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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

1981 - Centenário de Uma Perseguição



A "REVISTA DA SOCIEDADE ACADÊMICA DEUS,
CHRISTO E CARIDADE" HISTORIOU OS FATOS QUE
CULMINARAM, NO SEGUNDO IMPÉRIO, NA
PRIMEIRA PERSEGUIÇÃO AO ESPIRITISMO PÁTRIO:

1981 - ‘Centenário
de uma Perseguição’

(1881 – 28 de Agosto – 1981)

(Reformador Agosto 1981)

          I

"Os dirigentes atuais da Federação Espírita Brasileira, cônscios aos deveres que o Estatuto da Casa lhes impõe 
e das obrigações que têm para com o Anjo Tutelar da Pátria do Evangelho, procuram ser guardiães fiéis do incalculável patrimônio espiritual e moral que lhes foi confiado e, por isso, não transigem com os princípios da Doutrina codificada por Allan Kardec e nem com as diretrizes da Casa de Ismael, recusando, inclusive, dar qualquer agasalho a enganos ou a erros históricos, consciente ou inconscientemente cometidos, particularmente quando de autoria de pessoas que não se possam considerar insipientes."                            ("Reformador", 8/1978, pág. 268.)

            Aos estudiosos da Doutrina Espírita não escaparam, por certo, os extraordinários conceitos emitidos pelo Espírito Humberto de Campos, na obra "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", editada pela FEB, na qual o emérito escritor patrício desencarnado nos enviou do plano extra físico, onde moureja, instrutivas e consoladoras informações da nossa História, na qual falecem as maquinações e os perjúrios da má vontade humana,

            O nosso querido Humberto de Campos, jornalista e escritor consagrado que foi entre os terráqueos, após despir a roupagem carnal, não se homiziou nas prerrogativas do seu valor acadêmico, mas, valoroso como sempre, tornou-se um grande repórter da Espiritualidade, pesquisando e narrando nos episódios marcantes da História da nacionalidade, sem desvios ou mistificações, porque suas Informações foram colhidas na fonte augusta do Além, dando-nos a beber a linfa pura e cristalina da verdade, que não se coaduna com os transitórios e mesquinhos interesses humanos e que não obedece a outros princípios que não sejam aqueles que interessam á coletividade, sem medos ou subterfúgios.

            Na obra citada, em seu XXIII capítulo, intitulado "A Obra de Ismael", ele nos fala dos primeiros passos da Doutrina do Consolador nas Terras do Cruzeiro, sob a égide desse generoso Guia. São citados os humanitários médicos Bento Mure e Vicente Martins, que por volta de 1840, antes mesmo da Codificação, conheciam a mediunidade, o valor dos passes espirituais e magnéticos,  além de terem sido apóstolos da Homeopatia. A fulgurante divisa "Deus, Cristo e Caridade", inscrição sublime da alvinitente bandeira Ismaelina, serviu a ambos, via intuição, como elemento impulsionador de permanentes vitórias. Outros heróis anônimos e devotados seguiram lhes as pegadas, aliviando e curando aflitos e necessitados, sob as bênçãos de Jesus. Os fenômenos ocorridos com as irmãs Fox, em Hydesville (E.U.A.), de inestimável valor no campo fenomênico, repercutiram no Brasil, durante o Segundo Reinado.

            A intelectualidade da Corte, entusiasmada pelos notáveis acontecimentos, iniciou então seus estudos sobre a fenomenologia mediúnica, conquistando ardorosos adeptos, dentre eles o Marquês de Olinda e o Visconde de Uberaba. Treze anos após Hydesville, em 1860, despontaram os primeiros beletristas espíritas. Através do "Diário da Bahia", o Dr. Luís Olímpio Teles de Menezes, tendo a secundá-Io alguns colegas, repelia inverdades assacadas contra o Espiritismo, publicadas na "Gazette Médicale".

            Essa louvável atitude desses pioneiros do jornalismo espírita chegou até o Codificador, que se rejubilou com o acontecido, certo ficando da expansão universalista da novel Doutrina.

            O decesso do mestre lionês em 1869 não desencorajou os profitentes espíritas. A luminosa e bendita semente da Codificação extrapolara o Velho Continente e ainda naquele ano surgia o primeiro periódico espírita - "O Eco de Alérn-Túmulo" -, sob a firme direção de Luís Olímpio Teles de Menezes.  

            Por injunções materiais e sob a inspiração da Espiritualidade, a fim de que se agregassem num só núcleo os dispersos adeptos do Espiritismo, foi fundado em 1873 o "Grupo Confúcio", que teve vida efêmera, mas balizou o desdobramento em bases austeras do Cristianismo Redivivo, em terras brasileiras.

            Três anos após, exatamente em 1876, os elementos que não se dispersaram após a dissolução do "Grupo Confúcio", onde muitos foram envolvidos pela discórdia oriunda da invigilância, fundaram a "Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade", na qual pontificaram grandes vultos do Espiritismo pátrio, dentre eles: Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, Doutor Adolfo Bezerra de Menezes e Antônio Luiz Sayão.

            Dai em diante, ou seja, a partir de 1876, acontecimentos vários, todos eles oriundos das imperfeições humanas, tumultuaram o ambiente da referida Sociedade, até chegar--se à fundação da "Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade".

            Neste humilde e despretensioso escorço, não nos moveu qualquer intento de reescrever o que tão explicitamente foi estampado, na magnífica obra de autoria espiritual de H. de Campos, através da abençoada mediunidade de F. C. Xavier. Fizemo-Io como abordagem ao assunto que pretendemos enfocar - o centenário da perseguição ao Espiritismo no Brasil -, fato que se tornou patente no ano de 1881.

            Com a devida vênia, declaramos haver recorrido à obra já citada, e, para mais amplas e melhores elucidações quanto aos pródromos do Espiritismo pátrio, também nos valemos do primoroso artigo de Pedro Richard, publicado em "Reformador" de 15 de setembro de 1901 e inserido na Introdução da obra "Trabalhos do Grupo Ismael", de Guillon Ribeiro (no perlodo de julho de 1939 a dezembro de 1940), editada pela FEB (esgotada).

            Após esses esclarecimentos, eis-nos diante de fatos relevantes que bem configuram as atitudes cavitosas dos inimigos gratuitos dos espíritas, e a partir de 1881, pelas autoridades constituídas do Segundo Império, valendo sobremaneira relatar a veracidade dos acontecimentos quanto à perseguição, mas, de igual maneira, destacar-se a nobreza de caráter de Sua Majestade D. Pedro de Alcântara (D. Pedro II), que, embora discordando dos princípios doutrinários espíritas, não aconselhou, acolheu ou determinou qualquer ação penal contra os seus adeptos, mantendo-se dentro dos limites do Direito, da Justiça e da Razão.

            A essa altura já se pode sentir, claramente, a penetração do Ideal espiritista no Brasil, as dissensões até certo ponto naturais entre os seus primeiros trabalhadores, e o esforço angélico e permanente de Ismael, a fim de que a semente bendita do Cristianismo encontrasse condições de sobrevivência entre nós.

            Atingia-se, àquela época, indubitavelmente heroica, o momento das primeiras lutas, ante as arremetidas dos "aborrecidos da luz", encarnados e desencarnados, que açodadamente investiam para destruir a Terceira Revelação que surgia.

            Seria demasiado à História do Espiritismo o não topar no Brasil com detratores, malevolentes e arredios aos seus ensinamentos, porque o misoneísmo é fator intrínseco à natureza humana, e a ausência dessas refregas até desmereceriam a trajetória de quantos lutaram nas linhas de frente, pugnando não pela supremacia de seus ideais, mas pelo reconhecimento público dos mesmos, sempre lastreados nos ensinamentos cristãos, amparados na prece e na humildade, mas firmes e resolutos em defesa de suas
convicções.

            O advento da "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade", fundada no Império do Brasil em 3 de outubro de 1879, e o consequente aparecimento de sua Revista, em janeiro do 1881, causador de um certo constrangimento, visto que era a Igreja Católica intimamente ligada ao Estado, não impediu o novo órgão de divulgação de manter bons níveis de contato social.

            Agindo com acerto, a 3 de outubro de 1880 inaugurava a referida Sociedade a sua Biblioteca, abrindo-a ao público e, ao mesmo tempo, constituindo-a fecho de ouro ao dia no qual se comemorava o seu primeiro aniversário de instalação.

            Pode verificar-se, compulsando-se o primeiro número da Revista da "Sociedade Acadêmica", que no seu dealbar a nova instituição manteve correspondência com sociedades espíritas de Paris e Buenos Aires; participou das exéquias de D. Pedro V, Rei de Portugal, aceitando convite da "Sociedade Caixa de Socorros D. Pedro V", em 11 de novembro de 1880. Relacionava--se, ainda, com o "Real Club Ginástico Português", o "Grande Oriente Unido do Brasil", além das Lojas Maçônicas "Liberdade e Fraternidade", "Abnegação”, "Gangareli do Rio", e a "Imperial Sociedade União Beneficente Vinte e Nove de Julho", "Congresso Ginástico Português", "Euterpe Comercial", "Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro" e "Sociedade Portuguesa de Beneficência". Fez-se representar, através de comissões, em atos religiosos e profanos, como: saimento e sufragação do Ilustre brasileiro José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco) e envio de felicitações à Família Imperial no 55º aniversário natalício do Monarca.

            Havia, portanto, extenso e intenso trabalho no campo das relações externas da Sociedade, objetivando, por certo, angariar leais simpatias, respeitadas as suas normas estatutárias de 30 de setembro de 1879, posteriormente homologadas.



II

            A seguir, verifica-se o envio de diversos Jornais à Sociedade, alguns oriundos da Corte, outros das províncias, todos encaminhados carinhosamente à encadernação. Por sua vez, a Revista da Sociedade era enviada a diversas redações, havendo, como se depreende, um natural Intercâmbio jornalístico.

            Dando expansão às suas atividades, foi criada uma "Sala de Leitura", à disposição do público, na Rua da Alfândega, 120, no horário compreendido entre 10 da manhã às 3 da tarde. Mais ainda: a Revista da Sociedade Acadêmica propôs-se a Inserir matérias de outras publicações, mesmo que infensa às suas Ideias. Obviamente, era uma forma do exercício prático e legitimo da liberdade de pensamento.

            Aliás, a esse respeito, ainda que de passagem, seria Interessante anotar-se que o referido órgão espírita, enviado a diversos co irmãos da imprensa, religiosa ou não, recebia tratamento cordial ou hostil segundo os destinatários. E quando dessas Inserções, ao servir-se de suas páginas para transcrições de noticias de outros hebdomadários, a Revista demonstrava o alto espírito democrático de que se achava imbuída. Exemplificando, vejamos o comentário da "Gazeta da Tarde", em 15 de fevereiro de 1881: "A Revista está escripta em bonito estylo e com bastante talento"; ao contrário, afiançava "O Cruzeiro" de 18 de fevereiro de 1881: "O Spiritlsmo, nome novo de uma crença antiga e transmitida através dos séculos, tem numerosos adeptos, como é natural em uma sociedade sem religião, que lança-se sempre no maravilhoso, e ja possue uma associação que encetou a publicação da Revista (etc., etc., etc.). Fica em nosso poder o 1º número e agradecemos."

            Tornar-se-ia cansativo citar-se aqui a maior parte do que foi escrito sobre o aparecimento do mensário que divulgava as luzes do Espiritismo e que, segundo se nos parece, se não possuía o mérito de mostrar publicamente o tríplice aspecto da Doutrina Espírita, tomando-a mais como Ciência, jamais se acovardou ante as arremetidas daqueles que negam e combatem aquilo que sequer conhecem.

            Diante deste quadro, pode verificar-se, no cômputo geral, naquelas eras primevas, que tinhamos alguns poucos adeptos, seguindo-se a legião dos complacentes ou até inimigos declarados e gratuitos.

            Exatamente neste ano de 1981 pode comemorar-se o primeiro centenário da perseguição aos espíritas em terras brasileiras.

            Se escapamos ao martírio físico e moral que as autoridades da época tentaram impingir aos bravos confrades pioneiros, isto se deveu à ação de um monarca dotado de imensa dignidade e senso de justiça - o Imperador do Brasil, D. Pedro II.

            Um dos fatos mais claros, que bem identificava o que pretendiam os nossos detratores, foi o que ocorreu na cidade de Areias, província de São Paulo, onde um grupo se amotinou contra as reuniões espíritas, que ali eram realizadas.

            Transcrevemos, a seguir, trecho sobre o assunto em tela: "E, desde que sejam ofendidos em seus direitos ou perseguidos de qualquer modo, a Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade cumprirá aquele dever sagrado, que se impoz, de advogar a causa da verdade contra o erro, da tolerancia contra o fanatismo; mesmo porque, perante o artigo 179 da Constituição que procuramos fazer respeitar, ninguém no Brazil póde ser perseguido por motivos de opiniões políticas ou religiosas, e portanto muito menos pelas scientificas; desde que respeitem a ordem e não ofendam a moral pública. Por isso não podemos passar sem um protesto o attentado de que foram victimas diversos cavalheiros e senhoras, que se achavam reunidos na residência do Sr. tenente-coronel Joaquim Silverio Monteiro Leite, na cidade de Arêas, província de São Paulo, na noite de 20 de março proximo passado."

            Tal ocorrência, em 1881, foi notória quanto à perseguição ostensiva movida por profitentes de outros credos, quem sabe até por simples arruaceiros, sempre dispostos a perturbar o sossego público. É bem crível que outras de Igual natureza tenham ocorrido pelo Brasil afora, embora não registradas, em face da ineficiência dos meios de comunicação então existentes.    

            Um caso assim ofereceria ao olhar público a sintomatologia evidente da má-vontade, do egoísmo declarado, gerador de outros mais audazes, se não houvesse um posicionamento defensivo por parte dos ofendidos. Entretanto, o que melhor se pode oferecer com relação ao  assunto enfocado é passar ao relato do ocorrido, quando a "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade" foi diretamente perseguida pelas autoridades constituídas ao solicitar ela sanção do Governo Imperial às suas atividades.

            Relativamente aos fatos acontecidos, há que se destacar alguns "pareceres de Estado" sobre o assunto ESPIRITISMO, as contestações aos mesmos por parte da instituição requerente, de tudo resultando saber-se o que pensava o Governo Imperial da novel Doutrina, tanto quanto a digna, ponderada e corajosa posição assumida pelos semeadores do Cristianismo Redivivo há um século.

            Segundo se pode depreender da leitura da "Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade, às páginas 306, em seu ano I, 1881, outubro, nº 10, essa instituição podia funcionar normalmente, sem maiores problemas com as autoridades governamentais, pois estava amparada pelo Decreto-Lei nº 2711, de 19 de dezembro de 1860, do Governo Imperial, que permitia a existência social, sem cogitar-se de registros estatutários das Sociedades Científicas e Literárias. E, em verdade, tudo corria normalmente, sem maiores embargos, senão os causados por excitados e gratuitos detratores, quando a Sociedade houve por bem, baseada no artigo 42 de seus próprios Estatutos, requerer a aprovação destes, a fim de garantir a aquisição e direito de propriedade de um prédio, que serviria de local de reunião e preservação de seu acervo.

            Para isso, impetrou o requerimento necessário, de acordo com a legislação em plena vigência. Tendo o requerimento sido apresentado em 14 de novembro de 1879, para espanto dos requerentes, teve um precipitado despacho que foi publicado no "Diário Oficial" de 16 do mesmo mês (anotem, apenas dois dias após), com o seguinte teor: "Já foi indeferido em vista da consulta e Resolução Imperial de 22 de fevereiro do corrente ano."

            Ora, convenhamos, como se não bastasse tamanha rapidez a derrubar uma natural demora burocrática (protocolo do requerimento, análise e despacho do mesmo, etc.), ainda se indeferia algo que àquela data - 22 de fevereiro de 1879 - nem existia, pois fora fundada a 3 de outubro de 1879. Logo, indeferia-se o que não se tinha solicitado.

            Inconformada com tão Injusto indeferimento, que pecava na forma e no fundo, pôs-se a Sociedade em busca de seus direitos, tendo recebido apoio dos mais eminentes advogados do Foro, apoiada que se encontrava pelo Decreto-Lei nº 2711, da própria Constituição do Império. Como citou a Revista nessa ocasião, "os inImigos do Espiritismo dispunham de instrumentos dóceis na Secretaria do Império".

            Estava meridianamente claro que o Indeferimento se referia a outra instituição, que não a "Sociedade Acadêmica", que prosseguiu seus trabalhos normalmente.

            Com relação à marcha dos acontecimentos, assim se expressou sua Revista, Ano I, 1881, setembro, nº 9: "Entretanto, o Governo do Brasil, representado pela 2ª Diretoria da Secretaria do Império, na sua informação, pela secção do Conselho de Estado, no seu parecer, por um Ministro do Império, em seu despacho, e pelo Monarcha que o referendou, considera sociedade secreta um Grupo Spirita, a pretexto de não serem públicas as suas sessões."

            Com o Intuito de evitar mal-entendidos, eis que a Sociedade, a 22 de dezembro de 1880, participou ao Sr. Chefe de Polícia da Corte sua existência e funcionamento.

            Tudo parecia serenado, quando a Sociedade foi despertada por notícias alarmantes a seu respeito, publicadas em "O Cruzeiro" e "Jornal do Commerclo", a 22 de agosto de 1881, que informavam a seus leitores que o Chefe de Policia mandara sustar suas reuniões.

            A serena mas firme decisão da Sociedade foi a de comparecer ante o Sr. Ministro da Justiça, para saber da veracidade de tais fatos, tendo os seus Diretores sido tranquilizados por S. Exma.. Mas, às 12 horas do dia 30 de agosto de 1891, um Oficial de Justiça entregou à Instituição espírita uma intimação datada de 27 do mesmo mês, de parte do Dr. Alberto Fialho, 2° Delegado de Polícia da Corte no Rio de Janeiro, proibindo-a de reunir-se socialmente, "visto não estarem os seus Estatutos devidamente aprovados pelo Governo Imperial na forma do que dispõem os Capítulos 1º, 2º e 3º da Lei nº 2711, de 19 de dezembro de 1860".

            Fora abaixo a promessa de S. Exma. o Sr. Ministro da Justiça, que tanto tranquilizara a Sociedade; prevalecera o poder de polícia do Sr. Delegado e a Sociedade, que nada de secreta tinha, era tomada como tal, sem maiores pesquisas ou delongas, configurando-se o ilícito de uma perseguição malévola, pertinaz e desastrosa.

            Novamente a Sociedade voltou, em comissão, ao Sr. Chefe de Policia, que fez algumas concessões, as quais não a satisfizeram "in totum", pois "a Sociedade Acadêmica precisa, quer e há de ter uma posição definida; cônscia de seus direitos nada pede; exige tolerância e respeito mútuo. Em um povo livre, o cidadão, quer Individual, quer coletivamente, não pode ser obrigado a fazer senão o que as leis exigem".

            A partir desses acontecimentos, e por duas vezes, a "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade" foi à presença de S. Majestade, D. Pedro de Alcântara, com intervalo de 15 dias entre ambas, com exposição de motivos, e nessas duas ocasiões ficou bem configurado o caráter adamantlno do Monarca que, sendo Infenso ao Espiritismo e assim o dizendo, aconselhou seus profitentes a buscarem outros estudos, mas, ante os argumentos legais que lhe foram apresentados, proibiu terminantemente qualquer perseguição à Doutrina Espírita.

            Adiante, citaremos trechos dos diálogos havidos entre a Diretoria da Sociedade e Sua Majestade D. Pedro de AIcântara, mas antes de fazê-Io achamos Interessante transcrevermos tópicos referentes ao Espiritismo, emitidos pelo "Conselho da Estado", pinçados de algumas publicações da Revista Acadêmica, Lendo-os, tem-se uma visão perfeita do estado de ânimo dos detentores do poder, que não perdiam oportunidade de combater o Espiritismo nascente em nossa terra.

            Citaremos, igualmente, as ponderações daqueles que defendiam o direito sagrado e inalienável de defender os postulados doutrinários que hoje nos irmanam, de maneira pacifica, buscando as grandes realizações do Espírito.


III

            “Alguns pareceres do Conselho de Estado e análise dos mesmos através da “Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade”.

            Nesta sequência do trabalho que vimos elaborando, os "Pareceres de Estado" serão citados entre aspas e as análises dos mesmos sem elas, a fim de melhor identificá-Ios; outrossim, é nosso intento lembrar que respeitamos a ortografia da época, procurando dar o mais perfeito cunho de autenticidade ao assunto em tela.

            "A Doutrina Spirita nega dogmas fundamentais do catholicismo."
           
            - o catholicismo official, no art. 278 do Código Criminal, só impõe como dogmas a existência de Deus e a immortalidade da alma, verdades aceitas e demonstradas pela sciencia spirita. Como é, pois, que a 2ª Diretoria da Secretaria do Império afirma que o Spiritismo nega dogmas fundamentais do Catholicismo?

            "Considerando pelo lado social não se póde deixar de reconhecer que o Spiritismo é uma doutrina funesta e extremamente perigosa."

            - De facto, para aqueles que querem crer que tudo se acaba com a vida corporea, o Spiritismo é funesto, porque os faz tremer ante essa terrível verdade - a continuação da existencia - tendo em perspectiva o sofrimento; é extremamente perigoso para os que só aspiram os gosos materiais, entregues de corpo e alma aos apetites da carne, engolfados nas paixões mundanas.

            "Tem se observado por toda parte que a pratica do Spiritismo corresponde inexoravelmente a manifestação de graves males, quaes os casos de suicidio, de loucura."

            - Esta proposição, contida n'uma informação da Secretaria do Império, devia ter por base as estatisticas; como, porém, estas contradizem tal asserção, ficaram sem citação.

            "Parece-me, pois, que não póde funcionar com autorisação do Governo uma Sociedade que se propõe a fins contrários à religião do Estado."

            Ninguém que esteja no inteiro uso da razão, livre de qualquer pressão extranha, dirá que praticar a caridade evangélica e contribuir para o progresso moral da sociedade é contrário à religião do Estado; e si na opinião do Governo o era em 1878, parece que mais tarde deixou de o ser, porque em 1880 o Governo approvou, pelo Decreto 7.907 os Estatutos da Sociedade Religiosa Igreja Evangélica Flumlnense, que, propondo-se a conduzir-se com os preceitos de Christo nas Escripturas Sagradas, não aceita a Igreja do Estado.

            "Encarada sob este ponto de vista, a pretendida sociedade deve reger-se pelas disposições do Código Criminal, art. 282 e da Lei de 3 de Dezembro de 1841, art. 49, parágrafo 39, pelo que só necessita da Inspeção da policia e não da auctorização do Governo."

            - Que essas disposições aproveitem às sociedades secretas; porém, a Sociedade Acadêmica Deus, Chrlsto e Caridade só se utilisará dellas, enquanto não for reconhecido seu melhor direito perante a lei.

            " ... Que haja pessoas ilustradas, e mesmo de boa fé, que acreditem em taes doutrinas,"

            - Isto prova que a secção do Conselho de Estado nenhum conhecimento tenha daquilo de que tratava; pois o Spiritismo não é matéria de simples crença, porém de acurado e profundo estudo, cousa de que facilmente se convencerá todo aquele que quizer, afirmamos que elle chega à alma por meio da percepção dos factos externos e não dos internos somente.

            Aqui estabelecemos uma parada nessa série de considerações (ou desconsiderações ao Espiritismo), por parte do Conselho de Estado do Governo Imperial e as respectivas respostas às mesmas elaboradas pelos confrades da época, na certeza de que ficou bem configurado o tentame coercitivo por parte das autoridades em Impedir a livre associação de cidadãos, para o estudo e divulgação da Doutrina Espírita, àquela altura, encarada mais como Ciência pelos seus profitentes, que mesmo apresentado e estudado sob seu tríplice
aspecto.

            Com a devida vênia dos irmãos leitores e segundo nosso modesto prisma ao analisarmos esses fatos que ocorreram há um século, desejamos despertar-Ihes a atenção para algo que medeia entre o curioso e o belo. Trata-se da descrição bem resumida de diálogos mantidos entre os representantes da "Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade" e Sua Majestade D. Pedro de Alcântara.

            Ante tantas Incompreensões, tantas idas e vindas, tantas contradições por parte daqueles que exerciam o poder legal, mas parecendo-nos que jamais se deram ao mero trabalho de ler atentamente os Estatutos da Sociedade que insistiam em proibir de funcionar ou deixá-Ia em constante vigilância desnecessária, limitando-lhe Inclusive o seu número de adeptos por reunião, resolveu-se Ir direto ao Monarca, última Instância a que se teve de recorrer, para preservar-se ao Espiritismo o direito sagrado e inalienável de vigir.

            Do primeiro encontro havido entre os representantes da Sociedade coagida e Sua Majestade - D. Pedro de Alcântara -, podem destacar-se os seguintes trechos:

            O Relator - A Diretoria da Sociedade Acadêmica pede vênia para depor nas mãos de Vossa Majestade Imperial esta exposição, corroborada pelos números de sua Revista até hoje publicados, esperando os sábios conselhos de Vossa Majestade.

            Sua Majestade - Eu não creio no Espiritismo; estou de acordo com as ideias do Parecer do Conselho de Estado.

            O Relator - Estamos convencidos de que Vossa Majestade protegerá a Sociedade Acadêmica, que está sendo, perseguida porque estuda o Espiritismo.

            Sua Majestade - Eu não consinto na perseguição; mas só protejo as ideias com que simpatizo.

            O Relator - Pedimos a proteção de Vossa Majestade para fazer reconhecer e respeitar o direito que temos de estudar.

            Sua Majestade - Os senhores têm o direito de estudar tudo; mas os aconselho que estudem outra coisa.

            O Relator - Nós estudamos tudo, inclusive a Constituição do Império.

            Como resultância desse primeiro encontro ficou acertado que D. Pedro de Alcântara leria a exposição da Sociedade, arquivada sob o nº 216, e que deveria voltar à sua respeitável presença, no prazo de oito a quinze dias, o que realmente ocorreu.

            Abaixo, são citados trechos desse memorável segundo encontro:

            Diretoria - Senhor! Vimos receber os sábios conselhos que tivemos a honra de solicitar de Vossa Majestade Imperial, a bem dos nossos direitos.

            Imperador - Procurem o Ministro do Império e entendam-se com ele.

            Diretoria - Dentre as petições que temos dirigido ao Governo, reclamando as garantias que a lei nos concede, algumas têm sido indeferidas, outras não têm tido despacho: e agora, como há dias viemos comunicar à Vossa Majestade, a Autoridade Policial julga-se habilitada para impor-nos a suspensão dos nossos trabalhos. Até então a perseguição era dissimulada; tornou-se ostensiva, há violência contra uma Associação, toda benéfica e ordeira, como provam todos os seus atos.

            Imperador - Mas o que é que os senhores desejam? Querem aprovação dos Estatutos? Eu estou com as ideias do Parecer.

            Diretoria - Perdoe-nos Vossa Majestade; mas, como demonstramos nas Revistas, cuja coleção acompanhou a representação que tivemos a honra de entregar à Vossa Majestade Imperial, esse Parecer não é aplicável a esta Sociedade; e só pedimos a aprovação dos Estatutos, porque determinando eles no Art. 42 a aquisição de prédios em que funcione a Academia Espírita com os Gabinetes, assim o cumpriremos; e desejamos garantir o direito de propriedade; pois que o direito de funcionar sem pedir aprovação dos Estatutos nos é garantido como Sociedades Científicas e Literárias.

            Imperador - Mas o Espiritismo não é ciência.

            Diretoria - Pedimos vênia à Vossa Majestade para ponderar que todos os fenômenos do Universo, sendo susceptíveis de observação e análise científica, os fenômenos espiríticos, embora qualificados de metafísicos e sobrenaturais não deixam por isso de ser fatos, e sendo submetidos ao estudo pelo método experimental, chega-se ao conhecimento das leis que os regem, e isso constitui a Ciência Espírita.

            Imperador – Ah! assim, desse modo sim, mas é melhor que ocupem o seu tempo com outros estudos.

            Diretoria - Foi para pedir à Vossa Majestade, zeloso das prerrogativas da Coroa, e o primeiro a dar o exemplo de obediência à lei, no cumprimento dos seus deveres, que nos proteja contra a perseguição.

            Imperador - Ninguém os perseguirá. Mas... não queiram agora ser mártires.

            Diretoria - Acreditamos que o século das luzes não é mais tempo de martírios; nem queremos o papel de mártires mas pedimos a tolerância, e solicitamos como prova de respeito à lei que os nossos Estatutos sejam aprovados, de acordo com o que preceitua o Decreto nº 2711.

            Ao término deste trabalho, no qual tentamos descrever, ainda que palidamente, alguns acontecimentos ocorridos em 1881, é de ressaltar-se o espírito pioneiro e indômito de confrades que, embora respeitando as leis vigentes no Segundo Império, jamais se curvaram às injustas perseguições que se Ihes tentou Impor, buscando no acrisolamento da Fé e da Virtude o refúgio seguro para as horas de intempérie, e lastreados no culto à Lei e à Ordem, conseguiram vitoriar-se publicamente no campo do Direito.

            Mas outra poderia ser a História, se a abençoada Pátria Brasileira, àquela época, não tivesse a governá-Ia o ínclito Imperador D. Pedro II, que, embora católico de berço e convicção, não titubeou em impedir as calamitosas e gratuitas perseguições à Doutrina Espírita, cuja semente aqui apenas germinava, dando à posteridade uma prova Incontestável de seu senso de justiça e amor ao próximo, inscrevendo mais uma vez o seu nome como verdadeiro paradigma no cenário político-histórico-social desta Nação que tanto amou, e cujos filhos até hoje o veneram, mercê de seus dotes pessoais de grandeza espiritual.

Iaponan Albuquerque da Silva


Nota da Redação - Em alguns trechos entre aspas, foi obedecida a grafia da época.





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