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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Existência do Inferno

Domingos de Gusmão queima livros dos Cátaros

A existência do Inferno
Lincóia Araucano (Ismael Gomes Braga)
Reformador ((FEB) Novembro 1947

            Absolutamente nada teríamos nós que ver com o ardoroso livro do Padre Paschoal Lacroix - A Existência do Inferno Provada de Pleno Acordo com a Sã Razão - no qual defende S. Revma. a sua fé robusta num Deus irado que condena a quase totalidade dos seus filhos às fogueiras eternas. A questão interessaria somente aos católicos romanos e passaríamos por ela com o devido respeito que nos merecem todas as convicções humanas; mas a páginas tantas, ou, mais precisamente, à página 144, S. Revma. escreve esta epígrafe: Contra o Espiritismo, e passa a combater a doutrina reencarnacionista e refutar o Espiritismo. Aí já nos parece de nosso dever pedir a palavra, com o devido respeito, para examinarmos os argumentos do Autor.

             Dogmatiza S. Revma.:

             "A morte é o último limite do prazo concedido para operar a salvação".

            Examinemos esta proposição. O homem morre em todas as idades; com alguns minutos, algumas horas, alguns dias, anos, decênios ou em plena velhice. Uma criatura a quem Deus só concedeu 10 anos de vida, só viveu infantilmente, brincando, sem pensar em coisa alguma séria. Mui pouco provável que tenha feito algo digno da bem-aventurança eterna. Admitamos mesmo que só tenha feito mal. Seu discernimento ainda é insuficiente para a pena severíssima de uma condenação eterna. Seria justo que outro receba oitenta anos para preparar a sua salvação e este só dez anos, dos quais sete foram passados sem responsabilidade, segundo a Doutrina da Igreja, e só três teve ele para se aparelhar à vida eterna? O Autor é terminante:

              "Conforme a morte achar cada um, justo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus, assim será a sua eterna sorte, ou de bem-aventurado no céu, ou de réprobo no inferno".

            O infeliz que nasceu e viveu num meio ignorante, sem mestre de religião, nos remotos sertões, morre sem saber distinguir entre o bem e o mal, praticando o mal por ignorância, mas estará irremediavelmente condenado ao fogo eterno.

            S. Revma. entra a atacar violentamente a doutrina reencarnacionista que permitiria a esse infeliz salvar-se por meio de outras existências. A reencarnação é burla do demônio para lançar os homens no inferno, assegura-nos S. Revma. Cita o caso de uma menina que ele mesmo conhecera e que antes de completar quatro anos já sabia ler perfeitamente, escrever, fazer contas, mas isso nada tem que ver com reencarnação. A menina sabia, porque o pai ensinou. O Autor mesmo nos diz:

           "Fazemos exceção da doutrina budista, relativamente recente, (1) da transmigração das almas e das provações infindas, todos os povos do mundo fazem começar na morte a lei inexorável da justiça como castigo sem fim. Contra esta opinião universal os espíritas sustentam a reencarnação e a continuação das provações e expiações após a morte..."

            (1) Quinhentos anos mais antiga e muito mais divulgada do que o Cristianismo.

            Não é exato que o budismo seja a única religião reencarnacionista: também o bramanismo o é e, portanto, essa doutrina é mais velha e muito mais numerosa do que a Católica Romana. Não é exato, também, que todos os povos do mundo creiam em penas depois da morte, porque os materialistas, desde os saduceus do tempo de Jesus até os positivistas do século vinte, não creem na sobrevivência da alma.

            Leiamos os argumentos contra a reencarnação e as expiações depois da morte:

           "Não há dúvida de que Deus teria podido prolongar para a alma separada do corpo o tempo de merecimento, porém, de fato não o fez. Sabemos isso com absoluta certeza pela revelação".

            Examinemos, pois, a revelação nos Livros Sagrados da Igreja...

            No Velho Testamento encontramos logo o Decálogo (Êxodo, XX, 5. e 6): ...sou Deus zeloso, que puno a iniquidade dos pais nos filhos, na terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem ...  "Não pune nos mesmos, nem nos seus filhos e netos, mas na terceira e quarta geração (in tertiam et quartam generationem), porque só então os culpados já se reencarnaram e recebem as consequências de seus pecados.

            Passando ao Evangelho, vemos Jesus interrogando os seus discípulos: "Quem dizem que eu sou" e eles respondendo: "Dizem uns que és João Batista; outros, que Elias; outros, que Jeremias ou algum dos profetas". (Mat. 16:13 e 14).

            Não é evidente que Jesus sabia que o povo o tomaria pela reencarnação de um grande vulto do passado e o mesmo pensavam os discípulos?

            Mais adiante, Jesus declara que João Batista é Elias reencarnado (Mat. 17: 10 a 13). Depois Jesus diz a Nicodemos que para entrar no céu é preciso nascer de novo (Jo. 3:1 a 12). Jesus ensina a doutrina reencarnacionista com toda a clareza quando diz que João Batista, filho de Zacarias e Isabel, cujos pais todos conheciam, e viram-no desde a infância, era a reencarnação do Profeta Elias: "Pois todos os profetas e a lei até João profetizaram; e se quereis recebê-lo, ele mesmo é Elias que há de vir. O que tem ouvidos ouça"... (Mateus, 11:13 a 15). .

            A doutrina reencarnacionista está solidamente apoiada na Revelação cristã, mas está também revelada no bramanismo, mil anos antes de Gautama Buda, confirmada por ele, fundador do Budismo, quinhentos anos antes do Cristo: Quanto ao número de crentes, o dogma reencarnacionista tem o dobro dos crentes que tem o dogma do inferno eterno: mas não é só Sócrates e outros grandes filósofos ensinaram essa doutrina; a sã razão faz dela pedra angular da Justiça Divina. Só ela explica a evolução universal e é necessária, portanto, à filosofia científica como solução do problema da evolução dos seres vivos, mais notadamente do homem.

            O Espiritismo não a inventou, não a criou, não a descobriu, somente deu-lhe novo impulso no Ocidente e com isso vai evitando o domínio do materialismo ateu a que conduzem os dogmas absurdos, ilógicos, blasfemos que reclamam fé cega num Deus que o fanatismo religioso transformou em monstro odioso que criaria bilhões de seres nas trevas primitivas, privados de todos os meios de se salvarem, para serem condenados irremissivelmente por toda a eternidade. Com a doutrina da existência única que pode ser até de alguns minutos, como já dissemos, seguida da condenação eterna, ficariam sem explicação numerosos fatos naturais: gerações sem conto que viveram e vivem fora da civilização cristã; desigualdade de ideias morais e intelectuais inatas; povos bárbaros e primitivos que existiram e existem criados por Deus e sem a mínima possibilidade de salvarem-se.

            A doutrina do inferno eterno é tão ilógica, tão repugnante, que engendra o ateísmo materialista e afasta a humanidade ocidental da religião. As Igrejas que ensinam tal doutrina, assumem uma responsabilidade tremenda perante Deus e a humanidade. Felizmente, é um dogma em plena decadência, pertence aos séculos tenebrosos. Quem no lo informa é o mesmo Padre Lacroix nas págs. 77 e 78 do seu livro. Leiamos:

         "O professor George H. Beets, da Northwestern University, de Chicago, acaba de publicar um livro interessante, referindo nele o resultado de um inquérito sobre o estado doutrinal das principais seitas protestantes da América  do Norte. Reuniu em seu volume as respostas de 500 ministros protestantes de credos diferentes e de 200 estudantes de teologia a um questionário de 56 quesitos sobre pontos essenciais da doutrina cristã. Todos concordam apenas na existência de Deus. Quanto à existência do inferno 53 ministros e só 11 estudantes de teologia aceitaram a possibilidade de haver tal local de punição".

            Reduzamos isso a percentagem: 10,6 % dos ministros creem no inferno, portanto, 89,4 % não creem. Dos estudantes de teologia, 94,5 negam o inferno e somente, 5,5 % creem nele. Logo, o inferno perde por 636 votos contra apenas 64 a favor, ou sejam 91 % contra e 9 % a favor. Se os dogmas se aprovam ou reprovam por votação, nos Concílios, já é tempo de proclamarem as Igrejas protestantes que Deus é todo amor e encontra sempre em sua infinita misericórdia os meios de salvar seus filhos. Para isso dispõe Ele de saber e poder infinitos e da eternidade inteira. Os dogmas da unicidade da existência e do inferno eterno seriam a falência do Criador: teria Ele falhado completamente na criação, porque teria criado uma humanidade incapaz de salvar-se, pecadora, ignorante, indigna de seu Criador: e como a árvore se conhece pelo fruto, Deus seria uma árvore má, porque seus frutos seriam esta humanidade tão longe de qualquer perfeição. Tal caricatura de Deus fez o poeta dizer:

            "Depois o Criador (honra lhe seja feita!)
            Achou a sua obra uma obra imperfeita,
            Mundo sarrafaçal (que trabalha mal no seu ofício), globo de fancaria (trabalho grosseiro, coisa malfeita).,
           Que nem um aprendiz de Deus assinaria... "

            A luz da verdade, da doutrina reencarnacionista, tudo se esclarece e enaltece ao Infinito a Divindade: A Terra não é senão pequena parte do Universo, penitenciária provisória para onde são mandados os Espíritos rebeldes que perturbavam a harmonia de mundos mais adiantados. Os maus da Terra são degredados, estão cumprindo pena entre povos espiritualmente primitivos e rudes. Estes, primitivos e rudes, são crianças espirituais, filhos da Terra e progridem intelectualmente com o auxílio dos condenados que são grandes inteligências desprovidas de moral. Deus sabe salvar a todos: os maus, que são desterrados para mundos inferiores, cumprem missões de progresso material e intelectual em suas
penitenciárias, ajudando os Espíritos jovens a desenvolver a inteligência e melhorar a situação de habitabilidade de seu mundo.

            Além dos primitivos habitantes da Terra e dos culpados que aqui estão cumprindo penas, ainda Deus nos envia grandes Missionários, Espíritos de elevação moral e intelectual que nos vêm guiar rumo à felicidade eterna.

            A Terra é habitada por três categorias de seres humanos: 1º - seus próprios filhos, crianças espirituais, formam os povos primitivos, os selvícolas que ainda não são bons nem maus, que são simbolizados por Adão e Eva no Éden, antes de haverem comido o fruto da árvore da ciência do bem e do mal; 2º - os rebeldes que só progrediram em inteligência e não merecem ainda habitar mundos melhores; para estes a Terra é um mundo inferior, ou inferno, mas não eterno, porque eles progredirão e sairão d'aqui; 3º - os raros Espíritos realmente superiores, em missão, que aqui se chamam Vicente de Paulo, Francisco de Assis, Thomas Edison, Allan Kardec, Zamenhof e outros.

            Logo, não conhecemos a humanidade inteira, mas somente uma pequena fração e esta mesma ainda em formação, caminhando para a perfeição que terá fatalmente de alcançar um dia. A obra de Deus é um poema grandioso que nos enleva à adoração; ao ensejo de servi-Lo por amor, respeito, admiração, mas não pelo pavor do Inferno, pelo terror de um monstro cruel que nos imporia violentamente que o amássemos e servíssemos para não sermos lançados às chamas eternas. Reclamaria todo amor, mas só inspiraria todo o ódio, por nos haver criado incapazes de nos salvarmos, nos expor à tentação de demônios infinitamente mais inteligentes do que nós e só haver dado a um número insignificante de seus filhos os recursos necessários à salvação, numa desigualdade irritante e odiosa. Tal monstro só poderia ser temido e odiado, mas nunca amado sinceramente, como devemos amar a um Deus todo amor que nos salva a todos, absolutamente a todos, só nos deixando a escolha do tempo: uns seguem desde o início o caminho do bem e salvam-se cedo; outros seguem o caminho do mal, sofrem, repetem as provas, demoram, são lançados a mundos inferiores (infernos), mas finalmente se corrigem e por fim se salvam. A crença na existência da encarnação única e no inferno eterno é uma blasfêmia, ofensa à infinita bondade de Deus, negação da sua sabedoria, do seu amor. Felizmente, como vimos acima, essa ideia monstruosa, só digna de séculos tenebrosos, vai desaparecendo do mundo. Deus que lhe abrevie o desaparecimento!




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