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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

16 'Doutrina e Prática do Espiritismo'





16      ***


           
            Reveste o mesmo cunho de autenticidade o seguinte fato que, com os imediatos, extraímos da obra verdadeiramente monumental de Alexander Aksakof, ‘ANIMISMO E ESPIRITISMO', opulento repositório dos mais variados fenômenos e de inexpugnáveis raciocínios, pelo autor sub intitulada ‘Ensaio de um exame crítico dos fenômenos mediúnicos, especialmente em relação com as hipóteses da "força nervosa", da "alucinação " e do "inconsciente", como resposta à obra do Dr. Ed. von Hartmann, intitulada O ESPIRITISMO ", sendo assim uma vitoriosa refutação das críticas formuladas, a propósito das manifestações espíritas, por esse eminente pensador germânico.

            O caso que em primeiro legar escolhemos, é dos mais interessantes e característicos. Trata-se do romance THE MYSTERY OF EDWIN DROOD, interrompido em 1870 pela morte de seu autor, o ilustre romancista inglês Charles Dickens, e concluído dois anos mais tarde, na América do Norte, pelo médium James, um rapaz de menos que medíiocre instrução, simples mecânico que era.

            "Quando se espalhou o boato - diz Aksakof (1) - de que o romance de Dickens ia ser terminado por tão extraordinário e inusitado processo, o SPRINGFIELD DAILY UNION enviou um de seus collaboradores a Brattleborough (Vermont) , onde residia o mÉdium, a fim de se informar, no próprio local, de todas as particularidades desse estranho empreendimento literário."

            (1) Ver ANIMISME ET SPIRITISME (edição francesa) , págs. 326 e seguintes.

            Resumamos, entretanto, os pormenores.

            Convidado por uns amigos a tomar parte numa sessão espírita, James, que não tomava a sério tais fenômenos, considerando-os mero embuste, foi surpreendido com a revelação de que ele proprio era médium. Voltando no dia seguinte, caiu espontaneamente em trance e, tomando um lápis, traçou um ditado dirigido a um dos assistentes pelo espírito de um filho deste, cuja existência ignorava inteiramente.

            Em fins de outubro de 1872 escreveu James uma comunicação a ele próprio dirigida, assinada com o nome de Charles Dickens, que lhe pedia uma sessão especial para 15 de novembro, o que foi feito, recebendo então um longo ditado daquele espírito, que lhe dizia haver durante muito tempo procurado um médium, com cujo concurso pudesse concluir o seu romance interrompido, e convidava James a se encarregar dessa tarefa, à qual consagraria o tempo disponível de suas ocupações habituais.

            Aceito o convite, foi o primeiro ditado transmitido na véspera do Natal, a que Dickens votava particular veneração, repetindo-se esse trabalho por sete meses consecutivos, de modo que em julho de 1873 James havia redigido mil e duzentas laudas de manuscrito, representando um volume in-8º de 400 páginas.

             O processo era dos mais simples: preparados dois lápis, bem aparados, e uma grande quantidade de papel cortado em meias folhas, James recolhido ao quarto e sentado à mesa, tendo diante de si aqueles materiais, esperava tranquilamente -"tranquilidade relativa, diz o aludido colaborador do SPRINGFIELD DAILY UNION , porque, apesar de haverem os fenômenos perdido o cunho de novidade e se ter a eles habituado, o médium confessa que se não podia subtrair a um certo sentimento de medo, durante tais sessões."

            Ao fim de alguns minutos de espera, ia perdendo gradualmente a noção das coisas e, nesse estado de trance, escrevia durante meia hora ou uma hora, tendo uma vez chegado a escrever durante hora e meia, sempre sem se lembrar, ao tornar a si, de outra coisa a não ser da visão de Dickens, que se sentava ao seu lado e apoiava a cabeça nas mãos, como imerso em profundo recolhimento, tendo na fisionomia uma expressão grave e  algum tanto melancólica. Não proferia uma só palavra;  apenas lançava algumas vezes ao médium um olhar sugestivo e penetrante.

            As sessões se efetuavam ora ás 6 horas da manhã, ora ás 7 1/2 da tarde, prolongando-se neste caso além das 8 1/2, no escuro, portanto - como acontecia no inverno - sem que tal circunstância prejudicasse a nitidez da escrita; e quando o ditado estava concluído, Dickens apoiava a mão pesada e fria sobre a do médium, para lho indicar, o que o fazia despertar do trance, permanecendo, porém, algum tempo com as mãos como pregadas à mesa por uma força que se lhe afigurava magnética.

            As folhas escritas, esparsas pelo chão, não estavam numeradas e James tinha que as pôr em ordem, guiando-se pela continuidade do sentido.

            Ao começo, o médium escrevia apenas três vezes por semana e não mais que três ou quatro paginas de cada vez; a seguir, porém, as sessões se tornaram bi quotidianas e ele escrevia afinal dez a doze paginas: e até mesmo vinte. A letra tinha alguma semelhança com a de Dickens. No princípio do ditado era bela, elegante, quase feminina; mas, à medida que prosseguia o trabalho, ia aumentando de dimensão, a tal ponto que nas últimas páginas era cinco vezes maior que no começo. Algumas folhas principiavam por sinais estenográficos, de que o médium não possuía o menor conhecimento, e a escrita era tão rápida que dificilmente se podia decifrar.

            Assim foi concluída a segunda parte do célebre romance, a cerca de cujo mérito, depois de relatar as circunstâncias que pessoalmente verificara e que acabamos de resumir, o correspondente do SPRINGFJELD DAILY UNION emitiu as seguintes apreciações:


            "Achamo-nos aqui em presença de um grupo de personagens, cada um dos quais apresenta sinais característicos próprios, devendo os papeis de todos esses personagens ser sustentados até ao fim, o que constitui um trabalho considerável para quem jamais em sua vida escrevera três paginas sobre qualquer assunto ; ficamos, portanto, surpreendido, ao verificar, desde o primeiro capítulo, uma semelhança completa com a parte editada do romance.  A narrativa é reatada precisamente no lugar em que a morte do autor a deixara interrompida, e isso com uma concordância tão perfeita que o mais experimentado crítico, que ignorasse o lugar da interrupção, não seria capaz de dizer em que momento cessara Dickens de escrever por sua própria mão.

            "Cada um dos personagens do Iivro continua a ser tão vivo, tão típico, tão bem sustentado na segunda como na primeira parte. Não é tudo ainda. Aparecem novos personagens (Dickens tinha o costume de introduzir novos atores até nas ultimas cenas de suas obras), os quais não são absolutamente duplicações dos heróis da primeira parte; não são manequins, mas caracteres apreendidos ao vivo, são verdadeiras criações. Criações de quem? ...”

            O corresponde continua:

            "Eis algumas particularidades de incontestável interesse. Examinando o manuscrito, notei que a palavra traveller (viajante) estava sempre escrita com ‘l’ dobrado (ll), como se usa na Inglaterra, ao passo que entre nós, na América, não se escreve geralmente senão com um ‘l’ só.

            "A palavra coal (carvão) está sempre escrita coals, com um ‘s’, como se faz na Inglaterra. É também interessante notar, no emprego das letras maiúsculas, as mesmas particularidades que nos manuscritos de Dickens se observam, como, por exemplo, quando ele designa o Sr. Grewgious como an angular man (um homem anguloso). Notável é também o conhecimento topográfico de Londres, de que dá prova o misterioso autor em numerosas passagens do livro. Há igualmente muitas construções de frases usadas na Inglaterra, mas desconhecidas na América. Cumpre mencionar ainda a súbita mudança do tempo passado em presente, sobretudo em uma animada narrativa, transição muito frequente em Dickens, principalmente em seus últimos romances. Essas particularidades e outras ainda que poderiam ser citadas são de mínima importância; mas é com semelhantes bagatelas que se teria feito malograr qualquer tentativa de fraude."

            E o correspondente assim termina o. seu artigo:

            "Cheguei a Brattleborough com a convicção de que essa obra póstuma não seria mais que uma bolha de sabão, facílima de estourar. Após dois dias de atento exame, regressei e, devo confessa-lo, achava-me indeciso. Neguei ao princípio - como qualquer o faria, depois de o examinar - que esse manuscrito houvesse sido traçado pela mão do jovem médium; ele me afirmou nunca ler lido o primeiro volume - particularidade, a meu ver, insignificante, plenamente convencido como estou de que ele não era capaz de escrever uma única página do segundo volume. Não vai ofensa nisso; porque não há muitas pessoas em condições de reatar uma obra inacabada de Dickens!

                "Vejo-me, por conseguinte, colocado nesta alternativa: ou um homem de gênio qualquer empregou o médium como instrumento para apresentar ao publico uma obra extraordinária, de um modo igualmente extraordinário, ou esse livro, como o pretende seu invisível autor, foi efetivamente ditado. pelo próprio Dickens.

                "A primeira suposição não é menos maravilhosa que a segunda. Se existe em Vermont um homem, desconhecido até agora, capaz de escrever como Dickens, não tem certamente motivo algum de recorrer a subterfugio semelhante. Se, por outro lado, é o próprio Dickens "que fala, estando embora morto," para que surpresas nos devemos preparar?"

            Ao bom senso - observaremos por nossa parte -- cabe decidir da alternativa.



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