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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

02/03 'Apolinário, Cerinto e o corpo de Jesus'



02/03  Apolinário, Cerinto
e o corpo de Jesus

           
Zêus Wantuil

Apêndice  in “Elos Doutrinários” (FEB)  3ª Ed 1978




            Também dizem por aí que, no primeiro século, Cerinto levou a Éfeso a teoria do corpo aparente de Jesus, sendo ele veementemente combatido pelo apóstolo João, que ainda vivia.

            Ao que sabemos, Cerinto jamais adotou semelhante teoria; senão vejamos:

            A primeira referência a Cerinto, de que se tem conhecimento, encontra-se na obra “Adversus Hoereses”, escrita pelo ano 170, por Santo Ireneu. Este, referindo-se a S. Policarpo, escreve assim: “E há alguns que o ouviram dizer que João, o discípulo do Senhor, tendo ido a um balneário de Éfeso, ao ver Cerinto ali dentro, lançou-se para fora do balneário, sem banhar-se, dizendo: “Vamos fugir, pois que é de temer-se que o edifício caia, enquanto Cerinto, o inimigo da verdade, ali dentro estiver.” (“Adversus Hrereses”, III, iii, 4.)

            Cerinto, de acordo com esta informação de Santo Irineu, parece ter sido contemporâneo de um João da Ásia, que até hoje não se sabe ao certo se foi João, o Apóstolo, ou João, o Presbítero.

            A época e o lugar de nascimento e morte de Cerinto são desconhecidos, apesar de alguns autores fixarem esses dados.

            A informação mais digna de confiança, no que respeita à doutrina de Cerinto (que não deixou obra escrita), é devida a Ireneu. Eis o que este bispo registrou: “Um certo Cerinto ensinou na Ásia que o Verbo não foi feito pelo Deus Supremo, mas por um determinado poder inteiramente separado e distinto daquela autoridade que está acima do universo, desconhecedor daquele Deus que é sobre todas as coisas. Ele opinou que Jesus não nascera de uma virgem (porque isto lhe parecia impossível), e sim que foi o filho de José e Maria, nascido como todos os outros homens, se bem que ele superasse toda a Humanidade em justiça, em prudência e em sabedoria; e que, no ato do batismo de Jesus, descera sobre este, daquela autoridade que está acima de todas as coisas, o Cristo em forma de uma pomba. Então, Jesus anunciou o Pai desconhecido e operou milagres; mas, no fim, o Cristo separou-se de Jesus, e este sofreu e ressuscitou, enquanto o Cristo permaneceu impassível, posto que era um ser espiritual.» ( “Adversus Hoereses”, I, XXVI, 1.)

            Hipólito de Roma repetiu, com outras palavras, o que escreveu Ireneu, e, posteriormente, outros Padres escreveram também algo a respeito, havendo entre todos concordância na exposição.

            Em síntese, segundo Cerinto, há Jesus e há o Cristo ou Filho único de Deus, e só Jesus, o homem, nasceu, padeceu, morreu e ressuscitou.

            Muitos escritores da Igreja acreditaram que o Evangelho atribuído (25) a João foi escrito para refutar Cerinto, que negava a encarnação do Verbo.

                (25) o quarto Evangelho e bem assim a 1ª Epístola a que nos referimos, embora sejam anônimos, visto que não traziam o nome do autor, são, entretanto, atribuídos ao apóstolo João. A este é igualmente atribuída a 2ª e a 3ª Epístolas, cujo autor simplesmente se fez conhecer com o titulo presbyteros. De acordo com a opinião do profundo estudioso Henri Delafosse ("Le Quatriême Evangile", 1925), o 4º Evangelho "é a edição católica de um livro marcionita", isto é, um livro da autoria de algum dlscípulo de Marcião, o gnóstico. Já Ernesto Renan ("A Igreja Cristã", 1879) acha que esse Evangelho tenha sido escrito por João, o Presbítero, juntamente com Aristião.

            A teologia do Verbo (Logos), professada na metade do século II por Justino, depois por Taciano, Hipólito, Tertuliano, Orígenes e outros, contou entre os seus defensores todos os grandes teólogos do fim do século II e primeira metade do século III.

            Todos os atributos do Logos grego, os apologistas os transportaram imediatamente ao Logos do quarto Evangelho, acrescendo-lhe outros novos e mais importantes, fazendo dele um outro Deus, um Deus segundo, o Filho único de Deus.

            O Verbo era, então, o Filho único de Deus, o Christos de Cerinto, e, segundo os apologistas ortodoxos, ele veio em carne no seio de uma virgem para dar nascimento a Jesus. Este não era o Pai encarnado, nem simplesmente um homem, como queria Cerinto, mas o Logos encarnado.

            Relativamente à primeira Epístola atribuída a João (26), 2:22: “Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Esse é o anticristo, que nega o Pai e o Filho”, a maioria dos estudiosos acha que aí
a doutrina de Cerinto é condenada, constituindo este versículo não uma acusação ao Judaísmo (que negava a
missão messiânica de Jesus), mas um ataque àqueles que recusavam identificar Jesus com o Cristo.

            (26) Traducão de Sacy (ed. de 1749), tradução do Padre Antônio Pereira de Figueiredo (ed. de 1818, Lisboa) e outras.

            No cap. 5, vers. 6 dessa mesma Epístola: “Este é aquele que veio por água e sangue, Jesus, o Cristo; não só por água, mas por água e por sangue”, é mais natural, diz a “Encyclopoedia of Religion and Ethics”, de James Hastings, ver neste versículo uma oposição ao ponto de vista de Cerinto, que dizia ter o Cristo descido a
Jesus durante o batismo pela água, mas que o deixou antes da Paixão.

            Citam-se, ainda, os vers. 2 e 3 do capítulo 4, e Arthur S. Peake, M.A., D.D., declara que, no texto comumente usado, a referência à “carne” pode parecer uma alusão ao Docetismo, e, assim sendo, deixa de ser importante contra o Cerintianismo, porquanto Cerinto não negava a real humanidade de Jesus.

            Concordamos em parte com o douto professor de exegese bíblica: Cerinto não negava que Jesus tivesse vindo em carne, mas negou que o Cristo houvesse feito o mesmo. Ora, se o versículo 2, por exemplo, diz claramente que “todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus”, podemos muito bem crer que o autor da epístola quisesse frisar que tanto Jesus, como o Cristo, sendo um, vieram em carne, nasceram em carne. Esta nossa suposição adquire maior peso, ao sabermos que o versículo 3 pode também ser perfeitamente traduzido assim: “E todo espírito que divide a Jesus não é de Deus, e tal é o espírito do anticristo, do qual ouvistes dizer que deve vir, e já agora está no mundo.” (27). Tomando-se esta tradução, nenhuma dúvida parece aí haver de que se trata da doutrina de Cerinto, e é a Enciclopédia citada que diz ser a divisão de Jesus a separação feita pelo Cerintianismo entre Jesus e o Cristo.

            (27) Id. íb.

            Ora, como o versículo 3 é a continuação do versículo 2, estando ambos intimamente ligados, não erraremos se dissermos que este último também deve ter relação com o Cerintianismo. Consequentemente, nada obsta a que semelhante conclusão possa estender-se ao versículo 7 da segunda Epístola de João.

            É interessante observar a tradução que Frei João José Pedreira de Castro, O.F.M. fez, à base da Vulgata, do capítulo 4, verso 2 e 3 da 1ª Epístola de João. São estes os termos: “O espírito de Deus reconhece-se nisto: Todo espírito que confessa Jesus como Cristo que veio em carne é de Deus; mas todo espírito que rompe a unidade de Jesus não é de Deus, mas é o espírito do anticristo, de cuja vinda tendes ouvido, e já agora está no mundo.” O vers. 7 da 2ª Epíst. de João, Frei Pedreira de Castro o traduziu assim: “Porque muitos sedutores andam pelo mundo, os que não confessam que Jesus como Cristo veio em carne: este tal é sedutor e anticristo.”


            Através dessa tradução, ressalta, com mais clareza, o combate que se queria dar às ideias de Cerinto, que dizia não ter vindo o Cristo em carne.

            Observa Arthur Peake, na “Enciclopédia de Religião e Ética”, que tudo leva a indicar que a 1ª Epístola de João também se refira às imoralidades da doutrina sensual do milenarismo de Cerinto e seus seguidores. E
outras passagens desta mesma epístola, como 4 :15, a 5:1 e 5, parece relacionarem-se com o pensamento de Cerinto quanto a Jesus.

            Se as doutrinas cerintianas são, fora de dúvida, aludidas na 1ª Epístola de João, o mesmo não se pode dizer com relação às ideias docetistas, e tanto é assim que Peake declara, quase ao final do seu trabalho sobre o “herege” a que nos estamos referindo: “Mas, quanto ao fato de que duas formas de falsa cristologia (Docetismo e Cerintianismo) parecem ser atacadas, nenhuma certeza se prende a esta conclusão.”




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