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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Espiritismo, poesia e política


Parnaso Oficial


            Desborda da Doutrina; é tal como penso; já o afirmei por escrito: Espiritismo e Política são incompatíveis, valendo lembrar nesta oportunidade a sábia assertiva de Camilo Castelo Branco, no sentido de que a política, sob a capa da razão, cava, num palmo de terra existente entre dois irmãos, a sepultura de ambos.

            Destarte, na análise que ora faço não sou movido por nenhum objetivo partidário, ideológico ou eleitoreiro. Não me cabe alvitrar, aqui, sequer sobre o programa do Presidente da República. Muito menos comentar as medidas que tem tomado, dispensando-me a oportunidade de considera-Ias certas ou erradas. Repito apenas meu ponto de vista sobre um dos aspectos dessa complexa questão; único aspecto, aliás, que um artigo nesta revista - ou em qualquer publicação séria sobre Doutrina Espírita - comporta: ninguém é Chefe de Estado por acaso.

            Alcançar a mais alta magistratura dum País é acontecimento que não se regista na carreira de nenhum Espírito encarnado senão com o beneplácito do Alto. E' claro que isso não implica endosso permanente a tudo o que um Presidente faça. O caminho à suprema curul é aberto ao emissário e até mesmo alguns problemas lhe são contornados pelos mentores espirituais. Mas, depois de coroado, embora continue como qualquer criatura a ser assistido, o Presidente é deixado à sua liberdade e à sua consciência. No entanto, como dele dependerão indiretamente milhões de vidas outras, poderá ser afastado se não cumprir sua missão com desvelo. Ouçamos, a propósito, a palavra abalizada do superior Espírito de Emmanuel:

            “A responsabilidade dum cargo público, pelas suas características morais, é sempre mais importante que a concedida por Deus sobre um patrimônio material. Daí a verdade que, na vida espiritual, o depositário do bem público responderá sempre pelas ordens expedidas pela sua autoridade, nas tarefas da Terra”  (“O Consolador”, questão 65).

            Veja-se, ainda do próprio Emmanuel, a narrativa do caso de Napoleão, em “A Caminho da Luz”, págs. 175/17p da 5ª edição:

            “O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na organização social do século XIX, não soube compreender as finalidades da sua grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Arcole e de Rivoli, com a paz de Campo Fórmio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o pensamento”. “Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e “ verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças”.

            Caberia uma indagação: o afastamento seria decursivo da influenciação do Alto junto aos inimigos do Presidente para que ele – por exemplo - seja deposto? Não. Evidentemente que não. O Alto só é agente do Bem. Dar cobertura a criaturas que, embora às vezes por causas nobres, empregam meios de violência, de atrito, de luta, seria inconcebível da parte dos bons Espíritos, responsáveis pelos destinos dos países. O que o Alto faz é apenas retirar a sua cobertura, deixando o Presidente sem apoio, sem amparo espiritual. Então, os que investem contra ele (e há sempre esses, em qualquer país) acabam levando de vencida seus planos e o Presidente cai, é afastado, é apeado. Por outro lado, enquanto ele estiver cumprindo seu dever com lealdade a Deus e a seu povo, enquanto estiver empenhado em promover o bem-estar social da nação sob seu comando, é claro que permanecerá sempre assistido e não vingarão contra as suas portas as ameaças e as assacadilhas dos que pretenderem derrubá-lo.

            Assinale-se , porém, “en passant”, que muita vez os atos e as decisões dum Chefe de Estado são aparentemente errados ou injustos, mas intrinsecamente estão certos. O povo, não raro, desconhece a globalização dos problemas duma nação e julga seus mandatários pelo ângulo apertado da sua visão de indivíduo isolado, dissociado da coletividade, que é, afinal, a que tem de ser visada pelo Governo. E pede então o que, a rigor, não lhe pode ou não lhe deve ser dado. Tal como o faz, igualzinho, em relação a Deus, quando sofre e acha sempre que lhe é injusta ou imerecida a sua dor. Daí a lição do missionário Roustaing:

            “O Senhor não se mantém nunca surdo, bem o sabeis, às vozes de seus filhos, quando se dirigem a ele com confiança e fé. O pai da grande família nem sempre concede as graças como lhe são pedidas, porque, em vez de constituírem um bem, redundariam em confusão para o homem”. “O homem a quem o pai celeste deu bom espírito é aquele que compreende as palavras do Mestre, que se aplica em praticá-Ias e nunca desespera do seu amor e da sua justiça» (“Os .Quatro Evangelhos”, tomo segundo, págs. 58/59 da quarta edição).

            Falei acima em coletividade a ser visada pelo Governo. Não se confunda, por favor, essa alusão, com falsas ideias coletivistas, sonhadas utopicamente pelos que leram Engels e se encantaram por desaviso. “A caridade e a fraternidade não se decretam em leis. Se uma e outra não estiverem no coração, o egoísmo aí sempre imperará”. (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, cap. XXV, n" 8). O bem da coletividade deve ser objetivo de qualquer Governo honesto; mas certamente dentro das coordenadas próprias de cada nação, com suas peculiaridades humanas, suas características psicológicas, seus processos administrativos, sua produção interna, seu progresso técnico e material. Não nos empolguemos com promessas aparentemente vantajosas. “O Socialismo é uma bela expressão de cultura humana, enquanto não resvala para os polos do extremismo”. (“O Consolador”, questão 57). O bem-estar do proletário é necessário e conveniente, importante e impositivo. Mas só ele, quando queira e quando possa (não esqueçamos a implacável lei do carma), deixará de ser - se o for - proletário injustiçado. Depende mais dele do que de qualquer outra criatura, embora essa conceituação tenha de ser entendida não em termos de uma só vida, mas da pluralidade de vidas a que todos estamos sujeitos. Não adianta, pois, alterar as estruturas políticas. O problema é mais amplo e é de sistemas, não de regimes. Evolução é conquista individual e inalienável. Ninguém pode fazer nada por mim, se eu não quiser ser ajudado, se eu não fizer por onde ser ajudado. Lembremos o Cristo: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”. Lembremos também o feliz comentário de Kardec, no capítulo XXVII, número 7, de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Ele (Deus) assiste os que se ajudam a si mesmos, de conformidade com a máxima: “Ajuda-te, que o céu te ajudará”; não assiste, porém, os que tudo esperam dum socorro estranho, sem fazer uso das faculdades que possui". Entretanto, as mais das vezes, o que o homem quer é ser socorrido por milagre, sem despender o mínimo esforço”.

            Falando-se porém em proletariado, complementemos a análise novamente com Emmanuel:     “A verdade é que todos os homens são proletários da evolução e nenhum esforço de boa realização na Terra é indigno do espírito encarnado. Cada máquina exige uma direção especial e o mecanismo do mundo requer o infinito de aptidões de conhecimento”. ( “O Consolador”, questão 57).

            Ademais, quem é capaz de jurar que o homem de maiores recursos não é menos feliz do que o desafortunado? Ah. . . quanto Sol não gostaria de ser vagalume ...

            Mas, voltemos à noção anterior. Ninguém chega ao primeiro posto dum País, a não ser com o consenso da Espiritualidade. Repitamos: será assistido se se mantiver à altura das suas promessas feitas antes de encarnar; será abandonado se faltar aos seus compromissos.

            Este é o meu ponto de vista, em função do qual, portanto, entendo que o General Emílio Garrastazu Médici chegou a Presidente do Brasil porque assim o Alto consentiu e porque esta era a sua missão. Note-se: foi 1 homem, apenas, o escolhido entre 90 milhões de homens!

            Acaso? Ora, sabemos que o acaso não existe, nem mesmo se a proporção fosse de 1 homem para 2. Aposto o consenso do Alto, de agora em diante, porém, o problema é com o Presidente. Será ou não assistido, conforme. suas intenções, seu programa, sua ação, seus métodos. Mas é isso que não quero analisar aqui, porque acho que me não compete, visto ter de entrar em apreciações políticas cuja oportunidade, com já disse, não é esta e nem esta revista comportaria. Pretendo apenas abordar - isto sim - alguns outros aspectos da fala do Presidente da República no dia 25 de Dezembro último, dia de Natal.

            O General Garrastazu Médici não discursou; declamou. O texto que leu - dizem que é ele mesmo quem escreve seus discursos apolíticos - era um poema, não uma mensagem em prosa. Vejo nele, pois, uma criatura bastante sensível, com a raríssima autoridade moral dos homens que, vivendo todos os multíplices problemas inerentes à Chefia dum Governo, são capazes de falar mais tempo em questões humanas e profundamente líricas, do que em estatísticas e resultados operacionais, informática ou tecnocracia.

            Qual será a posição do General Emílio Garrastazu Médici em face da Teologia? Ou, mais precisamente, em face da Religião? Não sei. Talvez ninguém saiba com certeza. Chamou-me a atenção, entretanto, estas frases na fala presidencial de Dezembro:

            “Nesta noite e neste dia de Natal, quero voltar-me primeiro para os de mim distantes. Não somente para os despercebidos, os ignorados, os anônimos) os silenciosos, os invisíveis, senão também os contrários, os discordantes, os indiferentes e os crestados pela desesperança”.

            Invisíveis? Sem dúvida, essa terminologia não é comum senão aos profitentes duma certa doutrina religiosa. Como me soa bem aos ouvidos essa palavrinha ...

            Todavia, não forcemos nada. Saboreemos apenas o que está lucidamente claro, como por exemplo essa afirmativa do Presidente: “O Natal, antes que o destino me impusesse a vinda que eu não quis, era-me, então, o tempo de repassar os caminhos de Jesus no fundo de minha consciência”.

            O Espiritismo, em tempos idos, já sofreu duríssimas perseguições Ninguém melhor do que a FEB pode dar delas o testemunho mais honesto e mais fiel, a par do mais amargo. Houve mesmo uma época - triste evocação - em que as pesadas portas de madeira maciça da Avenida Passos foram atrabiliariamente cerradas. Como se fora possível silenciar com o direito da Força a força do Direito de se cultuar Deus como cada cidadão bem o queira. Fosse válido o recurso da violência e o Cristianismo não teria medrado depois da infamante co-inquinação do Calvário e do aleijão jurídico do Sinédrio! No entanto, foi precisamente o sangue do martírio do Cristo e dos primeiros cristãos que retasse definitivamente sobre a face do orbe, que as criaturas realmente se irmanassem, que os povos se amassem, que o mundo fosse bom, que houvesse paz, harmonia e compreensão nos corações de todos, que o ódio não vigesse mais, que a intolerância não grassasse, que o egoísmo não subsistisse, que o orgulho e a vaidade não proliferassem nunca mais! Não queremos apenas ser espíritas, embora isso já compense e resigne; queremos que a moral cristã prevaleça em todos os setores da atividade humana e se enraíze em todos os corações. Não se trata duma aspiração quimérica ou demagógica, ditada pela tola (ou insincera) pretensão de ver abolidas as classes e imperando no mundo uma inexequível igualdade social. “A concepção igualitária absoluta é um erro grave dos sociólogos, em qualquer departamento da vida.” (“O Consolador», questão 56). A Lei de Causa e Efeito se encarregaria de desencorajar esses sonhos mal sonhados. A lei cármica da reencarnação não patrocinaria jamais a volta dum Espírito egoísta e ambicioso num meio que não lhe fosse útil ao refazimento, isto é, num ambiente sem lutas, sem dificuldades, sem... injustiças sociais.

            Trata-se por conseguinte duma aspiração sincera, que encara as desigualdades como o resultado iniludível da ação pretérita de cada criatura, de cada povo, mas que anseia por ve-Ias, embora pobres e humildes, ao mesmo tempo respeitadas, assistidas na sua dor e no seu eventual infortúnio material.

            Pois bem; leio a mensagem de Natal do Presidente do Brasil e me animo em acreditar que demos um novo passo no sentido dessas conquistas. Sua linguagem poética é uma esperança no caminho da pacificação da família brasileira. Mais que isso, é uma promessa a melhores dias, muito melhores do que a simples tolerância para com a religião das minorias. É um aceno à implantação do Cristianismo, a bem dizer, dos próprios postulados em que a Doutrina Espírita se assenta.

            E, afinal, não há porque muitas surpresas. Não é o Brasil a “Pátria do Evangelho” e o “Coração do Mundo”?

            Não conheço pessoalmente o General Emílio Garrastazu Médici. Não nos devemos nada um ao outro, a não ser o meu respeito a ele como Presidente da República e o dele a mim como cidadão brasileiro, dentro do contrato tácito que firmamos, com a assinatura de Rousseau por testemunha. Não pretendo pedir-lhe coisa alguma, senão que continue a fazer versos, a oficializar a poesia e a aludir aos invisíveis. Particularmente eu, como visível, quero apenas dizer-lhe que os espíritas brasileiros cremos muito mais no Brasil dirigido por poetas cristãos que por materialistas incrédulos.

por Luciano dos Anjos
in   Reformador (FEB)  Fevereiro 1970


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