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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Leopoldo Cirne



Leopoldo Cirne
Redação
Reformador (FEB) Setembro 1948


            Leopoldo Cirne exerceu o cargo de Presidente da Federação Espírita Brasileira durante o período de 1900 a 1914. Nasceu em 31 de Abril de 1870, na Paraíba do Norte, criando-se, porém, na cidade do Recife. Desencarnou nesta Capital, na manhã de 31 de Julho de 1941. Desde cedo nele se revelou acentuado pendor pelos estudos, e, favorecido por viva inteligência, avançava, com real proveito, em seu curso de Humanidades. Dificuldades financeiras obrigaram-no a abandonar os estudos e a ingressar no comércio, quando contava onze anos de idade. Os comerciários atualmente desfrutam regalias e liberdades que aos de seu tempo não eram concedidas. Mal despontava a aurora, até às caladas da noite, estava o empregado no serviço ativo. Só uma pequena parte do domingo podia o comerciário de então respirar mais livremente e dispor da sua vontade. Quis, porém, o destino que o nosso biografado, apesar de ter a alma cheia de belos sonhos, se visse na contingência de enfrentar, ainda menino, as lutas e a rude disciplina comercial, sacrificando, assim, seus mais caros ideais de formação intelectual!

            Ignoramos se em aqui chegando, pelo ano de 1891, trazia já sua crença firmada na Terceira Revelação. O certo, porém, é que, em pleno desabrochar da sua juventude, pois contava mais ou menos vinte e dois anos de idade, e já ao lado do inolvidável Bezerra de Menezes trabalhava tão sincera e entusiasticamente a prol do Espiritismo, que desde logo granjeou a confiança de seus confrades que lhe sufragaram o nome para Vice-Presidente da Federação Espírita Brasileira.

            Leopoldo Cirne foi espírita tanto no lar como na sociedade, tanto no sofrimento como nos momentos de ventura. Durante todo seu jornadear terreno, seja no trato dos interesses materiais, seja no campo das atividades espiritualistas, ninguém logrou vê-lo irritado, mal humorado, impaciente. Jamais imprimiu à sua voz uma tonalidade ríspida. Era carinhoso, afável no falar. Quantas criaturas, ao ouvi-lo, modificavam seu modo errado de ver e de sentir as coisas.

            Despontava o dia 11 de Abril de 1900 e a família espírita brasileira, os pobres, os pequeninos, os ignorados desta Terra de Santa Cruz, recebiam a notícia de que o Espírito de Adolfo Bezerra de Menezes, o grande Presidente da Federação Espírita Brasileira, partira para as regiões sublimes do Além!

            Voltara à pátria querida, após longa peregrinação terrena em que dera as mais exuberantes provas de fé, de amor, de humildade e de resignação. Sua vida foi um holocausto incessante em favo, do Espiritismo em nossa pátria, tanto que o denominaram "Allan Kardec" brasileiro!

            Foi, pois, a uma personalidade dessas que coube a Leopoldo Cirne substituir na suprema direção da Casa de Ismael. E a sua atuação nesse alto posto foi tão marcante que, por cerca de onze anos, o exerceu com verdadeiro amor evangélico e dentro daquele espírito de sincera humildade de que o Cristo nos deu edificante exemplo. Em começo dissemos que se vira ele obrigado a interromper seu curso de Humanidades; todavia, com esforço próprio conseguiu Leopoldo Cirne ser um dos mais puros vernaculistas, deixando-nos artigos e obras que até hoje merecem a nossa admiração. A sua perseverante força de vontade e de confiança na misericórdia do Alto, deve a Federação Espírita Brasileira a sua sede na Avenida Passos, inaugurada no dia 10 de Dezembro de 1911.

            Esta sua corajosa iniciativa seria o suficiente para credencia-lo à imorredoura gratidão dos espíritas brasileiros. A imprensa desta Capital inseriu em suas colunas lisonjeiras apreciações a respeito desse acontecimento. Destacaremos, aqui, alguns tópicos extraídos de quatro periódicos:

da A Noite, edição do dia 8:

            Depois de vinte e oito anos de trabalho, a Federação Espírita Brasileira ergue o seu majestoso templo, que se inaugura à Avenida Passos, domingo.
            O Espiritismo tem sido divulgado como crença religiosa e como ciência, ou conjuntamente. Neste último caso é que ele caminha agora assombrosamente.

da A Imprensa do dia 9:

            Depois de vinte e oito anos de existência, trabalhada dia a dia com os sacrifícios peculiares à natureza de uma agremiação inspirada em nobilíssimos intuitos, num meio social todo feito de desconfianças e de incertezas morais, como é o nosso, pelas suas condições originárias mesmo de país novo, em que a raça se agita em todos os fenômenos de sua formação, o acontecimento de amanhã se reveste de uma significação lisonjeira, assinalando ao nítido os sintomas felizes do adiantamento da sociedade patrícia aos das demais de toda a Humanidade. Vai ser inaugurado o novo edifício da Federação Espírita Brasileira, que é um elegante e sólido palacete, especialmente construído na Avenida Passos.

do Correio da Manhã, também do mesmo dia:

            Inaugura-se amanhã, na Avenida Passos, a nova sede social dessa associação.
            Em que pese à incredulidade de muitos que não levam em conta as teorias de Allan Kardec, não se pode negar os reais serviços que esta Federação, em 28 anos de existência, tem prestado à população desta Capital.

de O Paiz, edição do dia 10:

            A Federação Espírita Brasileira inaugura hoje o novo edifício da sua sede, à Avenida Passos nºs 28 e 30.
            Não é uma inauguração vulgar, de um edifício que interessa apenas à associação a que pertence; ela resume, na pedra e na argamassa do amplo edifício erigido naquela avenida, uma obra generosa de fé e de assistência, que se tem estendido beneficente sobre uma grande parte da população desta terra: A nova sede da Federação Espírita Brasileira tem, considerada no seu ponto de vista particular, o valor, já hoje raro, de exprimir uma dedicação extraordinária dos homens agremiados naquele centro de atividades convencidas, dedicação praticada em uma quase penumbra, sem alarde, sem benemerências conclamadas, sem nomes postos em foco, com a modéstia afetiva dos crentes sinceros e dos generosos por dever; em cada pedra, em cada bocado de argamassa da sua construção, há um pouco de coração e de consciência, dominados por um alto sentimento e um sugestivo dever.

*

            Como em 1926 a Federação Espírita Brasileira não apoiasse o movimento que se processava no intuito de fundar-se a Constituinte Espírita Brasileira, e como fosse público haver Leopoldo Cirne deixado a presidência da Casa de Ismael e que não se solidarizava com vários membros da sua Diretoria, julgaram vários confrades ser o momento azado de seduzir Leopoldo Cirne com uma representação de largas projeções no cenário político, e a ser exercida através da projetada Constituinte Espírita Brasileira.

            Era, porém, tal a inteireza de seu caráter, a firmeza de suas convicções e, mais ainda, o esclarecido pensamento de que todos deveriam prestigiar a Federação Espírita Brasileira, que não vacilou em dirigir a uma agremiação de vizinho Estado, que o convidara para representá-Ia na Assembleia da fundação dessa Constituinte, em 31 de Março de 1926, um longo e judicioso memorial, do qual destacamos os seguintes trechos:

            Ser-me-ia muito agradável corresponder à benévola deferência, aceitando o honroso mandato, se a isso se não opusessem motivos de consciência, que entendem com o que se me afigura serem os altos interesses da doutrina em causa. Porque, fazendo embora justiça aos promotores da planejada Constituinte, que se hão de certamente acreditar fundados em excelentes razões para a iniciativa que tomaram, devo, todavia, confessar que não simpatizo de modo algum com esse movimento que, sob as enganadoras aparências de unificação e fortalecimento pela coesão, da família espírita brasileira, outro resultado não trará senão acentuar divergências latentes e favorecer o espírito de competição e de discórdia, dando-lhe uma pública e, de todo ponto, inconveniente repercussão, como já se pode observar nas contendas que começam de surgir pelas colunas dos jornais estranhos à nossa comunhão.

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            E se alguma iniciativa deve ser tomada - que o deve certamente - no sentido de fortalecer-se o laço de solidariedade entre a família espírita brasileira, por todos os meios de aproximação de seus componentes, para uma ação mais eficaz nas coisas da doutrina e mais amplas realizações que as que se têm até agora consumado, essa iniciativa só pode e só deve caber à Federação Espírita Brasileira, eixo central da nossa organização doutrinária e militante. Todo movimento partido de fora com iguais intuitos aos de seu programa, constituindo um paralelismo cismático e anarquizador, só há de conduzir à dispersão e à desordem, por mais que lhe queiram atribuir foros de organização. E que se deve pensar dos que, para organizar, isto é, para estabelecer métodos e normas disciplinares, começam por infringir os preceitos da obediência e disciplina, sem as quais não se pode manter coesa a coletividade?

*

            Leopoldo Cirne sempre voltado para a literatura espiritualista, não desdenhava a literatura profana, desde que esta terçasse armas por um ideal elevado. Seu amor e interesse pela cultura eram tão grandes, que a ele se deve o apoio que a Federação sempre prestou à causa do Esperanto, desde 1909. E era com enlevo e correta dição que recitava de cor trechos patéticos de Castro Alves em prol da liberdade dos negros, de Guerra Junqueiro e outros. De Joaquim Nabuco, que ouvira em comícios no Recife, conservava muitas recordações; e a poesia mui brasileira e sentimental de Casemiro de Abreu era credora de seu apreço. Renan e Victor Hugo tinham no altar de sua estima um nicho especial. Contristava-o, no entanto, o aspecto de desolação que o mundo oferecia, e ainda oferece a todos nós, avassalado como está pela progênie de Caim, após tantos séculos de pregação evangélica.

            Talvez Leopoldo Cirne estivesse convencido daquele conceito proferido por Henry de Chatelier: Depuis l'origine du monde la moralité moyenne des hommes n'a guère variée, mas o seu profundo ressentimento cristão revoltava-se contra certas tendências materialistas dominando a mentalidade de alguns povos e procurando estabelecer o primado do egoísmo e da brutalidade.

            Leopoldo Cirne, como é de ver; foi marido exemplar, de extremo carinho para com a sua companheira e esposa muito querida, que hoje resignadamente sofre a sua separação objetiva. Ele considerava o lar, aquele home, sweet home da célebre canção inglesa, no qual a sua existência, embora sem os cuidados da paternidade, se desenrolou dentro dos modestos limites de seus recursos pecuniários, sem o fel da inveja, nem os acúleos da ambição.

            E foi com os olhos postos nessa companheira, que tão bem soube compreendê-lo, amá-Io e encorajá-lo na sua laboriosa vida farta de espinhos, e balbuciando uma doce e comovedora prece, que o espírito de Leopoldo Cirne, abruptamente, partiu para essa pátria que tanto amava!







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