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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

03/ 03 A Escolha das Provações



03/03
  A Escolha das
 Provações
por Almerindo Martins de Castro


inReformador’ (FEB) Abril-Maio- Junho 1970


            Santa Marinha viveu há dez para doze séculos. Seu pai, enviuvando e desgostando-se do mundo, entrou para um mosteiro a 10 léguas de Alexandria, e entregou a filha que lhe ficara, ainda em idade mui tenra, aos cuidados de seus parentes. Passado algum tempo, porém, sentiu grande saudade e mágoa pelo abandono dessa filha querida e passou a viver em grave tristeza.

            Certo dia, interrogado pelo superior, confessou que deixara um FILHO - exposto aos perigos do mundo e com isso muito sofria e se preocupava. O abade lhe aconselhou então que trouxesse o - jovem - para o convento, a fim de ser ali instruído e guiado convenientemente. Assim se fez, porque, Eugênio (esse era o nome do frade) determinou à filha que ocultasse o seu verdadeiro sexo, para que pudesse viver – fingindo monge - no meio dos homens.

            Deste modo, com o nome de frei Marinho, passou a moça algum tempo ignorada, humilde, silenciosa, sem erguer os olhos para ninguém, sem pronunciar palavras oito dias a fio.

            Aos 17 anos de idade, ficou órfã, mas a assistência do pai já não lhe era necessária, porque tanta confiança granjeara no conceito da comunidade, que foi feita provisora do mosteiro, incumbida de ir ao mercado fazer as respectivas compras. E, porque este ficasse à distância de três léguas de maus caminhos e começasse muito cedo, o nosso fradezinho pernoitava numa estalagem próxima do dito mercado, para acorrer à hora própria.

            Ora, aconteceu que a filha do estalajadeiro, tendo sido seduzida por um soldado com quem namorava, vendo-se descoberta e ameaçada pela ira do progenitor, lançou as culpas para o suposto frei Marinho, acusando-o de autor da sua desgraça, servindo-se da coincidência do tempo - seis meses - em que o frade começara a pernoitar na estalagem.

            Conhecido o escândalo e levada a queixa ao abade, o efeito foi terrível no ânimo dos monges. O superior chamou o acusado e o increpou.

            Santa Marinha, sublime no cumprimento da provação que escolhera, não se defendeu. Curvou ainda mais a cabeça e disse: “Um tal fato, verdadeiro, faz indigno do hábito àquele que o veste. Dá-me a penitência e eu a cumprirei”.

            A resposta era dúbia, sutil, mas o abade não reparou em tal e, cheio de revolta, expulsou do mosteiro o acusado, lançando-lhe em rosto o feio crime que a tantos feria e desolava.

            Durante três anos a heroica mocinha viveu na porta do convento, - exposta ao sol e à chuva, prostrada na terra dura, alimentando-se com as fatias de pão que por esmola lhe davam ali. A quantos entravam e saíam ela suplicava a única esmola que pedia - uma prece em seu favor. E ainda aumentou a provação, porque, ao nascer o filho da sua acusadora, trouxeram-no para que o criasse, para que cumprisse a obrigação de pai.

            A resignada virgem, sempre escondendo o seu verdadeiro sexo, aceitou mais esse sacrifício e começou a repartir com a criança a sua parca fatia de pão!

            É preciso ser - mulher - para possuir uma coragem destas!

            Decorridos três anos, os frades, penalizados de tanto sofrimento e paciência, rogaram ao abade que acolhesse de novo o monge repudiado, lembrando a parábola do Filho Pródigo narrada no Evangelho de Lucas, capítulo XV, 1 a 32.

            O abade, embora com repugnância, aquiesceu, impondo, porém, que o culpado se submetesse aos mais pesados e mesquinhos afazeres do mosteiro. Devia carregar toda a água necessária, varrer os compartimentos, limpar as sandálias dos frades e servi-los como se fosse o mais ínfimo dos fâmulos.

            Marinha, além dos trabalhos de cuidar do neto do estalajadeiro, aceitou e cumpria corajosamente a sua tarefa. Mas, as fadigas foram superiores às forças do corpo material. O Espírito protetor da virgem mártir achou que o resgate da dívida estava feito; até nos juros, e com usura.

            Marinha adoeceu e tocou rápida os transes da morte. O abade, ao sabê-lo, disse aos monges: Vede, meus irmãos, tão grande foi o seu pecado que Deus não lhe deu tempo para resgatá-lo. Vamos cumprir o dever de caridade de assisti-Io e enterrá-Io. '

            Mas, ao chegarem junto de frei Marinho, quedaram-se atônitos de espanto, vendo o júbilo, a alegria estampada naquele rosto moribundo. Dir-se-ia que ali estava uma criatura no momento mais ditoso da existência.

            Só os verdadeiros espíritas compreendem a felicidade do Espírito quando, cumprida a provação, vai deixar o corpo.

            E a sorrir, a sorrir, a virgem espirou venturosa.

            Mas, quando foram lavar o cadáver (oh! dor, remorso eterno!), verificaram a verdade: o frade acusado de sedutor era mulher!

            Gritos atroaram no convento e o superior, chorando, atirou-se aos pés daquele corpo inerte, suplicando perdão pelo amor de Jesus-Cristo, perdão pela falta, pela injustiça, pelo crime que cometera, implorando que não o acusasse perante Deus.

            Ao dia seguinte, quando a perversa acusadora soube do acontecimento; foi tomada por um Espírito obsessor (talvez o mesmo que lhe sugerira a terrível calúnia contra Santa Marinha) e arrojada no chão, em convulsões terríveis tudo despedaçava em torno de si, e não houve força, nem cordas, que a contivessem, pois a estas, diz a narrativa oficial da Igreja, “todas o Demônio arrebentava”. Foi preciso conduzir a obsidiada até junto do cadáver da virgem morta. Só aí, com orações, mediante a confissão feita pela acusadora, que então declarou o nome do sedutor, cessou a obsessão e, sem dúvida, podemos dizer, porque o Espírito recém-desencarnado veio afastar a alma trevosa que perseguia a infeliz caluniadora.

            Magnífico exemplo, eloquente lição, para mostrar a fraqueza dos juízos humanos, que se encarniçam a apedrejar inocentes e não enxergam a verdade, só porque essa verdade não está nua diante dos olhos daqueles que ainda não aprenderam a ver também com os olhos da alma.

            Eloquente exemplo, lição magnífica, ensinando como se cumpre a lei das provações, pela reencarnação, e como se devem abençoar e receber as dores e as humilhações que foram escolhidas no Espaço, quando o Espírito para aqui veio resgatar um passado de culpas.

            Destes exemplos encontraremos às centenas na História de todas as épocas e de todos os povos.

            Se a nossa vida na Terra é uma única, se a lei do resgate das culpas é uma ilusória burla, se Deus conduz pela mão as criaturas e d'Ele depende que sejamos bons ou maus, felizes ou infelizes, por que motivo Camilo Flammarion viveu mais de 80 anos, tranquilo, respeitado, cheio de glória, e porque esse desditoso príncipe Luís Filipe, de Portugal, caiu, em pleno esplendor da mocidade, varada pelas balas assassinas do Buíça e seus loucos companheiros?

            Porque a rainha Vitória, da Inglaterra, empunhou por mais de meio século,o cetro de um trono poderoso, e a czarina da Rússia foi selvagemente trucidada com os inocentes filhos, pela fúria do bolchevismo sanguinário?

            Por que motivo Léon Tolstói pode, septuagenário, atacar com a formidável mansuetude das suas doutrinas o poderio e a crueldade das leis da sua pátria russa, e Jean Jaurés, o ardoroso socialista francês, tombou assassinado, quando a sua palavra ia acender, talvez, as energias cívicas da mocidade contra as baionetas alemãs?

            Por que motivo Teixeira Mendes, o pontífice positivista brasileiro, conservou, até à derradeira hora, toda a lucidez do seu intelecto erudito, e Benjamim Constant Botelho de Magalhães, pontífice positivista igualmente, se afundou na treva da loucura?

            Qual a razão por que Machado de Assis nos pode legar, através das cãs honradas de uma vida modelar, esses imperecíveis mármores de estilo vernáculo, e Euclides da Cunha, que estava fadado a encher de glórias por séculos a nossa literatura, encontrou cedo a morte, no revólver de um colega de classe?

            E porque existem mulheres que dão o paraíso num beijo, e há bocas corroídas pelo cancro?

            Porque há crianças que fazem piruetas encantadoras e outras que se arrastam paralíticas?

            Como se explica o delicioso papaguear de certas criaturinhas, comparado à mudez de outras que, à semelhança da girafa, não podem articular um som sequer?

            Quem explica que Artur Napoleão, até aos 60 anos, lesse as partituras abertas na estante do seu piano - enquanto que Ladário Teixeira, o mágico inexcedível, que tira sons de violoncelo e de flauta do seu saxofone encantado, não tenha olhos para contemplar as belezas gráficas de uma página de música, da música que ele interpreta e executa com os risos e as lágrimas da sua alma de artista?

            Apontando agora, rapidamente, duas ou três figuras de entre os chamados santos, tenho, dentro do escasso tempo de uma palestra, o propósito de mostrar como é que o Espiritismo interpreta hoje os fatos tidos por milagres, como é que o Espiritismo encara certas criaturas que nos vieram mostrar a verdade da reencarnação e não foram compreendidas, porque as julgaram fora da craveira humana, quase divinas.

            E isso porque a nossa miopia espiritual é enorme e difícil de  se ajeitar às lentes da Fé, aos aros do Evangelho. Interpretamos as imagens, as coisas da vida com o erro ótico dos míopes e forcejamos mesmo por preencher com a prática de atos materiais o grande vácuo que o desconhecimento das leis do Espírito abre e cava em nosso cérebro. Entendemos a letra, a palavra na sua acepção imediata e não lhes descobrimos o espírito e verdade.

            A Santo Antônio de Pádua, o maior médium da sua época, apresentou-se certa vez um rapaz, que o ouvira pregar e ficara tocado de grande aflição e remorso. Confessou a Santo Antônio que, cheio de ira, dera um pontapé em sua própria mãe, atirando-a por terra. Antônio de Pádua mostrou-lhe então quanto era grave e repugnante a falta praticada e, servindo-se da lição de Marcos (cap. IX, 44), que diz: “E se o teu pé te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés, ser lançado no fogo do inferno” - acrescentou: “O pé que insulta um pai ou mãe deveria ser cortado desde logo.”

            O rapaz foi para casa e cortou o pé.

            É assim que muitas criaturas entendem as lições dos Espíritos.

            Um desencarnado aparece, durante o sono ou em vigília, a crentes de igrejas-? Está pedindo cânticos, hinos, missas ou velas!

            A pessoa a quem o Espírito se manifestou não é católica romana, nem protestante? Então é arte de Satanás.

            Poucas, infelizmente, são aquelas criaturas que divisam a verdade, Deus, através dos fatos espíritas.

            Por isso, preciso se faz repetir, sem cessar, o mesmo ensino, a mesma explicação.

            Não temamos os Espíritos; encaremo-los tais quais são e se apresentam aos nossos olhos, ao nosso entendimento.

            Não há santos; não há diabos. Diabólicas são as paixões ruins de que não nos libertamos na Terra e que nos acompanham para o Espaço, de onde continuamos a praticar o mal, por intermédio das criaturas atrasadas que vivem junto de nós.

            Mas, principalmente, não há santos, há Espíritos de Luz, evoluídos, capazes de produzir fenômenos que nos enchem de admiração é nos deixam perplexos.

            Santos são todos os entes que, percorrendo a escala do aperfeiçoamento espiritual, adquirem faculdades e forças que a maioria das criaturas ainda não pode adquirir.

            Em outras épocas, quando os conhecimentos eram menos completos e a Humanidade via a cada passo milagres e mistérios, os santos surgiam em profusão. Hoje é diferente. As canonizações se tornam mais raras, porque, em nossos dias, os chamados milagres são produzidos pelos médiuns e os médiuns são criaturas iguais a nós outros. Outrora, o médium tinha o nome de - santo - e ia esconder-se entre as paredes de um mosteiro, para estar em contato com o céu; atualmente, não. Em qualquer associação espírita, os nossos irmãos do Espaço vêm fazer os milagres de outros tempos: curam os enfermos, saram os paralíticos, dão vista aos cegos, raciocínio aos obsidiados tidos por loucos, fazem os analfabetos falar como se fossem sábios e escrever como se fossem calígrafos.

            Materializam-se em corpo palpável e nos deixam, à semelhança de João, o Espírito familiar da inesquecível médium Ana Prado, de Belém do Pará, provas indestrutíveis da sua presença e do seu poder maravilhoso, quais esses moldes feitos em parafina fervente - obtidos diante de auditórios insuspeitáveis - moldes onde até as linhas quiromânticas da mão ficam indelevelmente impressas.

            Deixemos, pois, os santos em paz. Acreditemos, sim, que muitas dessas criaturas são reencarnações de Espíritos superiores, com poderes de fazer algum benefício aos seus irmãos aqui na Terra. Invoquemo-los, não como sendo santos, porém Espíritos evoluídos, mais felizes do que nós outros, que ainda não tivemos a felicidade de pisar os primeiros degraus da escada simbólica, cheia de flores, de que nos fala o Velho Testamento.

            E aprendamos principalmente, na lição dos chamados santos, a cumprir as leis de Deus e a suportar com coragem as provações das nossas existências.

            Oremos sempre, para que os Espíritos missionários e protetores das criaturas de boa vontade nos encham de fé, coragem, resignação, a fim de que possamos atingir depressa o fim da viagem e para que, durante o percurso, sejamos protegidos contra os nossos irmãos atrasados e cegos (pobres infelizes que ainda não aprenderam a orar e a descobrir a luz divina no Espaço onde vivem), que tentam arrastar-nos para o erro e para a iniquidade.

            O Espiritismo não pretende com isto derruir as crenças de ninguém. Quer apenas que, dentro de qualquer crença, a criatura se volte para o Alto e se desprenda das coisas da Terra.

            Acreditemos no poder de um - santo - mas acreditemos no Espírito e não na imagem que é feita pelas nossas mãos. Tenhamos a nossa fé, mas em Deus, que é o soberano senhor de todos os mundos. Oremos as nossas preces, mas não confundamos no mesmo louvor criaturas que se arrogam poderes e virtudes que não podem ter, porque perfeito e INFALÍVEL - só Deus. Tenhamos a nossa preferência por um templo, mas não odiemos, nem persigamos os nossos irmãos pelo fato de não acompanharem as nossas simpatias nesse particular. Adotemos o rótulo religioso que quisermos, mas pratiquemos sempre, dentro desse rótulo, os Dez Mandamentos da lei de Deus e pratiquemos os ensinos de Jesus Cristo.

            Esta é a lição do Espiritismo, lição que veio do Espaço e que do Espaço nos é repetida continuamente e comprovada pelos fatos espíritas que hoje se registam até nos templos católicos romanos, conforme se viu, em Maio último, na igreja de Capanema, lugar bem vizinho de Belém, capital do Pará, onde uma fotografia, tirada após certa cerimônia do mês de Maria, registou a presença do Espírito - materializado - de Agostinho Meireles - ajoelhado junto do altar. Esta é a lição que vem endereçada diretamente às mães, à mulher.

            À mulher, sim, porque o Espiritismo reivindica e aponta ao mundo a proeminência da mulher na missão de regenerar a Humanidade.
           
            Todos os ensinamentos que nos vêm do Espaço são unânimes em colocar a Mulher no posto de pioneira do futuro, pois é dos lares, e não das igrejas, que há de surgir fraternidade entre as criaturas sobre a Terra.

            É' do ensino nos lares, da formação das almas das crianças que hão de surgir os seguidores de Jesus Cristo, habituados desde a tenra infância a ouvir as sãs doutrinas e a ver os bons exemplos. Ensinados pelas mães, os homens das gerações de amanhã serão melhores e semearão menor número de males, vícios e crimes.

            E vós, a quem me dirijo neste momento, vós todas que tendes sob o domínio do vosso afeto, sob o poder do vosso sorriso, sob a prisão das vossas palavras meigas, sob as cadeias floridas das vossas carícias, um ser que vos obedece e ama - vós todas, tomai em vossos fortes ombros a nova cruz do Senhor, para  nos conduzir a um outro calvário - o da Salvação.

            Mudai a fórmula dos vossos ralhos. Não digais mais: “Deus castiga”. Dizei: “Sofrerás a consequência do teu erro.”

            Ensinai corajosamente dentro dos vossos lares a verdade da reencarnação.

            Ensinai às criancinhas que o avozinho, daqui ausente para a outra vida, continua do espaço olhando os netinhos que aqui ficaram; convencei às criancinhas que o irmãozinho, que Deus levou, lá do alto sorri, quando elas são boas, obedientes, carinhosas e puras; mostrai às criancinhas que os sofredores são culpados de outras existências, purgando as culpas e que esse será o nosso destino, se formos maus e voltarmos as costas às leis que Jesus nos deu; habituai as criancinhas a serem fortes nas contrariedades e encarar com alegria tudo que Deus nos dá; comunicai às criancinhas o amor dos vossos corações, exemplificando que as palavras de carinho, de tolerância, de perdão e de piedade vencem todas as tempestades desencadeadas peIas iras alheias.

            Pregai a verdade da lei das recompensas espirituais.          

            O Papai-Noel é um símbolo, não é uma burla. Todos teremos o nosso Natal, vindo de Deus. Nos velhos sapatinhos dos maus sentimentos, que atirarmos ao desprezo do arrependimento e do olvido, Jesus colocará as luminosas quinquilharias das suas bênçãos, que são a saúde plena do corpo e da alma, a paz do Espírito, as abundâncias de todas as coisas que Ele prometeu seriam acrescentadas. (Mateus VI, 33).

            E, à semelhança do que hoje se faz na festa de Dezembro, agitaremos, felizes e contentes, as dádivas do Senhor, se soubermos conseguir os velhos sapatinhos feitos das imperfeições tiradas da nossa alma.

            Palavras a que eu quisera dar a beleza esplêndida das auroras que surgem no horizonte, depois das grandes tempestades, cheias de trevas, quando os coriscos parecem sinistras cusparadas do céu sobre a face corrupta da Terra.

            Sois escrínios de joias espirituais e eu não possuo senão os diamantes brutos de uma palavra por lapidar.

            Sei, mas não tenho expressões que vo Io digam, que podeis realizar o prodígio desta campanha abençoada, cuja bandeira luminosa o Espiritismo vos entrega.

            Mesmo torturada pelas brutalidades dos homens, com o sorriso apagado pela feroz ingratidão dos lobos humanos, com o coração cheio do fel derramado pelos enganos e ciladas dos malvados, desesperada pelos vícios e pela condenação dos maus, desprezando com horror certa vida de sofrimentos, mesmo assim, a mulher é bem melhor do que o homem porque, através de todos os vendavais mundanos, a mulher guarda sempre um pouco de amor e de piedade e é capaz de espargir consolo e ventura em torno de si.

            Mesmo a última das mulheres é capaz de um grande amor e de sorrir com a mesma graça ingênua da primavera da vida.

            Só a Mulher teve o privilégio de ser perfeita na vida de Jesus, não o esqueçamos e tiremos daí a lição.

            O Cristo expulsou os vendilhões do templo; mas, quando à sua frente surgiu a perseguida adúltera, toda a majestade da sua divina força, toda a luminosa pureza do seu coração sem mácula, toda a autoridade da sua doutrina se ergueram para defender a Mulher, dizendo: “Aquele de vós que se julgar sem culpa, que lhe atire a primeira pedra.” (João, cap. VIII, 7).

            E, no caminho do Calvário, quando todos abandonaram o Mestre, quando os discípulos apavorados diante das espadas dos centuriões fugiam e o negavam, quando o peso do madeiro lhe esmagava os delicados ombros e o suor da agonia, misturado ao sangue que os espinhos faziam brotar da fronte escorria por aquele rosto angustiado, foi a coragem sem precedente de uma piedosa mulher que estendeu a bendita carícia das suas mãos para lhe enxugar o rosto desfigurado.

            E depois, junto da cruz, quando soldados ébrios, sem freio e sem outra lei que a da crueldade com que deviam ser tratados - igualmente - Jesus, os dois ladrões e todos os que discípulos do Mestre fossem, a quem coube a indescritível coragem de afrontar a brutalidade dos algozes?

            Foi Maria Madalena, aquela que abandonara tesouros e prazeres, sedas e joias, para ajoelhar-se aos pés do mais pobre desses tesouros da Terra.

            E regou o chão com as lágrimas escorridas daqueles olhos que dominavam, que haviam escravizado os mais poderosos homens do seu tempo, deslizadas por aquelas faces mais belas do que pétalas viçosas de flor e que para serem beijadas muitos homens dariam todas as riquezas que possuíssem.

            E ali também se viu a meiga e mansueta Maria, a Mãe sofredora, que sempre, em ignorado silêncio, sofreu por aquele filho que nem ao menos podia chamar seu, porque viera de Deus e não pertencia a este mundo de provações.

            Recebei, pois, e cumpri fielmente a delegação que o Espiritismo vos entrega e que vem do Alto.

            Meditai com atenção sobre as lições do Evangelho. Maria foi bendita entre as mulheres; vós sois as escolhidas entre as criaturas.

            Para reivindicar as verdades deturpadas do Velho Testamento, Deus não se serviu dos homens, quando enviou Jesus ao nosso mundo; para ressuscitar o Evangelho, afogado em 19 séculos de mentiras, ódios, sangue e cobiça, Deus escolhe de novo a Mulher, porque as leis divinas se apoiam no Amor e só as mulheres sabem amar verdadeiramente.

            Amar e sofrer.

            E nós, os homens, precisamos aprender convosco a amar e a sofrer, porque as provações mais duras e terríveis se abrandam, quando na hora triste do sofrimento temos a carícia doce de um sorriso, uma palavra de terno encorajamento, o suave contato das mãos benditas da mulher que nos ama.

            E que Deus nos possa conceder a todos os que aqui estamos o início de uma nova existência. Que seja esse o fruto das pobres palavras que eu vos disse. Que estas palavras, pequenas quanto uma pequena semente, germinem pela misericórdia do Senhor em frondosas árvores de bênçãos, saúde, paz e prosperidades.

            Que Deus grave no íntimo dos nossos corações o desejo de melhorar e progredir espiritualmente, e que um laço de amizade nos ligue a todos, fazendo com que os nossos pensamentos se unam no mesmo anelo de subir ao Espaço para atrair aos nossos lares a proteção dos Espíritos perfeitos, os fluidos poderosos dos bons Guias.

            Eu, de mim direi sempre, com a minha alma voltada para Deus:

            Pai de infinita bondade, corrige os males da Terra; dá aos sofredores o consolo de um Espírito amigo; - mas abençoa, guia e protege as Mães, Senhor; e deposita em seus corações o poder bastante para tornar os homens dignos da Tua misericórdia e transformar os lobos da Terra em cordeiros do Céu.

Conferência pronunciada na Federação Espírita Brasileira, em 11 de Dezembro de 1927.

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