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terça-feira, 20 de novembro de 2012

1c. "À Luz da Razão" por Fran Muniz


1c
“À Luz da Razão”

por   Fran Muniz

Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 - Rio
1924



            A partir desta rápida palestra, notei o quer que fosse de anormal passar-se no meu modo de pensar e o que era mais estranho, senti então; como nunca, que o assunto espírita passava a entrar frequentemente nas conversações que mantinha com pessoas amigas e até mesmo estranhas.

            Nessas ocasiões foi-me dado conhecer diversos adeptos do espiritismo, entre os quais pessoas da maior respeitabilidade, gente culta da chamada “formada” em medicina, direito, engenharia. etc.

            Isso me fez raciocinar: será criterioso julgar malucos ou alucinados todos estes homens? Serão, talvez,  todos ignorantes?

            Mas então, eu devo ser mais inteligente do que todos elles?

            Isto seria uma pretensão que não ousaria externar.

            Será. então, que não passe tudo de uma farsa habilmente engendrada para iludir os incautos?

            Mas nesse caso, os tais senhores espíritas devem ter um trabalho exaustivo e meticuloso para organizar a formidável peta, de modo a haver perfeita harmonia entre eles, por todos os pontos do globo, se é concebível uma tal hipótese.

            Mesmo no caso afirmativo, qual a utilidade disso?

            Afinal, pensei ainda: eu preciso estudar esse tal espiritismo não para me tornar espírita... isso teria graça, mas para descobrir o ponto fraco desses fraudulentos endiabrados.

            Nesta colisão em que me debatia, hesitante em estudar tal doutrina, para mim de antemão condenada, encontro-me novamente com o meu amigo que, abordando logo o assunto, perguntou-me:

            - Então? Ainda pensas do mesmo modo sobre a nova ciência?

            - Mais ou menos, respondi-lhe.

            - Já a leste?

            - Ainda não, se bem que...

            - Bravos! Se bem que... Vamos, acaba!

            - Ainda não li.

            - Isto já disseste: faltou porém o complemento da frase. Tuas palavras denunciam uma tendência visível à metamorfose: no entanto, fraqueja-te a coragem de confessa-lo: temes o escárnio da “Sociedade” bem o sei. Fazes mal. O homem criterioso raciocina com prudência, cumpre seus deveres e não deve inquietar-se com as opiniões malévolas da ignorância.

            Demais, meu amigo, que vês na composição dessa “Sociedade”?, Ambição, vaidade, hipocrisia! Lábios e faces artificialmente carminados, disfarçam a lassidão e desafiam a volúpia: sedas envolvem podridões e vícios: joias adornam corações denegridos e almas caliginosas.

            Vamos, não te preocupes com os preconceitos, sê franco.

            - No entanto, é bem desagradável incidir no ridículo.

            - “Rirá melhor quem for o último a rir” tu o sabes.

            - Pois bem, se queres a franqueza, dir-te-ei que ainda não estudei, mas já entra no plano das minhas cogitações essa nova doutrina.

            - Está bem, isto é já um passo no caminho e chegarás ao fim contente do empreendimento.

            - Todavia, previno-te que não há motivos para cantar vitória. Do não duvidar à promessa de encetar o estudo, há uma distância considerável, cá no meu modo de entender.

            - Essa distância desfaz-se e eu prelibava já esta convicção, desde que da outra vez nos falamos, pois, apenas separados, disse para comigo: Mais um que verá a luz.

            Despedimo-nos, foi cada um para seu lado, ele levando a ideia de que me havia salvo e eu num estado de indecisão mais próximo da descrença.

            Para ser sincero devo adiantar que a ideia de loucura ou alucinação dos espíritas dissipara-se por completo da minha ideia: a probabilidade de ignorância também fora banida por absurda.

            Certo dia fui, por insistentes insinuações, impelido a assistir a uma conferência espírita. Devo dizer que acedi por mera curiosidade, ou talvez (porque não confessa-lo?) para me rir.

            Bem cedo, porém, compenetrei-me das minhas ilusórias pretensões, sentindo-me transpor os limites da dúvida para galgar o sopé da credulidade, quando, ao preceder as explanações do objetivo primordial da conferência, ouvi as belíssimas e salutares preces consagradas ao Supremo Autor do Universo.

            Fiquei maravilhado! Era a primeira vez que assistia a uma oração capaz de ser dirigida a Deus: proferida com expressões blandifluas (agradáveis), humildes, respeitosas, por um homem igual aos outros, sem batina e sem coroa, que não era ministro de Deus; prece dita sem símbolos, sem aparatos blasonantes (exagerados) sem a unisonância metálica dos sinos e campainhas.

            Esplendia e penetrava-me o coração, pela vez primeira, em toda sua claridade e harmonia, a oração do “Pai Nosso”.

            Como sabia eu agora entendê-la! Cada palavra tinha uma significação tão profunda e tão sábia, tão ajustada às nossas condições humanas, que seria preciso emprestar-lhe uma origem divina, se não as soubéssemos vertidas dos lábios divinais de Jesus.

            Iniciando a preleção espírita, o conferencista, em catadupas de frases altissonantes, límpidas e brilhantes que deliciaram o auditório, estendeu-se sobre diversas ramificações evangélicas,  demonstrando, de modo cabal e inteligível, as vantagens insuperáveis do Espiritismo, cuja doutrina, além de reconduzir o homem ao objetivo para o qual foi criado, dá-lhe ainda o conhecimento de todos os fenômenos, para muitos indecifráveis.

            Foi prodigioso o que então se passou, porque no restrito espaço de alguns minutos, aprendi na súmula dessa doutrina racional e magnânima que:

            “A alma é o principio inteligente que preexiste e subsiste ao corpo, visto ser independente da matéria.”

            “Criada simples e balda de conhecimentos é, em dado tempo, dotada do livre arbítrio e submetida às leis do progresso. Assim, não há criaturas mais privilegiadas do que outras.”

            “Os anjos não são criados especialmente perfeitos: são almas elevadas à perfeição depois de terem percorrido, como as outras, toda uma escala em ordem ascendente, sendo o ponto de partida de uma igual ao de todas.”

            “A vida normal é a espiritual; a corpórea é uma fase de transição em que o espírito indeniza todos os delitos induzidos pelo orgulho, tantas vezes quantas forem necessárias para sua quitação. Terminada esta fase, reúne todos os conhecimentos adquiridos e suficientes a um mundo e eleva-se a outro mais adiantado moral e intelectualmente, até chegar à perfeição de que é suscetível.”

            “O estado feliz ou infeliz dos espiritos, depende dos seus próprios atos: de sorte que, se praticam o mal, a si mesmo se castigam. Podem, porém, retomar o caminho da Perfeição pelo atalho do arrependimento: mas, se isto lhes abrevia a jornada, nem assim se livram dos tropeços e espinhos, pois “ninguém verá o reino do Pai sem pagar todas as suas culpas.”

            “Os que morrem ainda crianças, terão sido, não importa. mais ou menos adiantados, visto terem podido praticar o bem ou o mal em outras existências anteriores e a morte não os inibe das provações que merecem, porque, em tempo oportuno, recomeçarão as provas em nova existência noutros planetas adequados ao seu grau de elevação.”

            “As almas dos cretinos ou idiotas, são da mesma natureza das demais e sua inteligência é, às vezes, superior; sofrem, porém, deficiência de meios de ação entre as outras, como o surdo sofre por não poder ouvir ou o mudo por não poder falar, mas mas aceitaram voluntariamente essa pena a fim de se expurgarem do mal praticado pelo abuso de inteligência em encarnações anteriores.”

            Ante o critério superior desta filosofia, encerrando em si a sensatez, a justiça e a sabedoria das leis eternas, senti o meu espírito evolar-se lúcido, revestido de um novo sentimento. Era a “fé inabalável que permite encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade.”

            Esta doutrina maravilhosa que tanto repudiei, levado pelos preconceitos da turba ignara, ensinou-me a solução de todos os problemas da vida e hoje me considero um ente feliz por saber o que sou, de onde venho e para onde vou.

            Tais conhecimentos indispensáveis ao progresso humano, jamais serão adquiridos nessa vetusta religião de Roma, que abandonei para sempre, ante o resultado negativo do exame anatômico procedido com o escalpelo da razão.

            Desse meu ato não me ficaram saudades nem remorsos; apenas conservo ainda o tristíssimo sentimento de me haver obcecado, sem proveito, nessa doutrina que, por longos anos, me reteve estacionária a inteligência sob o jugo dos dogmas convencionados para manter os interesses de uma classe.

            Hoje, sim, me vejo integralizado na verdadeira Religião Cristã, e, preze aos Céus, me seja levado em conta o esforço despendido para me aproximar do Amantíssimo Mestre.



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