso universais.  

            Essas vontades e inspirações são executáveis ainda que desapercebidas por nós, na Imensidade, nos mundos materiais e fluídicos de todos os universos; por todos os espíritos, quer errantes, quer fluídica ou materialmente incorporados e por todos os seres, em todos os reinos da natureza.

            Desse modo, a falange sagrada faz cumprir e cumpre por sua vez em todos os planetas superiores e inferiores da Imensidade, a justiça, a bondade e a misericórdia infinitas de Deus Pai de Todos e de Tudo que É.

            Assim quando encontramos no Evangelho ensinamentos referindo-se ao fato de “estar cheio do Espirito Santo”, “ser impelido”, ou “agir por um movimento do Espírito Santo”, devemos compreender que isso quer dizer: “Estar assistido, inspirado, guiado pelos espíritos do Senhor, que a criatura humana atrai a si, conforme o grau da sua elevação e a importância da missão ou da obra que tem a executar.”

            Aliás. a própria igreja católica nos fala dos “anjos de guarda” que é uma expressão bem equivalente à do Espírito Santo.

            Eis, pois, o que devemos entender por Espirito Santo. Supô-lo o próprio Deus, ou uma fração dele, é demonstrar fraqueza de consciência e intencional desprezo pela instrução, qualidades estas que devem ser banidas pelos estudiosos, para não se tornarem escravos do orgulho que é o maior inimigo do progresso espiritual.




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