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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

05 / 09 Textos do Centenário


A Codificação
e as ideias do Mundo atual
Parte  2  /  2

in Reformador (FEB) Abril, 1957

     Kardec nos ensina que  a Natureza é o livro de Deus, sempre aberto à leitura do homem que tem aí lições a aprender por toda a eternidade. Livro maravilhoso, sem dúvida, poema grandioso que nos lançaria de joelhos, em êxtase de adoração, se os soubéssemos ler. Quantas maravilhas em cada página desse livro!

     Uma simples semente fecundada, encerando a futura árvore de sua espécie, conta-nos uma bela história de seu passado: quando a flor feminina recebeu do vento ou nas asas de um inseto, de mistura com muitos outros diferentes, e escolheu castamente o pólen que lhe pertencia e fechou-se a todos os outros, é o poema de sua juventude; na semente agora madura e fecunda se acha escrita a missão futura: vai ser plantinha tenra, árvore com folhas, flores, fruto e nova semente para perpetuar sua espécie numa evolução lenta, multissecular.

     No organismo minúsculo de um inseto se revela tanto engenho, tanta previsão e sabedoria divina! No corpo humano quanto de maravilhoso sabemos hoje, revelando uma formação lenta através de milhões de anos, e quantos mistérios ainda a se revelarem no futuro, com a evolução que se há de realizar!

     A ciência humana está estudando com afinco a letra encantadora desse livro de Deus; mas por enquanto apenas a letra que mata; ainda não penetrou no espírito que vivifica e revela o Autor espiritual da obra.  Por enquanto temos visto apenas o lado exterior das coisas que se acham escritas nesse livro maravilhoso. O Espiritismo nos irá ensinando a descobrir o espírito, a vida, a eternidade que se oculta por trás da letra, além da forma e do fenômeno, dentro, na essência mesma das coisas que o Livro de Deus põe sob nossos olhos.

     Não será só com os olhos físicos, mesmo ajudados pelos mais poderosos microscópios e telescópios que viremos a compreender toda a beleza desse poema. Serão necessários olhos espirituais que estamos desenvolvendo muito lentamente: intuição poderosa, amor profundo, inspiração superior, humildade perfeita e fé robusta serão os novos sentidos que teremos de adquirir para compreender a Natureza.

     Por enquanto nos achamos na situação de quem abra um poema belíssimo, mas em língua estranha, da qual só conhecemos algumas poucas palavras de uso mais corrente e material. Por estes poucos vocábulos que apanhamos numa ou noutra estrofe, não podemos receber o espírito do poeta que anima os versos; quase tudo nos escapa. Assim também ocorre com o Livro de Deus. No estudo que fazemos das ciências naturais não entra o espírito, entram só palavras, só a letra que mata.

     Vemos uma anomalia anatômica, um defeito orgânico, e ousamos dizer: “a natureza também erra; a natureza produz também monstros”, e não podemos ir além; mas a pouco e pouco o Espiritismo nos vai revelando a existência de um molde sobre o qual se formou o corpo, e, para trás desse modelo, a força espiritual que engendrou a beleza, a harmonia, a perfeição, ou as anomalias, as deficiências, as monstruosidades. Tudo foi plasmado por um pretérito e o presente está plasmando um porvir.

     O livro está aberto, mas ainda não temos olhos de ver. Virá o dia em que saberemos lê-lo, enlevados de amor pelo Poeta que o escreveu.

     A Terceira Revelação nos ensinará a buscar a essência mesma das coisas e dos seres para entendermos as formas; a encontrarmos o Relojoeiro por cima do relógio que se manifesta sob os nossos olhos e a dizermos com Xenócrates:

“Pode rugir a carne... Embora! Dela acima
Paira o espírito ideal que a purifica e anima;
Cobrem nuvens o espaço, e, acima do atro véu
Das nuvens, brilha a estrela iluminando o Céu!”

*

     Nestes cem anos decorridos depois do aparecimento de “O Livro dos Espíritos”, o progresso da Humanidade terrestre se tornou vertiginosamente rápido, ocasionando transformações inconcebíveis e perturbações apavorantes pela falta de tempo para adaptações.

     As ciências fizeram descobertas e aprimoramentos extraordinários e em muito maior número do que em milênios anteriores.

     As questões econômico-sociais deram arrancadas fabulosas e transformaram as concepções de direitos e deveres, alterando fundamentalmente toda a legislação, e isso num ritmo tão acelerado que desajustou a vida dos homens e causou rios de sangue, pavor, morte e sobressaltos nos espíritos mais serenos.

     A técnica aplicou conhecimentos, que pareciam apenas teóricos, de ciência pura, determinando conquistas titânicas, com as quais não se poderia sequer sonhar: surgiram a fonografia, a telefonia, a aviação, a cinematografia, o rádio, a televisão, o radar, a desagregação atômica, e o mundo velho desapareceu magicamente, dolorosamente, abrindo campo ao novo ainda inexperto e capaz dos maiores erros.

     Todo este miraculoso progresso foi de ordem puramente material, sem levar em conta a moral nem o espírito. Foram explosões lógicas da evolução do materialismo. Da Terceira Revelação só pequena parte da Humanidade tomou conhecimento. Dir-se-ia que o Plano Divino está por um certo tempo alterado pelo livre arbítrio humano, porque, para este empregar com verdadeiro proveito todas aquelas conquistas, cumpria primeiramente conhecer a vida e as leis morais que regem no corpo e fora dele, mas a Humanidade continua ignorando o que é a vida e quais são as leis morais.

     Essas leis foram reveladas pelas religiões orientais, pelos filósofos gregos, por Moisés, pelos profetas de Israel, por Jesus Cristo, e ficaram entregues às igrejas, porém os responsáveis pela sua guarda e execução esqueceram-se de exemplificá-las, foram envolvidos pelo materialismo e passaram a obedecer ao determinismo econômico e às injunções políticas que dele decorrem.

     Como traço de união entre o materialismo científico e o otimismo espiritualista, trinta anos depois de “O Livro dos Espíritos” surgiu no mundo o Esperanto, que igualmente empolgou um número pequeno de idealistas, mas teve a mesmo sorte do Espiritismo: permaneceu vivo, ardoroso e belo, porém em rodas pequenas e sem  influência na administração do mundo.
  

    Inconscientemente, o homem preferiu o caminho da dor para realizar sua evolução; seguiu o método direto em vez de seguir o analítico, como se diz no ensino de línguas. Assim ficou de posse de forças poderosíssimas que ele ainda não sabe empregar em seu verdadeiro interesse, para engendrarem felicidade, paz, harmonia e beleza.

     Como seria diferente e melhor se o Plano Divino da evolução houvesse sido rigorosamente obedecido na sintonia perfeita das conquistas morais e das científicas!

     Estudando e aceitando respeitosamente as leis morais que lhe foram apresentadas na Codificação, o homem teria sabido empregar todas essas forças para o bem; ter-se-ia apropriado do grande instrumento da compreensão mundial – do Esperanto -, para entrar em colaboração harmoniosa com os habitantes de todas as regiões; teria feito pacificamente a transformação do mundo de expiações e provas em mundo regenerador.

     As paixões cegaram o homem e não lhe permitiram compreender humildemente o Plano Divino. Por certo tempo tudo parece alterado; mas por fim tudo há de reajustar-se: desencantado das conquistas apenas materiais, o homem se voltará com humildade para a vida espiritual e começará a corrigir seus erros passados.

     O que se deveria ter feito em trinta nos, far-se-á em trezentos, com muito mais dor, mas será feito.

     Para descermos da visão mundial para a doméstica, permitam-nos lembrar que este órgão está silenciosamente comemorando seu Jubileu de Diamante, que completam agora dois decênios de trabalhos da Casa de Ismael em favor do Esperanto, e que, a despeito de todas as deficiências dos instrumentos humanos, o órgão cresceu sempre e o trabalho pelo Esperanto vem produzindo frutos já proclamados como grandes pelos nossos adversários ideológicos. É inegável que esta Casa está recebendo as bênçãos do Alto para suprir nossas falhas e levar a bom termo a missão que lhe foi diferida.

     Nenhum mérito nos pode ser atribuído, porque a parte boa da obra realmente não é nossa: já nos vem traçada do Alto. Apenas temos procurado executar ordens recebidas dos verdadeiros Dirigentes da Casa.

     A forma mais concisa que eles nos deram como programa de nosso trabalho é simbolizada em um triângulo que representa três afirmações: é, é, é, que equivaleria a existe, existe, existe, escrito assim:

E
E  E

     Evangelho, Espiritismo, Esperanto. São três afirmações, sem nenhuma negação. Nada temos que negar, nem destruir, nem desfazer, mas somente afirmar, construir e fazer.

     Ao comemorarmos um primeiro centenário estamos festejando o alvorecer de outro: o fim de um século e o começo de outro. Neste novo centenário que estamos iniciando, nossos sucessores terão falhas nossas a corrigir, mas encontrarão assentadas as bases para uma obra gloriosa edificação nestes próximos cem anos.

     A dor e a repetição paciente dos fenômenos não permitirão ao homem permanecer sempre em fria indiferença pela beleza da vida, pela sabedoria da Codificação.

     Uma das grandes diferenças no trabalho da FEB, neste segundo centenário que estamos iniciando, é que ela passará a trabalhar mais intensamente além fronteiras, em escala planetária. Vamos permitir-nos mencionar apenas um índice dessa nova fase.

     Em carta de 5 de janeiro deste ano, escreveu-nos o Sr. N. Esumi, em nome de uma grande editora japonesa, pedindo nossa permissão para traduzir e publicar, primeiramente numa grande revista que atinge um milhão de leitores, e depois em forma de livros, nossas edições em Esperanto de “O Livros dos Espíritos” e “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.

     Não conhecem essas obras em francês nem teriam facilidade em traduzi-las do original, quando as edições em Esperanto lhes são perfeitamente acessíveis. Os dois livros de Allan Kardec vão ter logo de início elevadíssimo número de leitores em japonês, porque a grande tiragem da revista alcança um público imenso, não só nas ilhas nipônicas, como nas colônias japonesas espalhadas pelo mundo.

     Nossa edição de “O Livro dos Espíritos” em Esperanto foi lançada precisamente há 11 anos, em 18-4-46, e a primeira edição de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em 3-10-47, há quase dez anos. Ambas foram recebidas encomiasticamente pela crítica literária, como modelos clássicos de estilo. Estão destinadas a um grande futuro.

     Há mais de uma centena de livros preciosos que cumpre traduzir e publicar em Esperanto, para que o Esperanto lhes sirva de ponte a alcançarem edições em todas as línguas do Oriente e do Ocidente. Esta é uma das belas tarefas para os nossos sucessores no segundo centenário, com mais recursos do que tivemos nós nesses primeiros cem anos.

     Além das edições em forma de livro, disporão eles, os nossos sucessores, de edições fonográficas e de rádio e televisão para realizarem uma pregação que atinja realmente toda da Humanidade.

     Felizes, porém, nos sintamos com o que nos foi possível realizar nesse primeiro século e aos Céus agradeçamos a graça de nos haver permitido colaborar na obra de espiritualização dos povos, pedindo que nos seja concedida a alegria de voltarmos a esse mesmo trabalho, em nossas futuras reencarnações.



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