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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Grande é a Seara...



Grupo Ismael
 Grande é a Seara...

por Hermínio C Miranda

Reformador (FEB) Agosto 1973

             
            Conta Marcos, no capítulo 12  dos seus escritos, versículos 18 e seguintes, que os saduceus, que não criam na sobrevivência do Espírito, formularam uma pergunta capciosa a Jesus com a intenção de embaraçar o Mestre num emaranhado que a eles parecia sem saída. Inventaram a história de sete irmãos que desposaram sucessivamente a mesma mulher, à medida que o anterior morria. Por fim, morria também a mulher. Quando todos ressuscitassem, de quem seria a esposa? Jesus respondeu dizendo que nem eles tomariam mulher, nem ela tomaria marido, pois seriam todos "como os anjos dos céus". Não sabiam eles, os saduceus, que Deus se tinha declarado Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó? E concluiu:

            - Não é um Deus de mortos, mas de vivos.

            Marcos não diz se os saduceus aproveitaram a lição, porque o interesse do incidente está na lição mesma e não na reação dos perguntadores artificiosos. Jesus não falava apenas para os saduceus que tentavam apanhá-lo em falta perante a lei de Moisés; ele falava para os séculos e os milênios.

            Na verdade, Deus é um Deus de vivos. Todos somos vivos, na carne, ou fora dela. Por muitos e muitos séculos, as relações entre os dois planos da vida foram perturbadas e deformadas pela ignorância, pela malícia, pelos interesses imediatos, em suma, pelo desconhecimento quase total das leis que as regulam. As duas faces da vida sempre se confrontaram e trocaram experiências e informações. Somente com o advento do Espiritismo codificado, porém, as leis que regem as relações entre os dois mundos seriam observadas, coligidas e ordenadas para estudo e aplicação metodizada, Antes, era tudo feito empiricamente, desajeitadamente e, às vezes, desastradamente.  

            Kardec viu com clareza a extensão e profundidade do problema. O acervo de informações que os Espíritos lhe transmitiram continha todos os elementos necessários ao equacionamento da dificílima incógnita humana. Para fins de método, resolveu ele distinguir três aspectos no corpo doutrinário do Espiritismo: havia nele uma filosofia, havia ali um evidente aspecto científico e lá estavam as óbvias implicações religiosas. Não nos esqueçamos, porém, de que a divisão, insistimos, é meramente didática, para facilitar a exposição e compreensão das questões, de vez que os três aspectos integram a Doutrina com igual força e valor. Um tripé somente se mantém, quando as três hastes estão em posição correta; a abstração de uma só que seja desequilibra o conjunto. Basta encurtar uma das pernas, na tentativa de reduzir sua importância perante as demais, para que o tripé se desajuste.

            A filosofia nos dá a visão do conjunto porque procura situar o homem perante si mesmo e perante o universo que o cerca.

            A ciência o coloca na manipulação dos mecanismos da vida e a religião põe-no diante de Deus.

            É bom, de vez em quando, repassarmos esses princípios elementares da nossa Doutrina para reavivar em nós algumas noções básicas que nos preservem do risco de perder de vista o senso da perspectiva. Não podemos esquecer, sem grave dano, que vivemos numa época que, infelizmente, não aceita a ordenação espiritual da vida. As vagas impetuosas das ideias hoje dominantes podem eroder lentamente, imperceptivelmente, as bases em que assentamos a nossa filosofia de vida. Se não estivermos atentos, daqui a pouco estaremos à deriva, aceitando o falso pelo verdadeiro, o espúrio pelo legítimo, a mentira dourada pela verdade desataviada.

            Tomemos, para exemplo, o aspecto científico do Espiritismo. Ciência é uma palavra que serve para rotular uma quantidade enorme de coisas diferentes. No mundo moderno, ciência é sinônimo de progresso. Mas, será mesmo? Há progresso quando descobrimos processos mais eficientes de matar gente? Progredimos quando criamos drogas que deformam a mente e aviltam a vida? Qual o verdadeiro conceito de ciência? Como conciliar ciência e moral? A ciência é incompatível com a fé?

            Ao desdobrar o aspecto científico do Espiritismo em trabalhos experimentais, precisamos ter cuidado para não isolar o setor de tal maneira que ele perca as íntimas conexões que tem a ciência do espírito com as necessidades religiosas do homem e suas sínteses filosóficas. A redução do Espiritismo a um mero ramo do conhecimento humano arrancado de suas origens, representaria lamentável erro de apreciação e perspectiva. As forças do espírito se prestam a manipulações ainda mais perniciosas do que aquelas que o poder temporal realiza corri as da matéria bruta. O mau uso do potencial do espírito é imensamente mais daninho do que a má utilização da energia nuclear.

            Lembro sempre a figura de um grande negro americano, o professor George Washington Carver, que chamava o seu laboratório de "pequena oficina de Deus". A prece e a pesquisa eram para ele um só ato. Um dia, por exemplo, orou diante do amendoim e se perguntou humilde:

            - Que teria Deus colocado no amendoim?

            E Deus lhe respondeu prontamente, mostrando-lhe mais de uma centena de subprodutos.

            A sessão mediúnica é campo de pesquisa, de aprendizado e de observação, tudo dentro dos mais puros princípios científicos, filosóficos e religiosos. Nas sessões, estudamos a mediunidade, as condições de vida no mundo póstumo, os dispositivos da lei de causa e efeito, a lógica imperturbável das vidas sucessivas, E nos convencemos do lento e irreversível caminhar do ser humano na direção de Deus, Ali, porém, naquele grupo limitado que se reúne para se colocar em contato com a outra face da vida, não podemos nos esquecer de que estamos lidando com seres como nós, com virtudes e defeitos, esclarecidos e felizes, ou ainda envolvidos em paixões tenebrosas, teimosamente presos às sombras e sem perceber os acenos da luz.

            Nenhum outro campo de trabalho nos oferece tantas condições de aprendizado, ao mesmo tempo em que nos proporciona tantas oportunidades de servir e de exercitar em nós a faculdade suprema do amor.

            O mundo espiritual está povoado de seres nas mais imprevistas condições. Ali encontramos o santo revestido de luz, humilde, esclarecido, irradiando amor, tanto quanto almas atormentadas pelas mais negras aflições e angústias, dominadas pelos ódios mais irracionais, empenhadas nos mais dolorosos processos da degradação, de vingança e de loucura.

            Não sem razão falava o Cristo na imensidão da seara e na escassez impressionante de trabalhadores, Grupos mediúnicos de socorro precisavam desdobrar-se por toda parte, para socorrer, para minorar dores, para distribuir amor, para levantar os que caíram, para curar enfermidades seculares da alma. Quando lemos aquelas observações de Jesus, que tanto Mateus como Lucas registraram, pensamos apenas nas tarefas entre os encarnados, divulgando a palavra de consolo e um pouco do pouco que aprendemos, mas, na verdade, a seara é muito maior que aquela que visualizamos, porque vai além dos nossos sentidos habituais e, com isso, mais reduzidos ainda parecem os trabalhadores. Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos, dizia ele. E embora todos sejamos vivos, nem todos sabemos de Deus e bem pouco são os que respeitam Suas leis.

            Têm suas razões, pois, os Espíritos que, dirigem tarefas doutrinárias em terras do Brasil.

            Quando olhamos para trás e vemos que durante um século inteiro mantiveram firmes os trabalhos mediúnicos do Grupo Ismael, invade-nos um sentimento de assombro e respeito diante da importância que emprestaram a esse aspecto da Doutrina. Durante o século que passou, quantos Espíritos não foram recuperados às suas dores, quantos não vieram trazer ensinamentos, recomendações e exemplos? Que campo imenso de estudo e de trabalho construtivo, onde se pratica o amor e se realiza a pesquisa científica do mais puro teor espiritual!

            Muitos grupos, modelados naquele que perdura há um século e seguirá servindo outros séculos, poderiam ser formados[1]. A necessidade é desesperadora, aflitiva, angustiante. Milhões de seres perambulam pelo mundo póstumo, mergulhados em sombras, em dúvidas, em agonia à espera de uma palavra de afeto, de esclarecimento, de interesse.

            O Espiritismo nasceu em grupos assim e se nutre em grupos assim. A mediunidade ali se exercita, o amor ali se desdobra, a ciência suprema da vida ali é ensinada.

            Deus é um Deus de vivos.




[1] A FEB recomenda aos grupos em formação e mesmo aos que já funcionam o estudo criterioso do livro “Sessões Práticas e Doutrinárias do Espiritismo”, de Aurélio A. Valente. 

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