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domingo, 18 de dezembro de 2011

O último almoço com Malba Tahan


‘O Último Almoço
com Malba Tahan.’
por  Newton Boechat
Reformador (FEB) Janeiro 1975
               
                 Sábado, 15 de junho de 1974, como fazíamos de vez em quando, realizamos um almoço fraterno de seis pessoas, no apartamento do confrade César Soares em Copacabana, onde também. se encontrava o famoso matemático Malba Tahan. Assuntos iam e vinham, fascinantes e momentosos, como Parapsicologia, discos voadores, o problema do hanseniano, mediunidade, Doutrina Espírita ...

                Não sabíamos que aquele seria o último almoço que teríamos com Malba Tahan encarnado e o derradeiro dele na Cidade Maravilhosa ...

                Estava alegre, eufórico. Chegou versátil, voz timbrada, deslocando-se com leveza, dando a impressão de que iria avançar na vida física por muito tempo...  Achei-o mesmo mais ágil e remoçado do que das outras vezes. A conversa correu informal, todos falando e aparteando, naqueles felizes momentos da tarde.

                Após o almoço, ele contou vários casos de sua vida substanciosa, no magistério, em conferências, viagens, literatura, colônias de hansenianos e... mediunidade.

                Malba - diga-se de passagem -, pelo que deduzimos, não tinha uma forma religiosa em particular, mas era deísta. Nunca se esqueceu de Alá, o Misericordioso, quer em palestras, quanto em seus atos desdobrados em prol dos necessitados da vida[1].

                Júlio César de Melo e Sousa - o ex--catedrático do Colégio Pedro 11 - era o Malba Tahan que as gerações sempre admiraram. De sua lavra saíram várias obras que aí estão, atestando a capacidade criadora do pedagogo e do historiador.

                Disse-nos ele que não poderia se alongar na conversa de sábado porque ainda iria assistir ao casamento da empregada, a quem estimava, e arrumar a mala, pois que viajaria para o Recife, aonde iria conferenciar para as alunas do Curso Normal da capital pernambucana, a convite da Secretaria da Educação.

                Como era da sua vontade, após uma destas conferências, desencarnou "de estalo", como se diz, fulminado por edema pulmonar e trombose, ocorridos no Hotel Boa Viagem, na madrugada de terça-feira, dia 18 de junho.

                Seu corpo foi trasladado para o Rio e dia 19 às 10 horas, enterrado no Cemitério do Caju. Muitos daqueles que se privaram com ele, direta e indiretamente, através de seus escritos maravilhosos, foram até àquela necrópole.

                A carta última, deixada aos familiares atestava sua índole evangélica e dela extraímos alguns trechos:

                "Desejo ser enterrado em caixão de 3ª classe e na mesma sepultura em que foi enterrado o "Rubens" Quero o enterro mais modesto que for possível; 2) Não quero coroas. Se alguém, por acaso, enviar uma coroa, peço que a devolvam com um delicado cartão. Nesse cartão, o ofertante será informado do desejo do morto. E ele (o ofertante) que faça da coroa o uso que quiser. Considero a coroa ... Ora, para que revelar agora o que eu penso das coroas ... ; 3) Aceitarei flores. Sim, aceitarei, com prazer, as flores. Que sejam, porém, anônimas. Nada de frases feitas com dedicatórias, legendas. . . Acho horrível essa literatura funerária, sem expressão: “Homenagem eterna", "Recordação sincera", "O último adeus", etc .... "

                " ... Não quero luto. Peço que a Nair (esposa), filhos, netos, irmãos, sobrinhos, etc. não ponham luto por minha causa. Lembrarei, neste momento, esta trova bastante expressiva de Noel Rosa: "Roupa preta é vaidade/para quem se veste a rigor/o meu luto é a saudade/e a saudade não tem cor"; 7) No meu enterro (antes, durante ou depois) não quero discursos. No momento do meu corpo baixar à sepultura, o Dr. Orestes Diniz (ou outra pessoa indicada) dirá a todos os presentes, em meu nome, o seguinte: "A lepra é uma moléstia curável. É uma moléstia como outra qualquer. O contágio da lepra é muito difícil. A sociedade culta precisa combater os preconceitos injustos e infames que pesam contra o mal de Hansen. O doente de Hansen não precisa piedade, não precisa de compaixão. Precisa, e precisa muito, de solidariedade e compreensão."

                Esta era a estrutura espiritual do escritor que escreveu décadas e décadas sobre a matemática e temas orientais.

                De onde proviria a inclinação fortíssima de Malba Tahan pelo Oriente-árabe? Nós, espíritas, sabemos que é o natural resultado de uma sedimentação psicológica formada em sucessividade de vidas, em multifárias  experiências. O próprio escritor me narrou, no dia do almoço citado, fato curioso ocorrido há 30 anos aproximadamente: fora convidado por um chofer, diretor do "Caminheiros de Jesus", da Av. Mem de Sá, para proferir, naquela instituição, conferência a respeito da "Alegria de Obedecer". Havia muita gente no recinto, contando-se grande quantidade de pessoas de posição social humilde. Ele chegara discreto e se sentara, aguardando ser chamado para a mesa dos trabalhos. Súbito, senhora singela, simplíssima, lavadeira, levantou-se, mediunizada, apontou em sua direção e deixou sair a frase de entidade que a influenciava: "Conheço-o! Conheço-o! Há muito tempo foi um leproso e miserável felá! Habitava as margens do Nilo! ... [2]"

                Malba Tahan contou-nos, também, o caso do cofre. Ei-lo em linhas rápidas:

                Senhor estrangeiro residente no Brasil há bastante tempo adquiriu um cofre na Suíça. Era daqueles cofres de segredo, volumoso e pesado. Foi muito embaraçosa a vinda dele para o país, porque, dado o seu peso, só muito jeitosamente era deslocado. Assim, por meses e meses fizera viagem por navio, caminhão, trem e até carro-de-boi, passando pelo Rio, Belo Horizonte, Corinto e Diamantina, demandando uma fazenda do irmão de um prefeito municipal.

                Aconteceu que morreu o seu dono e o cofre fora passado como pagamento de dívida, mas, sem o
segredo. Muitos tentavam abri-lo, não o conseguindo. A firma fabricante do cofre, ao receber carta do Brasil
solicitando o segredo, não satisfizera a pretensão do solicitante, pois só entregaria o segredo ao legítimo dono, e ele não deixara pessoas habilitadas.

                Malba Tahan descansava no sítio e soubera das frustradas tentativas para a abertura daquela caixa de ferro .. Para isto, antes que o braço de aço fosse descido e a chave passada duas vezes, tinha de se combinar uma centena de milhar, combinando, em cada esfera das três existentes, dois algarismos que giravam de 9 a zero. Eles deveriam ficar horizontalizados. Imaginemos quanto isso seria difícil, já que não se consegue facilmente acertar, por acaso, uma simples centena. Que dizer de um milhar, uma dezena de milhar e, no caso, uma centena de milhar!

                O nosso escritor jocosamente dirigiu--se às pessoas presentes e sugeriu: melhor mesmo é invocar o Espirito do dono do cofre para. situar em ordem os algarismos das três esferas. Ele não se negará. .. Proferiu-lhe o nome e, com os dedos, rodopiou celeremente os globos. Depois, ainda na brincadeira, acrescentou:

                --Pronto! A centena de milhar está feita. É só passar a chave ... Qual não foi a surpresa! Bastou a abertura simples! A centena de milhar, ao acaso, coincidia com a do segredo do cofre, encontrado em papelzinho guardado numa pequena gaveta de lata, em seu interior. E os três enormes encaixes cilíndricos que penetravam as reentrâncias do ferro bruto estavam recuados para o lado da grossa placa da porta. ..                 .

                Malba Tahan disse que um colega seu, mestre em cálculo de probabilidade, esclareceu que, para se repetir o feito, a tentativa teria de subir a alguns milhões de experiências ...

                Agora, no dia 18 de junho último, a morte física retirou Malba Tahan do cofre do corpo, sem precisar combinar uma centena de milhar. .. Pedimos, porém, a Deus, para que o Espirito liberto "se convalesça" rápido, e volte para nós, trazendo suas estórias impregnadas de imortalidade! . . .


[1] Ocupou algumas vezes a tribuna da FEB, pela qual nutria enorme simpatia.

[2] Este fato foi motivo duma crônica publicada por Luciano dos Anjos, no "Diário de Notícias" do Rio, e estará no livro "De Kennedy ao Homem Artificial', de parceria com Herminio C. Mlranda e em preparo no Departamento Editorial da FEB.

2 comentários:

  1. Aprecio as histórias que se referem a Malba Tahan. Recebi o nome que tenho em homenagem a ele. Guardamos algumas semelhanças, sem explicações aparentes. Coincidências dos agrados da vida.
    Grata pela história.
    Malba Tahan Barbosa

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