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terça-feira, 15 de maio de 2012

27 'Doutrina e Prática do Espiritismo'




27      ***


            Mas não é unicamente no ponto de vista fisiológico, de si mesmo secundário, que importa considerar a duração da vida humana. Se se lhe quer encontrar a verdadeira razão determinante, não é no conjunto dos elementos físiobiológicos que para tal concorrem, nem em qualquer deles isolado, que se há de procurar, senão transpondo tal linha divisória entre a observação positiva, ou científica, e a indagação filosófica, de índole particularmente espiritualista. E ver-se-á então que aquele fato, como ao demais todos os fatos do universo, está subordinado antes de tudo a razões de ordem espiritual.

            Atraído a esta esfera de sofrimento, de experiência e de progresso, traz realmente o espírito consigo um certo número de compromissos ou encargos, uma tarefa, em suma, para cujo desempenho necessita de um determinado prazo de existência. A esse prazo, regulado pela soma dos compromissos em questão, é que se tem de ajustar as condições de resistência vital do organismo, cuja durabilidade tem assim um limite máximo, que não poderá ser ultrapassado, mas que - assinalemos de passagem - raramente é atingido, porque em geral, pouco se conformando com as sábias injunções da lei natural, vivem as criaturas frequentemente a infringi-la.

            Não é agora a ocasião de nos referirmos aos excessos de todo gênero, assim de trabalho como de prazeres, a que se entrega o homem e que, redundando num desordenado consumo de vitalidade, concorrem para, comprometendo a saude, abreviar a existência, do mesmo modo que nos limites deste capitulo já não cabe a indicação das regras de uma conduta moral tendente a conjurar tais males, o que oportunamente será desenvolvido. Baste por enquanto assinalarmos que, se em todas as coisas soubesse conservar-se nos limites de uma justa moderação, utilizando criteriosamente as suas energias físicas e  jamais delas abusando, lograria o homem não somente aureolar de serenidade o seu viver, subtraindo-o ao tumulto das paixões que dentro em si desencadeia e o deprimem, como prolongar, mas em tal caso unicamente, até aquele máximo limite natural a peregrinação terrena, tornada assim completamente proveitosa.

            Na ignorância, porém, em que geralmente vive de sua verdadeira natureza e dos fins para que se encontra neste mundo, à revelia de uma conveniente educação religiosa, ou – o que é pior - na ausência de todo sentimento dessa natureza, o que acontece é converter-se ele em joguete das mais desencontradas forças, desde as sugestões do meio aos, em tal caso, irresistíveis arrastamentos do organismo.

            É esta, e não das menores, a primeira influência que, pelo fato da encarnação, padece o espírito. Ao mergulhar na carne, com efeito, se entorpecem nodas as suas percepções e faculdades, não bastando mesmo o desenvolvimento dos órgãos dos sentidos - exíguas frestas, ao demais, por que lhe é possível comunicar com o mundo exterior - para que readquiram a sua plena lucidez. Longe disso, à medida que se desenvolve o corpo, dir-se-ia que os tentáculos de treva, com que constringe o espírito, mais rijos se vão tornando e mais tenazes,

            É verdade que com o desenvolvimento orgânico, particularmente do cérebro e do sistema nervoso, sobretudo se o vêm favorecer os benefícios da instrução, as faculdades intelectuais adquirem mais completas possibilidades de manifestação. Não é  contudo menos certo que, sacrificadas ,em grande parte, aos cuidados do corpo e à preocupação do bem estar, como a satisfação das necessidades materiais, elas se tornam um instrumento de identificação do espírito com as coisas da matéria e, por conseguinte, com as ilusões do mundo, fazendo-o perder de vista os cimos iluminados das aspirações divinas, que dormem nas profundezas de toda criatura e constituem a ignorada trama do seu maravilhoso mundo interior.

            Exceção feita dos raros trabalhadores fiéis do pensamento, absorvidos na cogitação dos grandes problemas da ciência, da filosofia e da religião, que é o que realmente vemos em torno de nós, na sociedade contemporânea, trabalhada pelas correntes do materialismo negativista, senão a obsidente preocupação do sensualismo, sob todas as formas e com os requintados estímulos de uma civilização falseada em seus  fundamentos e desamparada de enobrecedores ideais?

            Geração de cegos, desvairados pela miragem dos prazeres e subjugados pela preponderância tiranizadora dos sentidos, verdadeiros Lásaros de espírito, a cujos ouvidos tarda em ressoar a voz do Mestre, como há vinte séculos: "Levanta-te e caminha!" – nela encontra, mais que nunca, uma demonstração palpável a afirmação, ao demais, de todos os tempos evidente, contida no ensino da Revelação, quanto ao embaraço, que à livre expansão, assim das divinas aspirações a que aludimos, como das mais nobres faculdades do espírito, opõe o organismo, ali por isso comparado a um vidro extremamente opaco, dificultando a emissão da luz (1).

                (1) AIlan Kardec, O LIVRO DOS ESPÍRITOS, nº 368, pág. 151.

            E não é apenas de um modo geral que se faz sentir essa obscurecedora influência;  antes se particulariza no fenômeno da hereditariedade, cientificamente demonstrada, em virtude da qual os caracteres físicos dos pais, certas aptidões e predisposições orgânicas se transmitem aos descendentes, estabelecendo por modo inconfundível a solidariedade da espécie e da família a dependência inevitável de uns aos outros seres,          

            A esse fato, de observação comum, de se parecerem os filhos com os pais, pretenderam contudo os fisiologistas, filiados à escola do materialismo puro, ,atribuir exagerado alcance, ,dele fazendo um argumento contra a existência e a independência do espírito no homem, fundando sobretudo a sua teoria negativa em que tal semelhança não se limita geralmente aos caracteres físicos, desde os traços fisionômicos a certas degenerências e anomalias de uns a outros fielmente transmitdas, mas em muitos, frequentíssimos casos se estende à capacidade intelectual como às qualidades, defeitos e atributos morais, Pretenderam, numa  palavra, baseados na observação, asseverar que há uma hereditariedade fisiológica deste resultante.

            Baseados na observação, dizemos em testemunho da verdade, em nome da qual, todavia, acrescentaremos que fragmentária e incompleta é essa observação, por não abranger os casos que em tão grande número, por diametralmente opostos a essa regra, se insurgem contra o absolutismo de semelhantes conclusões.

            É certo que, de um modo geral, os filhos parece reproduzirem a fisionomia moral dos pais, quer quanto a sentimentos e inclinações, quer quanto a aptidões intelectuais e artísticas, quer finalmente em relação aos hábitos e, mesmo, gestos e atitudes, nestes últimos, todavia - observemos desde logo - podendo ser uma larga parte atribuída à imitação, de um lado, e do outro à sugestão, resultante da prolongada  convivência e, até certo ponto, da interpenetração dos respectivos auras perispirituais.  

            A explicação, porém, daquele fato, que não pode residir em meros  incidentes de natureza fisiológica, não é difícil de encontrar no princípio que nos faz conhecer o Espiritismo e que, inscrito ao alto como uma das epígrafes terminais deste capítulo, deve ser aqui reproduzido: a afinidade eletiva dos espíritos é a lei que preside a constituição da família. Por outros termos: os espíritos se atraem, assim para formar no espaço as grandes legiões, como para constituir os núcleos domésticos na terra, em razão da similitude de sentimentos, predileções e tendências que os distinguem e, conseguintemente, do grau de simpatia que uns aos outros mutuamente inspiram.

            Desse princípio é que resulta a identidade de índole e de gênios tão comumente observada entre descendente e ascendentes, e - cumpre acentuar - não unicamente em linha direta senão também colateral, de tal modo que cada família, por assim dizer, uma fisionomia própria, determinada pelo caráter predominante entre seus membros.

            Longe contudo ficaríamos da verdade, se pretendêssemos atribuir a esse fato o cunho de uma  generalização e uniformidade, que de resto não teriam para prestigia-las a sanção da experiência. Porque, ao contrário, o que muitas vezes se observa é que ao lado daquelas semelhanças morais, que indubitavelmente constituem a regra geral, os mais flagrantes antagonismos parece tornarem estranhos entre si os membros de um mesmo tronco genealógico.

            De uma família de pessoas tradicionalmente honradas procede às vezes um indivíduo com tal perversão de índole que nem conselhos e exemplos, nem corretivos e infortúnios logram sequer modificar, tornando-se ele a vergonha dos progenitores.

            Um pai ilustre - e a história registra exemplos célebres - dá ao mundo filhos medíocres e, algumas vezes, imbecis. Inversamente: de pais incultos e de apoucada inteligência nascem não raro verdadeiros gênios.

            Onde, porém, tais anomalias revestem o cunho de positiva aberração é no caso das irredutíveis incompatibilidades, que surgem e por toda a vida se obstinam, ora entre irmãos, ora entre filho e pai, outras vezes - e dos mais pungentes, posto que raros, casos tais - entre filhos e mãe, que inexplicável e secreta repulsa divorcIa.

            Porque tão pouco se assemelham e até profundamente divergem os indivíduos, nos primeiros exemplos aludidos, que representam um desmentido formal à teoria materialista da hereditariedade psicológica, e porque, no último caso, chegam mesmo a detestar-se  criaturas que as leis do sangue, no dizer do mundo, leis do espírito, porém, segundo o critério verdadeiro, deveriam identificar na solidariedade de um mesmo afetuoso sentimento?

            Aparentemente contraditórias da lei de afinidade espiritual a que aludimos e que determina a composição da família, mas de fato constituindo apenas exceções à generalidade dessa regra, tais anomalias, entretanto, se tornarão imediatamente compreensíveis, se para aquele resultado admitirmos a colaboração de outros fatores.

            "O berço tem um ontem e o sepulcro um amanhã" - disse inspirado escritor espanhol consubstanciando numa poética alegoria a grande lei que preside à evolução da humanidade da aquela outra, a que acabamos de a aludir, é subsidiaria.

            Examinemos, pois, a vida humana sob a Iuz esclarecedora desse enunciado, que no-la vai fazer melhor aprender na utilidade de suas vicissitudes e na harmonia final a que os seus contrastes são providencialmente encaminhados.




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